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Você pagaria para aprender a ser uma influenciadora?

Escola de criação de conteúdo on-line arrecada milhões de dólares para ensinar como bombar nas redes sociais

Internacional|Chiara Dello Joio, do The New York Times

Em workshop, participantes realizaram uma 'sessão de criação de conteúdo', filmando conteúdo original e colaborando entre si Scott McIntyre/The New York Times

Miami – Em agosto, o clima dentro do salão de eventos de um hotel situado no bairro de Coconut Grove, em Miami, misturava o nervosismo do primeiro dia de aula com a solenidade de uma cerimônia de iniciação do grêmio feminino. Ali havia cerca de 50 mulheres, a maioria na faixa dos 30 e poucos, vestidas em cores (neutras, com um toque de vermelho) e estilos (calça social, saia comprida e camiseta sem manga) semelhantes, segundo o painel semântico de estilo que tinham recebido na semana anterior.

Nas cinco horas seguintes, elas assistiram a apresentações, participaram de uma sessão de perguntas e respostas e se dividiram em pequenos grupos – exatamente como se faz nas conferências corporativas. Esse encontro, entretanto, incluía também um período de “criação de conteúdo”, durante o qual tinham de trabalhar em grupo para produzir vídeos e fotos. Os anéis de luz brilhavam por toda parte, enquanto as jovens se espalhavam, à procura do melhor cantinho. Elas estavam ali para aprender a ser influenciadoras.

Foi a primeira aula da turma da Creator Method, escola de criação de conteúdo on-line fundada por Valeria Lipovetsky, de 34 anos, e pelo marido, Gary, de 51, iniciativa que nada mais é que o desdobramento da empresa do casal, Valeria Inc., que apoia a carreira dela como influenciadora de moda e estilo de vida. No TikTok e no Instagram – onde tem 2,3 milhões e 1,8 milhão de seguidores, respectivamente –, ela posta reels revelando o processo de produção do visual diário, cenas da vida dos três filhos e trechinhos do podcast que apresenta, “Not Alone”, no qual conversa principalmente com convidadas mulheres sobre relacionamentos e bem-estar. Segundo os próprios cálculos, suas marcas nas redes sociais já lhe renderam aproximadamente US$ 13,5 milhões ao longo da carreira.

A bordo de um vestido verde-claro e ao lado dos filhos – Benjamin, de nove anos, e Maximus, de cinco –, ela prometera ensinar a esse grupo de mulheres jovens seus métodos. O curso que ensina a ser influenciadora não tem lição de casa, nem provas, nem dá nenhum tipo de diploma. Em compensação, a taxa de adesão anual de US$ 3 mil garante às alunas acesso a mais de 80 aulas pré-gravadas em vídeo (número que não para de crescer); chamadas semanais de vídeo no Zoom com a família de Lipovetsky e Rachel Ostro, CEO da Valeria Inc.; e sessões de bate-papo de grupos privados.


Entre as aulas, há a que instrui como atrair parcerias com marcas, a que enfatiza a importância da constância das postagens e as melhores práticas no iPhone. Eventos no mundo físico, como esse que foi organizado em agosto, estão incluídos no preço. “Acho que a Creator Method mostra um pouco do que será a educação no futuro”, disse Lipovetsky.

De fato, a procura por seus ensinamentos nunca foi tão grande. A economia da criação de conteúdo atualmente é de US$ 250 bilhões e, segundo a Goldman Sachs Research, a previsão é que bata nos US$ 480 bilhões até 2027. Como reflexo/consequência dessa expansão, uma pesquisa feita pela Morning Consult em 2023 descobriu que pelo menos metade dos membros da Geração Z quer ser influenciador e vê a atividade como opção viável de carreira.


Entre as aulas, há a que instrui como atrair parcerias com marcas, a que enfatiza a importância da constância das postagens e as melhores práticas Scott McIntyre/The New York Times

A verdade é que muitas pessoas que se deram bem nas redes sociais emplacaram sem nenhum treinamento ou curso específico; algumas, aliás, caíram no ramo meio que de paraquedas. Com o preço salgado e a promessa “educacional”, o curso de Lipovetsky é visto com um ceticismo cauteloso. “Inspira cautela por parte do consumidor, porque uma coisa é você querer abrir uma consultoria e encontrar alguém que lhe ensine o caminho das pedras, outra é se vender como pacote educativo. Pode dar problemas”, afirmou Jeff Hancock, diretor fundador do Laboratório de Mídia Social e professor de comunicação da Universidade Stanford.

Matrícula para impulsionar a ‘jornada de criação’

Para ser admitido na escola de influenciadoras de Lipovetsky, não basta apenas se dispor a pagar; é preciso se inscrever para ser selecionada. “Fiquei muito surpresa e grata por poder começar minha carreira de influenciadora já com um respaldo como esse”, vibrou Murielle Simplice, enfermeira de 28 anos de Ottawa, em Ontário, que cria conteúdo de bem-estar. Ela foi aceita mesmo tendo apenas 76 seguidores. Para Ina Melendez, de 35, é “uma forma positiva de exclusividade”. “Disse a mim mesma que ser aceita seria um sinal.”


Em julho, a taxa de admissão era de 93%. Embora entre as alunas haja muitas mães e donas de casa, há também diversas profissionais – sexóloga, controladora de tráfego aéreo e professora de dança, entre outras – que estão ali para investir em um reforço à carreira principal em outra área ou fazer a transição para a atividade de influenciadora em tempo integral.

A Creator Method não é a única instituição do tipo, mas é uma das poucas que não se anuncia prometendo uma legião de seguidores. Natalie Ellis, fundadora da Boss Babe, abriu o próprio curso em outubro de 2021, promovendo métodos comprovados de aumento rápido de público, e contou que, de lá para cá, 3.760 pessoas já se inscreveram no curso de três meses que se divide em três segmentos – “calouro”, “segundanista” e “terceiranista” – e oferece às participantes um certificado de conclusão. “O currículo foi planejado para ajudá-las a criar e/ou estabelecer a própria marca, angariando com isso mais público e garantindo um fôlego extra”, comentou Ellis.

Com o preço salgado e a promessa 'educacional', o curso de Lipovetsky é visto com um ceticismo cauteloso Scott McIntyre/The New York Times

Há quem diga que há, sim, uma necessidade de especialistas dispostos a compartilhar seus conhecimentos de como influenciar os outros – coisa que não se ensina em instituições tradicionais. “Acho que há uma necessidade concreta de cursos relevantes e confiáveis”, confirmou Robert Kwortnik, professor associado da Faculdade de Administração SC Johnson da Universidade Cornell. Outros, porém, não põem muita fé no que alguns professores estão vendendo a alguns aspirantes a influenciador. “Praticamente todos vendem algum tipo de ideologia do empreendedorismo. Parte dessa ideologia enfatiza ao aluno a oportunidade de repaginar a vida como sempre quis, livrando-se do tédio e das agruras do empreguinho tradicional das oito às seis”, informou Angèle Christin, professora associada do departamento de comunicação da Universidade Stanford que estuda os influenciadores e já fez mais de uma dúzia de cursos de criação para reforçar suas pesquisas.

A verdade é que ninguém se espanta com o fascínio que o conceito gera, pois o que não falta são interessadas em pagar US$ 3 mil pelos ensinamentos de Lipovetsky – com a certeza de que gerarão bons resultados.

Como em qualquer escola, tudo talvez se resuma à aplicação das próprias alunas – como afirmou Rosa Hoffman, de 37 anos, que cria conteúdo sobre cuidados com a pele. “Ali eles dão as técnicas. Se você não as aplicar ou se aplicar, não pode contar com expansão.”

c. 2024 The New York Times Company

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