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Rússia atacou Ucrânia para destituir exército nazista?

Publicações sugerem que invasão russa é justificável, por associação do governo ucraniano ao nazismo e promoção de um genocídio

MonitoR7|Do R7

Membros das Forças Armadas da Rússia fazem exercícios militares na região de Leningrado
Membros das Forças Armadas da Rússia fazem exercícios militares na região de Leningrado

A Rússia iniciou o ataque à Ucrânia no último dia 24. O ataque começou enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, fazia um pronunciamento. No seu discurso, Putin reconheceu as repúblicas rebeldes de Donetsky e Luhansky como áreas independentes da Ucrânia e afirmou que autorizou a operação militar para "proteger a população do leste ucraniano.

Vladimir Putin afirmou ainda que era preciso por fim imediato ao "genocídio voltado contra milhões de pessoas que lá vivem e cuja única esperança está na Rússia". Um genocídio, segundo ele, "por parte do regime de Kiev". Um dos objetivos da ação militar seria também, de acordo com o pronunciamento do presidente russo, "desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia".

Ao se dirigir aos militares da Ucrânia, Putin disse que "seus pais, avôs e bisavôs não lutaram contra os nazistas, defendendo nossa Pátria comum, para que os neonazistas de hoje tomassem o poder na Ucrânia".

Apesar da condenação ao ataque pela maior parte dos países, o teor e as justificativas apresentadas no discurso de Vladimir Putin encontraram defensores nas redes sociais brasileiras. Uma das publicações repete exatamente as mesmas palavras sobre "desmilitarização e desnazificação" da Ucrânia e fala em parar o exército ucraniano, "que há mais de 8 anos vem sacrificando os habitantes de Donetsky e Lugaski". 


Para tentar esclarecer a questão, o MonitoR7 ouviu Álvaro Amyuni, especialista em Relações Internacionais e pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Unesp (Universidade Estadual Paulista). De acordo com Amyuni, a Ucrânia não é um país nazista.

Segundo Amyuni, a acusação de que o governo ucraniano é nazista parte do governo de Vladimir Putin, em suas tentativas de desmoralizar o governo da Ucrânia e justificar uma “operação humanitária” no país. 


Politicamente, o governo do atual presidente ucrâniano, Volodymyr Zelensky, se posiciona ao Centro. Zelensky foi eleito com um discursos anti-corrupção e pró-Europa. "Ideologicamente, portanto, o governo da Ucrânia não tem inclinações nazistas, sendo o próprio Zelensky, um judeu", afirma Amyuni.

O especialista, no entanto, afirma que na área militar a situação é um pouco diferente. A acusação de Putin e os comentários no mesmo sentido em redes sociais brasileiras tem base real na existência dos chamados “batalhões voluntaristas”, que começaram a ganhar força no país a partir do agravamento da crise separatista em Donetsk e Luhansk na primavera de 2014.


"Esses batalhões eram forças paramilitares compostas por civis que se voluntariaram, diante da impotência do exército ucraniano, para defender o país dos separatistas e de uma possível invasão russa", segundo Amyuni. Entre esses batalhões, surgiram alguns de extrema-direita e até assumidamente nazistas. O mais conhecido desses é o chamado Batalhão Azov. 

Por conta do relativo sucesso na contenção dos separatistas, o governo ucraniano resolveu absorver total ou parcialmente os batalhões voluntaristas como forças regulares do exército, fazendo "vista grossa" para a orientação ideológica desses grupos.

Amyuni afirma que, com o tempo, o Azov passou por mudanças, para diminuir a associação do grupo com declarações extremistas. "Seus líderes e fundadores foram substituídos, mas o grupo continua recrutando indivíduos radicalizados pela extrema-direita no Ocidente, que inclusive se comunicam com a imprensa abertamente sobre suas pautas supremacistas" completa o pesquisador.

Aqui mesmo, no Brasil, é possível encontrar grupos em aplicativos de mensagens que usam o movimento de direita ucraniano como inspiração e até recrutam "soldados" para o combate em defesa dessa ideologia. 

Vladimir Putin, ainda na tentativa de justificar os ataques, afirmou em seu discurso que era preciso parar o "genocídio" promovido pelo governo ucraniano. Uma afirmação forte, já que genocídio é um crime que pode gerar até condenação de governos no Tribunal Penal Internacional . Mais uma vez, argumento aceito e repetido por publicações em redes sociais brasileiras.

Nós verificamos os relatórios sobre a Ucrânia na Anistia Internacional, organização global independente, que atua na defesa dos direitos humanos. Segundo a entidade, "membros de grupos que defendem a discriminação (comumente descritos na Ucrânia como grupos de extrema-direita) continuaram a atacar ativistas da sociedade civil, opositores políticos, jornalistas e membros de grupos marginalizados com assédio, intimidação e violência".

Ainda de acordo com o relatório da entidade, as denúncias contra esses grupos "envolviam tortura e outros maus-tratos", principalmente sob custódia policial. "Os funcionários do serviço de segurança responsáveis ​​pela detenção secreta e tortura no Leste da Ucrânia de 2014 a 2016 continuaram a gozar de total impunidade" aponta a Anistia.

Resumidamente, portanto, procedem as acusações de existência na Ucrânia de perseguição, tortura e ataques a opositores, ativistas e membros de grupos marginalizados. E, o pior, com quase total impunidade. O relatório da Anistia Internacional cita ainda discriminação no país contra ciganos, grupos feministas e LGBTI. Mas em nenhum momento a Anistia Internacional cita a palavra genocídio.

O crime de genocídio é definido pela Organização das Nações Unidas (Onu) como "atos cometidos com o objetivo de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Verificamos também o relatório da Anistia Internacional sobre a Rússia. E lá é possível encontrar denúncias de situações semelhantes às relatadas na Ucrânia. O relatório cita torturas e maus tratos que não são punidos, violência contra mulheres e perseguição a pessoas LGBTI. O relatório fala ainda em prisões e condenações a longas penas de pessoas do grupo cristão Testemunhas de Jeová, sob acusação de "extremismo". 

Não vamos entrar aqui na discussão se a Rússia tinha ou não justificativas para invadir a Ucrânia. Há uma série de outras questões em torno desse tema, que envolvem toda a história de conflitos da Rússia com o Ocidente, desde os tempos da extinta União Soviética. No entanto, é necessário dizer que, sejam quais forem as motivações russas, o recurso à agressão armada de um país vizinho é, por si, um ato condenável.

Tratamos aqui apenas dos argumentos usados pelo governo russo e por publicações em redes sociais brasileiras, de "combate a um exército nazista" e "necessidade de acabar com um genocídio". Estes argumentos não procedem. 

É falso que o governo ucraniano ou seu Exército seja nazista. Apesar de ser verdade que, por conveniência, o governo aceitou a incorporação de grupos paramilitares nazistas como batalhões do Exército e tenha feito "vista grossa" aos crimes cometidos por estes grupos. Essa atitude é condenável e extremamente perigosa, mas não reflete a atuação de todos os integrantes das Forças Armadas daquele país.

Também é falso que o governo ucraniano promova um "genocídio" contra os russos que vivem na Ucrânia ou outros grupos étnicos e religiosos. Estes mesmos grupos paramilitares de direita usam linguagem racista e, mais que isso, cometem crimes, sem serem punidos. O governo ucraniano merece condenação internacional por permitir e não punir esses crimes. Mas eles não justificam uma intervenção armada de um país vizinho.

Mesmo que se venha a classificar os atos lá registrados como genocídio, o sistema de governança internacional criou um Tribunal Penal Internacional exatamente para avaliar situações acusações desse tipo.

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É fake que Rússia atacou Ucrânia para destituir exército nazista
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