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Luiz Fara Monteiro

O possível aumento das jornadas dos aeronautas brasileiros

Especialista comenta audiência pública em que a ANAC realizará sobre proposta de revisão do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil sobre o gerenciamento do risco de fadiga na aviação

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Carlos Barbosa: Advogado especialista em Direito Aeronáutico Divulgação

Artigo de autoria de Carlos Barbosa, advogado especialista em Direito Aeronáutico

No próximo dia 28 de junho, às 14h, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) realizará audiência pública sobre a proposta de revisão do Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) nº 117, que trata sobre os requisitos relativos ao gerenciamento do risco de fadiga na aviação. A sessão será presencial, na sede da Agência, em Brasília (DF), com transmissão ao vivo pelo canal do Youtube da Anac.

A audiência pública terá o objetivo de escutar aeronautas, empresas, organizações e especialistas para aprimorar a norma que regula o tema, aperfeiçoar as possibilidades de negociação entre profissionais e empresas e promover melhores condições para o fomento de jornadas “mais produtivas”.

A proposta de emenda ao RBAC 117 está em consulta pública desde o dia 11 de junho, e receberá contribuições e sugestões de todos os interessados até o dia 12 de agosto de 2024. Os documentos relativos à Consulta Pública (texto da resolução proposta, análise de impacto regulatório, justificativa e formulário para envio das sugestões) estão disponíveis na página de Consulta Pública em andamento no portal da Anac.


Segundo a Agência, “a atualização do regulamento pretende revisar critérios para o gerenciamento da fadiga nas tripulações das operações regidas pelo RBAC nº 121, obedecendo a legislação em vigor, sem descuidar da segurança dessas operações. Quanto aos limites máximos de jornada, a proposta não afasta a obrigatoriedade prevista pela Lei nº 13.475, de 28 de agosto de 2017 (Lei do Aeronauta) de ratificação do consenso entre trabalhadores e empresas por Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho, nos casos de jornadas de trabalho em tripulação simples que superem 12 horas ou que permitam períodos de repouso inferiores a 12 horas”.

Quanto aos períodos de repouso, nos casos de jornadas superiores a 12 horas, a ANAC assegura que permanece a regra vigente, no sentido de que o período de repouso seguinte deve ser de, pelo menos, 12 horas mais duas vezes o tempo que a jornada ultrapassou 12 horas. Ou seja, por mais que a regulação autorize, a concretização de jornadas maiores dependerá de negociações e contrapartidas acordadas diretamente entre as partes envolvidas (tripulantes e empresas aéreas).


Outras mudanças também estão sendo debatidas, tais como:

  • Duas opções de tabelas novas com tempos máximos de jornada e tempos de voo (tripulação simples, composta e de revezamento) – uma seguindo o padrão do FAA e a outra seguindo o regulamento vigente.
  • Aumento dos limites de tempo de voo acumulado mensais e anuais, promovendo-se adesão integral aos limites da regulação norte-americana, respeitada a jornada máxima mensal de 176 horas fixada pela Lei do Aeronauta.
  • Ajuste nas jornadas na madrugada para reduzir a ocorrência da sequência “madrugada-madrugada-início cedo” (entre 6h01 e 7h59).
  • Limite de três jornadas na madrugada para operação de passageiros a cada 168 horas.
  • Definição de requisitos para voos com tripulante extra para permitir seu retorno à base contratual, sem interferir na duração máxima de jornada.

O principal embasamento utilizado pela autarquia de aviação para a revisão regulatória em discussão é o Relatório de Avaliação Concorrencial da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE-2022), que recomendou às autoridades brasileiras a revisão dos parâmetros de tempo de voo e de jornada de trabalho vigentes no Brasil, pois seriam mais restritivos do que a de países vizinhos, sem uma motivação clara em termos de segurança operacional. A Agência entende que “o regulamento atual implica dificuldades indevidas na estipulação das escalas de tripulantes, onerando as empresas e dificultando soluções negociadas que sejam convenientes aos trabalhadores.”


O sindicato da categoria profissional dos aeronautas e associações profissionais já se manifestaram no sentido contrário à revisão, argumentando que o texto proposto é ilegal e inconstitucional (na medida em que a ANAC não teria competência para legislar sobre jornada de trabalho, tampouco flexibiliza-la/aumenta-la); que, se aprovado, as jornadas serão ampliadas em todos os períodos do dia (sendo permitidas jornadas de até 14h para tripulações simples e 19 horas para tripulações compostas, o que vai contra o sistema de gerenciamento de fadiga); que o tempo de repouso após jornadas extensas será insuficiente para o fim que o RBAC se propõe, dentre outros pontos.

Feitas estas considerações iniciais sobre a iminente audiência pública para tratar da revisão do RBAC 117, passemos a entender melhor todo o contexto envolvido com tal regulamento.

Do Sistema de Gerenciamento de Risco da Fadiga Humana (SGRFH/FRMS)

A fadiga dos tripulantes pode ser definida como um estado fisiológico de redução da capacidade de desempenho mental ou físico resultante de perda de sono ou vigília prolongada, fase circadiana ou carga de trabalho (atividade intelectual e/ou física) que pode prejudicar o estado de alerta situacional de um membro da tripulação e a capacidade de operar com segurança uma aeronave ou de executar tarefas relacionadas à segurança.

Representando um grande risco relacionado aos fatores humanos na aviação, a fadiga afeta a maioria dos aspectos relacionados à capacidade de um membro da tripulação em realizar seu trabalho de forma segura, tendo, portanto, implicações diretas na segurança de voo.

Combater a fadiga de tripulantes é hoje um dos principais desafios da aviação mundial. E, apesar da relevância de problemas relacionados aos projetos, à automação e ao treinamento, haja vista sua ocorrência em muitos dos acidentes infelizmente experimentados no meio aéreo, os fatores humanos, com especial destaque para o aspecto fisiológico da fadiga, têm se mostrado preponderantes nas ocorrências aeronáuticas registradas nos últimos anos, sendo a fadiga um significativo fator contribuinte.

E um dos principais meios, se não o principal, de mitigar os riscos decorrentes da fadiga humana na aviação, é o emprego de um efetivo gerenciamento dos riscos provenientes da fadiga, através de monitoramento por dados, análises objetivas e gerenciamento contínuo desses riscos, com base em conhecimentos e princípios científicos, bem como na experiência operacional, de forma a assegurar ao pessoal pertinente a realização de suas tarefas em níveis adequados e seguros de alerta.

Daí nasce a necessidade do estabelecimento de um sistema e um mecanismo direcionados a garantir que os tripulantes de voo e de cabine estejam suficientemente alertas para que possam operar em um nível satisfatório de desempenho, visando também alcançar um equilíbrio realista entre segurança, produtividade e custos. A ideia é que haja um monitoramento dos níveis de fadiga do aeronauta, buscando identificar proativamente oportunidades de melhoria operacional e de processos tendentes a reduzir os riscos identificados, bem como identificar deficiências após eventos adversos.

Nesse sentido, uma grande inovação legislativa foi trazida com o artigo 19 e seus parágrafos da Lei nº 13.475/17 (Nova Lei do Aeronauta - NLA)[1], qual seja o Sistema de Gerenciamento de Risco da Fadiga Humana (SGRFH), fixando um novo marco regulatório em matéria de segurança de voo no Brasil e em controle de fadiga no campo do Direito do Trabalho[2].

Dentre outras disposições, o SGRFH (do inglês, Fatigue Risk Management System – FRMS) possibilita que as limitações operacionais estabelecidas na NLA sejam alteradas pela ANAC, com base nos preceitos do SGRFH. Essas limitações operacionais passíveis de alteração compreendem quaisquer prescrições temporais relativas a limites de voo, de pouso, de jornada de trabalho, de sobreaviso, de reserva e de períodos de repouso, bem como a outros fatores que possam reduzir o estado de alerta da tripulação ou comprometer o seu desempenho operacional.

A lei define a responsabilidade da ANAC para regulamentar o SGRFH, com base nas normas e recomendações internacionais de aviação civil, sendo que a implantação e a atualização do sistema deverão ter acompanhamento do sindicato da categoria profissional.

Em cumprimento à lei, a ANAC desenvolveu o RBAC nº 117. O documento – que foi aprovado pela Resolução nº 507, de 13 de março de 2019, publicada no DOU de 19 de março de 2019, e que entrou em vigor em 29 de fevereiro de 2020, junto com os artigos da 31, 32, 33, 35, 36 e 37 da NLA, referentes a limites de voos e pousos por jornada, limites mensais e anuais de horas de voo e limites totais de jornada – estabelece limitações operacionais relativas ao gerenciamento da fadiga para tripulantes e operadores aéreos, e traz a possibilidade de alteração das prescrições temporais tidas como limites pela NLA (tempo de voo, número de pousos, duração da jornada de trabalho, períodos de sobreaviso e de reserva, repouso regulamentar interjornadas e quaisquer outras condições que tenham o potencial de afetar a capacidade cognitiva e física dos tripulantes).

Faremos a seguir uma breve análise conceitual e sobre o atual cenário do gerenciamento de risco da fadiga humana na aviação no Brasil, inclusive expondo as recentes alterações e produções legislativas sobre o tema, abordando os aspectos jurídicos que orbitam sobre o SGRFH e o RBAC nº 117.

Conceito de SGRFH/FRMS

A OACI define o FRMS como:

“Um meio baseado em dados para monitorar e gerenciar continuamente os riscos de segurança relacionados à fadiga, baseado em princípios e conhecimentos científicos, bem como experiência operacional, visando garantir que o pessoal envolvido esteja atuando em níveis adequados de alerta”[3].

A norma brasileira, especificamente o item 117.3.(y) do RBAC nº 117[4], aparentemente traduziu a diretriz internacional da OACI, incorporando-a ao RBAC e conceituando o SGRFH como:

“Um sistema, aprovado pela ANAC, de monitoramento e gerenciamento contínuo dos riscos de segurança associados à fadiga, baseado em dados, princípios científicos e experiência operacional, que visa assegurar que o pessoal envolvido execute suas atividades sob um nível adequado de alerta.”

Quando da interpretação do tema em questão, é preciso ter o cuidado de se separar o “gerenciamento da fadiga” em sentido amplo (consistente neste novo conjunto de normas e mecanismos destinados ao monitoramento da fadiga humana na aviação para o fim de mitigar seus riscos e proporcionar melhores condições de trabalho) do SGRFH, que é o sistema em sentido estrito, sendo o nível de maior flexibilidade possibilitado pela ANAC (veremos à frente que no RBAC nº 117 há três níveis de gerenciamento da fadiga). Atenta a tal divisão conceitual, a OACI define o “gerenciamento de fadiga” lato sensu através do DOC 9966[5] como sendo “o conjunto de métodos pelos quais os prestadores de serviços e o pessoal operacional lidam com as implicações de segurança relacionadas à fadiga”.

Histórico do SGRFH/FRMS

A marcha histórica que levou ao surgimento de um sistema destinado ao gerenciamento da fadiga do tripulante sempre foi conduzida no sentido de trazer à legislação do aeronauta mecanismos capazes de mitigar tal fator, promovendo uma operação segura e um trabalho digno. Até durante a vigência da Lei nº 7.183/84, esse mecanismo funcionava indiretamente através dos limites máximos de jornada; limites máximos de pousos; limites máximos de horas de voo (mensais, trimestrais e anuais); limites mínimos de descanso/repouso entre uma jornada e outra; limite de operação na madrugada; e número mínimo de folgas mensais. Com o advento da NLA, além de tais limites serem reforçados, mais bem distribuídos e até mesmo apresentarem parâmetros mais benéficos do que os anteriores, há agora o estabelecimento de um mecanismo direto de controle da fadiga humana na atividade aérea. Evidentemente, esse sistema não surgiu da noite para o dia.

Em 1986, durante a 26ª Assembleia da OACI, a importância dos Fatores Humanos para a segurança operacional da aviação foi reconhecida oficialmente pela primeira vez. Na oportunidade, a Comissão de Navegação Aérea da Organização formulou a Resolução A26-9, estabelecendo o Programa de Fatores Humanos e Segurança de Voo[6], cujo objetivo é:

“Melhorar a segurança na aviação, tornando os Estados mais conscientes da importância dos Fatores Humanos nas operações da aviação civil, por meio do desenvolvimento e recomendação de emendas apropriadas às informações existentes nos Anexos, do provimento de material-guia desenvolvido com base na experiência desses Estados e outros documentos afetos ao papel dos Fatores Humanos nos ambientes operacionais atuais e futuros.”

Basicamente, o objetivo da OACI foi aumentar a segurança da aviação fazendo com que os Estados se mostrem mais conscientes e atentos à importância do fator humano nas operações de aviação civil, criando e adotando textos e medidas práticas relativas ao fator humano. Notadamente entre o final dos anos 1980 e inícios dos anos 1990, quando a fadiga começou a se destacar como um potencial fator contribuinte de acidentes aéreos, a OACI passou a promover painéis, reuniões e estudos voltados ao risco da fadiga humana na aviação. Foram então desenvolvidas diversas circulares sobre temas relevantes ligados aos fatores humanos, com o escopo de conscientizar gestores, administradores e a indústria aeronáutica como um todo sobre a influência do desempenho humano na segurança das operações – posteriormente, todo esse conteúdo foi inserido, em forma de requisitos de treinamento e de licenciamento, no Anexo 1 – Licença de Pessoal, no Anexo 6 – Operação de Aeronaves e no processo de investigação de acidentes, integrante do Anexo 13 da OACI.

Nos anos que se passaram entre a transição dos séculos XX e XI, a fadiga constantemente era identificada como um dos fatores contribuintes nos acidentes investigados, de modo que a OACI intensificou estudos e documentos relativos ao tema, até que em 2011 é desenvolvido o Manual para Supervisão de Abordagens de Gerenciamento de Fadiga (do inglês, Manual for the Oversight of Fatigue Management Approaches), denominado DOC 9966, com a função de servir como adendo à Emenda 37 ao Anexo 6 da Organização. Os estudos relacionados à fadiga prosseguiram com tanto dinamismo no âmbito da OACI que referido regulamento já está na segunda revisão da sua segunda edição (2020), além de terem sido editados outros manuais relativos à fadiga nesse intercurso temporal[7].

No mesmo ano em que a OACI divulga o DOC 9966 (2011), tem início no Brasil o projeto de uma Nova Lei do Aeronauta, com o PLS n° 434/11 – o qual somente após seis anos de tramitação entraria em vigor.

Tratando de Brasil, damos destaque ao Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CNPAA). Instituído pelo artigo 6º, do Decreto nº 87.249, de 7 de junho de 1982, sob a direção e coordenação do CENIPA, o Comitê reúne representantes de entidades nacionais envolvidas, direta ou indiretamente, com a atividade aérea. O objetivo do CNPAA, nos termos do Decreto n° 9.540, de 25 de outubro de 2018, é “elaborar estudos, em âmbito nacional, em proveito do desenvolvimento seguro e harmônico da aviação”[8].

Em 2011 é criada, no âmbito do CNNPA, a Comissão Nacional de Fadiga Humana (CNFH)[9], decorrente da apresentação, pela Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil, de resultados preliminares obtidos por uma pesquisa realizada em parceria com a Associação dos Aeronautas da GOL e com a Universidade de São Paulo (USP), sobre fadiga de pilotos. Os dados obtidos pelo referido estudo, através do projeto denominado Fadigômetro, demonstraram a complexidade em se investigar a fadiga desses profissionais e apontaram à necessidade da existência de mecanismos próprios para o gerenciamento da fadiga na aviação – aprovado em 30 de novembro de 2022 pelo CNPAA[10], o Fadigômetro, considerado um projeto pioneiro no mundo, tem como objetivo a criação de um banco de dados sobre o estado de alerta das tripulações da aviação civil brasileira durante suas jornadas de trabalho, através de uma equipe que faz o mapeamento estatístico da fadiga humana através de software biomatemático numa amostra de conveniência da aviação civil brasileira, promovendo a identificação de perigos relativos à degradação do desempenho cognitivo, assim como determinando a exposição ao risco no modal aéreo segundo as escalas de trabalho dos aeronautas.

Com a publicação da Lei nº 13.475/17, uma das principais e mais aguardadas mudanças contidas em sua redação foi a instituição de um sistema de gerenciamento do risco da fadiga dos tripulantes no país, prevendo a possibilidade de a ANAC alterar os limites operacionais da lei (limites de voo, de pouso, de jornada de trabalho, de sobreaviso, de reserva e de períodos de repouso, dentre outros) com base nos preceitos do SGRFH. Vejamos o teor do art. 19 da referida lei:

“Art. 19. As limitações operacionais estabelecidas nesta Lei poderão ser alteradas pela autoridade de aviação civil brasileira com base nos preceitos do Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana.”

Ou seja, é a primeira vez em que a legislação específica do aeronauta trata do tema de forma expressa. Por mais que a lei anterior (Lei nº 7.183/84), da qual ainda vigoraram por um tempo alguns artigos relativos aos prescritivos limítrofes de jornada, previsse tais prescritivos justamente com vistas à mitigação da fadiga do tripulante, certo é que tal legislação não trazia em seu texto conceitos claros de gerenciamento de fadiga, o que foi suprido pelo novel mandamento normativo, através de seu artigo 19, embora este possa ser considerado uma norma de eficácia limitada, na medida em que depende de uma regulamentação futura para que possa produzir todos os efeitos que pretende.

Adiante, temos o parágrafo primeiro do artigo em questão, in verbis:

“§1º As limitações operacionais referidas no caput deste artigo compreendem quaisquer prescrições temporais relativas aos tripulantes de voo e de cabine no que tange a limites de voo, de pouso, de jornada de trabalho, de sobreaviso, de reserva e de períodos de repouso, bem como a outros fatores que possam reduzir o estado de alerta da tripulação ou comprometer o seu desempenho operacional.”

Nesse ponto, a lei dá abertura e poder normativo para que a ANAC altere, dentre os prescritivos operacionais, assim considerados os hábeis a alteração, todos aqueles limites tendentes a reduzir o estado de alerta do tripulante, de voo ou de cabine, ou que possam de alguma forma comprometer seu desempenho operacional, tais como, por exemplo, os limites de voo, de pouso, de jornada de trabalho, de sobreaviso, de reserva e de períodos de repouso.

Por seu turno, o parágrafo segundo do artigo ora estudado assim dispõe:

“§2º O Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana será regulamentado pela autoridade de aviação civil brasileira com base nas normas e recomendações internacionais de aviação civil.”

Veremos mais à frente as implicações jurídicas e legais do §2º do art. 19 da Lei nº 13.475/17. Contudo, o comando legal é muito claro no sentido de que a regulamentação do SGRFH é de responsabilidade da ANAC, que deverá necessariamente se ater às “normas e recomendações” da OACI.

Por derradeiro, o artigo 19 finaliza seu rol de parágrafos com duas determinações de competência do sindicato da categoria profissional dos aeronautas, qual seja, o SNA:

“§3º A implantação e a atualização do Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana serão acompanhadas pelo sindicato da categoria profissional.

§4º Nos casos em que o Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana autorizar a superação das 12 (doze) horas de jornada de trabalho e a diminuição do período de 12 (doze) horas de repouso, em tripulação simples, tais alterações deverão ser implementadas por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho entre o operador da aeronave e o sindicato da categoria profissional.”

De pronto, lemos no §3º que cabe ao sindicato da categoria o acompanhamento da implantação e da atualização do SGRF. É dizer, todos os aspectos legais e normativos necessários e imprescindíveis à formulação da norma deveriam, antes de seu nascimento, ter sido observados e agasalhados pelo SNA, ocasião em que sinalizaria à ANAC quaisquer discrepâncias e/ou não conformidades entre a legislação internacional, nacional e aquela que estava sendo criada.

Em todo caso, cabe ainda ao sindicato a obrigação de acompanhar a atualização da legislação, de modo que, havendo qualquer ponto questionável na norma atual, ou havendo em futura emenda ao regulamento quaisquer questões em que o interesse da categoria obrigue a intervenção do órgão, o SNA não poderá se furtar em fazê-lo, sob pena de incorrer, solidariamente, em negligência com relação a quaisquer efeitos adversos relacionados à segurança de voo decorrentes de sua omissão.

Por fim, o §4º possibilita que um tripulante componente de uma tripulação simples possa ter mais de 12 horas de jornada e menos de 12 horas de repouso, quando o SGRFH assim autorizar, e mediante a formalização de tal flexibilização por meio de Convenção Coletiva de Trabalho da categoria, ou por Acordo Coletivo de Trabalho firmado entre o operador da aeronave e o SNA. Ou seja, cabe aqui ao sindicato, novamente, chancelar a redução do limite mínimo de repouso e a ampliação do limite máximo de jornada de uma tripulação simples, devendo, para isso, se ater às normas nacionais e padrões e práticas recomendadas internacionais que eventualmente deem embasamento à configuração de uma atuação segura do aeronauta que ultrapassar os limites prescritivos considerados seguros pela lei.

E, diante do mandamento legal imposto pelo art. 19 da Lei nº 13.475/17, a ANAC instituiu, em 31/08/2015, um grupo de trabalho para a elaboração de proposta de regulamentação do SGRFH. Esse grupo se reuniu ordinariamente por 85 vezes e construiu o projeto de criação de um regulamento sobre o assunto – disponível à participação dos interessados por um período de 60 dias no ano de 2017 –, sendo que, após a Audiência Pública nº 15/2017, em que foram recebidas 138 contribuições de diversos players do setor, das quais 42 foram adotadas integral ou parcialmente, foi publicada em 19/03/2019, no Diário Oficial da União, a Resolução ANAC nº 507, de 13 de março de 2019, que instituiu o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil nº 117, intitulado “Requisitos para Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana”, o famoso RBAC 117.

O texto do RBAC, trazido pela Resolução nº 507, de 13 de março de 2019, estabelece limitações operacionais relativas ao gerenciamento da fadiga para tripulantes e operadores aéreos, sendo consideradas tais limitações quaisquer prescrições temporais que incidam sobre limites de voo, de pouso, de jornada de trabalho, de sobreaviso, de reserva, de períodos de repouso e de outros fatores que possam reduzir o estado de alerta do tripulante ou comprometer o seu desempenho operacional.

Ao nosso ver, o foco do novo “regulamento da fadiga” é a operação de transporte aéreo público regular (linha aérea) e não regular (cargueiras e táxi aéreo). Não obstante, outros segmentos da aviação também são atingidos pela regulamentação publicada pela ANAC: os serviços aéreos especializados (incluindo-se aí a aviação agrícola e a instrução de voo) e a operação privada realizada com pilotos profissionais diretamente para o patrão proprietário de uma aeronave também terão que cumprir o RBAC nº 117. Aparentemente, o único segmento que, em princípio, não foi atingido pelas novas regras é o de pilotos-proprietários da operação privada (quando o piloto da aeronave é seu proprietário).

Em síntese, o RBAC nº 117 é um regulamento que possui uma parte de cumprimento compulsório para todos os operadores desde 29/02/2020, e outra que depende de implementação de um SGRF aceito ou aprovado pela ANAC.

Clique aqui para a leitura do artigo de Carlos Barbosa na íntegra.


Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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