Jovens imitam brincadeiras violentas de série; escolas fazem alerta
Especialista comenta tendência negativa e cita obsessão de crianças e pré-adolescentes por conteúdos violentos
Refletindo Sobre a Notícia por Ana Carolina Cury|Do R7 e Ana Carolina Cury
Diversas escolas em todo o país têm enviado comunicados para alertar os pais a respeito da série Round 6, que virou febre nos últimos dias entre o público infantil. No enredo há desafios baseados em brincadeiras conhecidas como bolinha de gude e cabo de guerra. Porém, o desfecho é macabro porque os participantes que perdem são assassinados.
Os especialistas demonstram preocupação, afinal, muitos jovens estão obcecados pela série. Professores chegaram a denunciar que os alunos estavam reproduzindo os jogos no intervalo das aulas e simulando as mortes. Por isso, muitas instituições afirmam que estão vigilantes quanto à reprodução dessas "brincadeiras" e pedem que os pais monitorem os filhos em casa.
Impactos perigosos
A psicóloga e psicopedagoga Cassiana Tardivo explica que conteúdos violentos podem trazer muitos riscos para o desenvolvimento das crianças e pré-adolescentes. "Porque as estruturas mentais e psíquicas estão em formação. Além disso, é preciso reforçar que os recursos emocionais são formados e adquiridos pela experiência vivencial e, ao consumir desenhos, séries ou filmes dessa natureza, o cérebro interpreta que esse é o ambiente real. Isso pode gerar estresse, alteração no sono, na alimentação e nos aspectos afetivos emocionais, gerando medo, angústia, pavor, pânico e comportamentos agressivos."
O Domingo Espetacular abordou o tema e revelou os impactos da produção japonesa, baseada numa coleção de mangás, como são chamadas as histórias em quadrinhos no Japão, Death Note, "caderno da morte" em tradução livre para o português. Na série, é só escrever o nome de uma pessoa no tal "caderno da morte" que ela morre.
O problema é que o caderno não tem classificação indicativa e é vendido livremente na internet e até em grandes lojas de brinquedos infantis, o que também causou revolta e preocupação entre pais e especialistas. O deputado estadual por São Paulo Altair Moraes, do partido Republicanos, chegou a criar recentemente um projeto de lei (699/2021) para obrigar os fabricantes a especificar a classificação etária desse tipo de produto.
Ao redor do mundo, a franquia Death Note já inspirou tragédias, como mortes, assassinatos, ameaças e até casos de suicídio. "Estamos sob um crescente movimento da cultura da morte, e a principal estratégia desse entretenimento vazio é disfarçar a morte com lazer. O intuito principal é gerar uma relativização e enfraquecimento da vida humana, uma sociedade cada vez mais fria, egoísta, hedonista, onde empatia, compaixão, amor ao próximo e confiança se tornem impossíveis de desenvolver na infância", acrescenta a pedagoga.
Tendência preocupante
Quando a série 13 Reasons Why, "Os 13 porquês" em tradução livre para o português, estreou, em março de 2017, pais, professores e especialistas em saúde mental se perguntaram que efeito ela teria sobre os jovens. A série aborda os motivos que levaram Hannah Baker, uma adolescente de 16 anos, a tirar a própria vida.
A verdade é que, anos depois, uma pesquisa trouxe a resposta. Um estudo publicado pela revista americana Jama Psychiatry concluiu que houve um aumento de 13% nos suicídios entre jovens de 10 a 19 anos nos meses seguintes à estreia da série, entre abril e junho de 2017, com maior incidência entre as mulheres. Essa foi a maior taxa já registrada em um período de cinco anos para esse grupo.
Outra pesquisa, realizada na Rutgers University, em Newark, nos Estados Unidos, constatou que "você é o que você assiste" e apontou também possíveis relações entre a incidência de agressividade no início da fase adulta e a exposição excessiva a programas violentos durante a infância.
Os psicólogos são enfáticos ao afirmar que somos persuadidos desde o nascimento até a nossa morte. A ciência explica que o ser humano forma sua personalidade a partir de valores familiares e, posteriormente, é influenciado pela sociedade e pela cultura do meio em que vive.
"Percebemos um crescente aumento de séries, filmes e desenhos nos quais o enredo ocorre em um cenário de violência e agressividade, o que traz uma reflexão sobre o assunto, visto que as crianças assistem a esses materiais, vivenciam o conteúdo deles e costumam reproduzi-los nos contextos em que estão inseridas, como escolas, creches etc. É fato que a grande maioria dos pais nem sequer vai a uma reunião de pais após os filhos entrarem na pré-adolescência. Mas é tempo de mudar isso e de os pais se tornarem mais atentos e participativos na vida dos filhos. A escola também precisa se tornar mais proativa e, além de oferecer suas tradicionais feiras de artes e ciências, deveria ampliar os espaços acadêmicos para grupos de diálogo com as famílias", observa Cassiana.
Para ela, é preciso investir em uma nova geração de pais, educadores, profissionais, líderes e voluntários que se levantam em defesa de crianças e adolescentes. "É disso que precisamos: de corajosos que deem um basta a tudo que relativiza a vida disfarçado de festa, brincadeira, lazer, filmes, séries, brinquedos etc. Devemos lutar pela cultura da vida e acabar com essa cultura da morte", conclui.
É espantoso, mas, se você parar para analisar, tudo é consequência de uma influência. Por isso, se não houver consciência e reflexão sobre as consequências de os jovens estarem em contato com conteúdos violentos, os resultados serão desastrosos.
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