Menina das estrelas: aluna da rede pública rural vai para a Nasa
Filha de ajudante geral de fábrica e encarregada de lanchonete, Amanda Silva de 17 anos vai para Houston (EUA) neste mês para fazer um curso
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
As dez salas de aulas da escola estadual Professor João Cardoso dos Santos são todas pequenas e com desconfortáveis carteiras feitas de madeira e plástico. Na sala de número três, em frente à mesa do professor, na primeira cadeira, senta Amanda Rodrigues de Araújo Silva, de 17 anos. Conhecida como a ‘Menina das Estrelas’, a estudante foi selecionada para participar de um curso sobre astronomia na agência espacial norte-americana Nasa neste mês.
O acesso para a escola se dá por uma estreita rua à esquerda da rodovia Mogi-Bertioga, próxima a um posto de combustível. Dentro do colégio, pouco mais de 50 livros atrás de duas cortinas levemente sujas enfeitam uma estante no fundo do pátio. Do outro lado, um grafite com a imagem do personagem fictício Harry Potter, da escritora britânica J.K. Rowling, estampa uma das paredes. Estudam no colégio, ao todo, 615 alunos.
"Estarei realizando muito cedo o meu maior sonho”
No próximo dia 20, Amanda embarca para Houston, a quarta cidade mais populosa dos Estados Unidos, onde irá ficar por duas semanas. Com aulas práticas e teóricas, a Menina das Estrelas irá aprender diretamente com astrônomos e astrofísicos como é a vida de um cientista e como é estar no espaço. “A primeira coisa que eu vou fazer quando chegar lá é chorar, porque estarei realizando muito cedo o meu maior sonho”, sorri.
A resposta de Amanda é coerente. Filha de um ajudante geral em uma fábrica e uma encarregada de lanchonete, a adolescente desenvolveu uma paixão pela astronomia quando ainda era pequena, quando nem mesmo tinha a noção do que a profissão exigia de fato. Ampliou o gosto por meio de livros de ciências e física que pegava na escola. O pedido do presente de aniversário de 10 anos, por exemplo, assustou os pais — Amanda queria um telescópio: “Não queria boneca. Eu queria algo relacionado a astronomia.”
No ano seguinte, realizou dois cursos online: Cosmologia pela USP (Universidade de São Paulo) e Astrofísica pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). A Menina das Estrelas dava ali um pequeno grande passo. “Minha mãe não entendia muito, mas eu sabia que era muito importante para mim”, diz, um pouco tímida, mas segura de si. “Todos os professores me incentivavam, embora achassem estranho por causa da minha idade”, ri.
Aos 14 anos, por meio de Suzamar, professora de ciências do colégio, começou a ensinar astronomia para os alunos mais novos, de oito, nove anos. “Compartilhar o conhecimento, ainda que pequeno, foi gratificante”, se orgulha.
Amanda simpatizou tanto com o compartilhamento que, no ano seguinte, montou um grupo no Facebook chamado Astronomia para o Mundo, integrado por quase quatro mil participantes. Por meio da rede social, pessoas de todos os países expõe trabalhos, tiram dúvidas e se relacionam. Por lá, teve contato, mesmo que virtual, com seu ídolo Gabe Gabrielle, antigo funcionário do MC Donald’s e hoje engenheiro da Nasa.
O ritmo de palestras aumentou quando fez 15 anos. Participou do Encontro Riograndense de Astronomia, em Canoas (RS) - o evento custeou a passagem, hospedagem e alimentação de Amanda. Viajou sozinha. Sem mãe. Sem padrasto. “Não tenho medo. Eu sempre digo: é preciso atravessar os limites do medo, porque estão ali os nossos sonhos e objetivos”.
Voltou para Mogi das Cruzes. Os dias se passaram. Os livros eram cada vez mais devorados. Por meio de um amigo, em Recife, se inscreveu em um curso da Nasa. “Quando eu li o edital, descobri que tinha apenas três dias para entregar”, comentou. O primeiro pensamento foi: “vou conseguir”. Com a ajuda da professora de ciências, entregou faltando meia hora uma redação sobre Enceladus, uma lua de Saturno.
Quatro dias depois, Amanda recebe uma ligação de sua professora. Era o momento que recebia a notícia de que tinha sido aprovada pela agência espacial. A Menina das Estrelas tinha sido selecionada para o curso na Nasa. Novamente, outro obstáculo. O salário dos pais não era suficiente para o sustento mensal da família, muito menos para a filha ir para a capital fluminense. Como solução, os professores fizeram uma pequena vaquinha. Uma amiga da família também ajudou e a levou para Campo dos Goytacazes, onde ficou por quatro dias.
Lá, conheceu a geóloga planetária da Nasa Rosaly Lopes. “Outra pessoa que admiro bastante dentro da profissão”, disse. Em seu olhar, o brilho ainda era o mesmo ao falar sobre a astronomia. O sorriso, mesmo que tímido, nascia forte. Relacionou-se com demais profissionais da área. “O meu lugar era ali”, confessa.
Mas o sonho maior ainda estava distante. Era preciso R$ 12 mil para conseguir pôr os pés em terras americanas. Os pais não iam conseguir, reconhece. Fez bingo, brechó e afins para arrecadar o dinheiro. “Foi pouco”, conta. Recebeu ajuda de funcionários da escola e de pessoas da comunidade. “Ainda foi pouco”. Pediu ajuda onde que andava, com quem falava, para desconhecidos. Sofreu pressão da agência de viagens para comprar a passagem, uma vez que “depois ia ficar muito mais caro”.
“Quero que tenha outras Amandas”
Após um mutirão, conseguiu juntar, ao todo, R$ 16 mil – R$ 4 mil a mais que o necessário. “Assim que peguei o dinheiro, paguei a viagem e o hotel”, lembra. “Naquele momento, eu tinha garantido o meu sonho”, sorri.
“Vou sozinha. Vou na fé e vou sem medo”, diz. Amanda recorda que sempre bateu na tecla de que ia conseguir e, hoje, mostra que conseguiu. A celebridade da escola estadual garante que a história dela pode e deve se espalhar por aí. “Quero que tenha outras Amandas.”