Covid-19: O que a privação de toque poderá fazer à saúde mental
Neste sábado (10), Dia Mundial da Saúde Mental, especialistas explicam como a falta de abraço durante a pandemia pode repercutir na qualidade de vida
Saúde|Do R7
Dvido ao risco de contágio da covid-19, apertar as mãos, abraçar e beijar se tornaram atos a serem evitados, virando fonte de estresse nessa quarentena, que já se alonga por 7 meses. A projeção de especialistas em doenças infecciosas é que pode levar mais de um ano para que as pessoas voltem a se sentir à vontade para tocar alguém, segundo o jornal norte-americano The New York Times. E a privação de toque pode ter um custo alto à saúde mental.
O psiquiatra e psicoterapeuta Ivan Mario Braun, doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, destaca que o ser humano é um animal social e que, apesar de conseguir viver de modo isolado, não é natural permanecer sem contatos sociais.
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"Inclusive, o cérebro humano possui pelo menos três sistemas neuronais cuja função, possivelmente, esteja diretamente relacionada à interação social: os sistemas de cuidado, envolvido nos cuidados da mãe com o filhote, o sistema de pânico e luto, envolvido na vinculação social, e o sistema de ludicidade, envolvido na interação lúdica", afirma. "O mau funcionamento desses sistemas está possivelmente relacionado a várias das disfunções observadas em transtornos como o autismo, a esquizofrenia, o transtorno de pânico, a depressão e a personalidade antissocial", completa.
Ele explica que, ao longo do crescimento de uma criança, esses sistemas precisam ser estimulados para seu desenvolvimento. "Crianças que viveram desde idade precoce em orfanatos sem suficiente estimulação social, assim como em experimentos cruéis feitos com filhotes de macacos deixados sem a mãe, em gaiolas isoladas, observou-se um aumento da incidência de depressão", aponta.
Essa estimulação continua relevante na idade adulta, ressalta o psiquiatra. "Indivíduos normais sentem necessidade da presença de outras pessoas, assim como da interação, com convesa e toque", diz.
O isolamento social involuntário, mesmo na fase adulta, pode levar a alterações comportamentais, que vão desde solilóquios, que é a pessoa conversar consigo mesma, em voz alta, e angústia até um aumento do risco de desenvolver depressão, de acordo com Braun.
Além disso, a psicóloga Naiara Mariotto afirma que o toque tem relação com a produção de ocitocina no cérebro, substância que aumenta a sensação de bem-estar e ajuda criação de vínculos afetivos. Ela ressalta que a falta de toque pode ocasionar o rompimento de vínculos.
"Se essas pessoas não fizerem a manutenção desses vínculos, não utilizarem a criatividade para estarem tentando manter esse vínculo de alguma outra maneira, a fata de toque pode ocasionar o rompimento dos vínculos. A pessoa pode ficar mais deprimida, um pouco mais triste, às vezes mais ansiosa. Daí começa a perda de qualidade de vida", explica.
Abraço tem efeito no cérebro
Segundo a psicóloga, o toque está relacionado à redução da produçao de cortisol, o hormônio do estresse. "Nós nos comunicamos com os outros por meio de diferentes formas de linguagem, mas a de maior impacto é o toque. A pele tem múltiplos receptores que se conectam diretamente ao cérebro. No carinho, por exemplo, quando sentimos o toque, o cérebro reduz a produção de cortisol, o hormônio do estresse. Como consequência, há o fortalecimento do sistema imunológico", afirma.
O psiquiatra explica que o abraço é uma forma de toque especialmente intensa, envolvendo maiores partes do corpo, sendo uma das principais formas de toque nos primatas, "ordem animal da qual fazem parte, entre outros, os seres humanos e os macacos. "Entre outros, é o modo como a mãe mantém seu filhote preso ao seu corpo", afirma.
Não há comprovação científica de que abraçar uma árvore como forma de "ter contato com um ser vivo" traga benefícios à saúde mental, mas o ato pode exercer um papel simbólico, conforme explica o especialista.
"Existem estudos que mostram que caminhar por florestas, por exemplo, pode contribuir para uma sensação de calma e bem-estar, mas não há nada que prove que abraçar uma árvore seja algo benéfico".
"Partindo do fato de que filhotes de macaco criados sem as mães se agarravam a objetos que de alguma forma fossem parecidos com a mãe ausente como panos, é até possível imaginar que abraçar uma árvore proporcione, parcialmente, os estímulos de abraçar uma outra pessoa e, acrescentando o componente simbólico de a árvore ser um 'ser vivo' isto poderia ocorrer", acrescenta.
Para lidar com a falta de toque durante a pandemia, o psiquiatra não descarta os contato virtuais. "Os contatos por meio de telefone, vídeo e redes sociais são melhores do que ausência total de contato e, provisoriamente, terão de ser a solução", afirma.
"Animais de estimação como cães e gatos, que também possuem necessidade de contato, possivelmente são úteis para que pessoas sejam estimuladas. Somente se deve lembrar que, justamente por esses animais necessitarem de contato e interação, não são objetos e seria imoral utilizá-los apenas durante a fase da pandemia e depois abandoná-los ou deixar de lhes prover o contato e a interação de que eles também necessitam", frisa.
Naiara concorda com esses os meios alternativos de contato. "As pessoas precisam entender que embora o toque seja uma das linguagens mais importantes, ela não é a única. Existem outras linguagens para demonstrar afeto, carinho. O quanto aquela pessoa é importante para você, quanto você se importa e se preocupa com ela. As pessoas podem demonstrar amor de diversas maneiras, basta usar a criavitidade", finaliza.