'Violência sem sentido' torna trauma mais difícil de ser superado
Alunos e funcionários que vivenciaram massacre em Suzano terão reações emocionais, mas cerca de 20% devem desenvolver estresse pós-traumático
Saúde|Deborah Giannini, do R7
O massacre em Suzano é considerado um trauma mais difícil de ser superado em relação a uma catástrofe natural, por exemplo, por se tratar de uma "violência sem sentido", segundo o psiquiatra Marcelo Feijó, fundador do Prove (Serviço de Assistência e Pesquisa em Violência e Estresse Pós-traumático) da Unifesp.
Alunos e funcionários da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, presenciaram o ataque de dois ex-alunos que invadiram o local nesta quarta-feira (13), provocando a morte de 10 pessoas e ferindo ao menos 9 com disparos, flechas e machadinhas.
"A outra pessoa agiu sem um motivo aparente, levantando a dúvida: por que meu filho ou meu amigo foram mortos? Eles não fizeram nada. Então, essa falta de sentido torna o trauma maior. Como não tem uma lógica, é algo bárbaro, é mais difícil de a pessoa elaborar", afirma.
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O psicólogo Yuri Busin explica que, mesmo com a dificuldade, esse tipo de trauma pode ser superado. “Isso não quer dizer que o ocorrido será esquecido, mas sim, que a pessoa não irá mas sofrer com isso”, diz.
De acordo com a psiquiatra Carolina Hanna, do Hospital Sírio-Libanês, a recuperação emocional vai depender da resiliência de cada um e do tamanho do trauma. "Varia de acordo com a vivência individual, do suporte que dispõe à sua volta".
Dependendo do tipo de evento violento há maior ou menor risco de desenvolver transtornos. Segundo Feijó, o estupro é o que mais resulta em transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). "Cerca de 60% das vítimas desenvolvem o quadro", afirma.
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Já em relação a catástrofes naturais essa porcentagem é bem mais baixa, segundo o psiquiatra. "Há uma questão que é a comunidade como vítima, então, ela está unida naquela situação. Há uma certa solidariedade".
Os jovens que vivenciaram o massacre na escola de Suzano têm mais chance de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e transtorno do estresse agudo (TEA) do que os adultos que passaram pela mesma situação, segundo Feijó.
Jovens são mais vulneráveis a estresse pós-traumático
"Um evento violento dessa magnitude afeta principalmente adolescentes, pois estão em formação e não têm tantos recursos psicológicos como os adultos para lidar com traumas", afirma.
Cerca de 20% das pessoas que passam por ato de violência, como esse massacre, desenvolvem transtornos, mas, como a maioria das vítimas eram adolescentes, essa porcentagem pode ser ainda maior, segundo o psiquiatra.
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"Todas as pessoas que foram submetidas à situação terão uma reação emocional, como dificuldade para dormir, medo e ansiedade por cerca de 30 a 60 dias, o que é normal. A tendência é que, aos poucos, vão elaborando e superem a situação. Fica uma lembrança ruim, mas que não interfere na vida da pessoa. Mas um número menor vai desenvolver algum desses transtornos", explica.
A diferença entre as patologias é que o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é diangósticado depois de cerca de um mês do ocorrido e o transtorno do estresse agudo (TEA) apresenta quadro intenso, sendo identificado logo após o fato.
"No transtorno do estresse agudo, as reações são muito fortes logo no início. Entre elas, a pessoa perde a noção de onde está, de quem ela é. Tem confusão mental e muitos medos", diz o médico.
Já o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é um quadro desencadeado após um trauma no qual a pessoa foi vítima ou testemunha de um ato violento que envolveu risco de morte. Os sintomas englobam a revivência do trauma, como se o fato estivesse acontecendo novamente, a evitação de tarefas que lembrem a situação, o que leva à limitação de uma série de atividades, negativismo sobre si mesmo, às pessoas e à vida e hipervigilância constante. "Um vento bate uma porta e gera um susto que provoca uma descarga desproporcional de adrenalina", exemplifica o psquiatra.
Medo de voltar à escola é esperado
Ter medo de voltar à escola depois de uma tragédia como a de Suzano é natural e pode ser enfrentado com a ajuda da própria escola, que deve criar um clima de positivismo e união no retorno para motivar os alunos, de acordo com o psquiatra. "É preciso que a escola se prepare para que os alunos tenham vontade de voltar para lá e que não se torne um local triste e pesado", diz.
Mudar de escola ou até de cidade e de país nem sempre é saúdável. "Se não retorna ao local, muitas vezes carrega o problema para onde for. Tenho pacientes que passaram pelo holocausto, saíram do país, mas, mesmo assim, mantêm uma memória muito viva do que passaram", afirma.
Embora a tendência natural seja estimular a vítima a "desabafar", o médico afirma que, em um primeiro momento, isso é contraindicado. "Pode fazer com que as memórias traumáticas sejam reativadas e fortalecidas", afirma.
Ele orienta que o melhor a fazer é oferecer suporte e acolhimento. "Demonstrar que se sente solidário e que quer ajudar", diz.