Em maio, durante a comemoração dos 50 anos da União Africana, o governo brasileiro anunciou o perdão de uma dívida aproximada de quase R$ 2 bilhões (US$ 900 milhões) de 12 países daquele continente. Esse dinheiro é suficiente para construir 57 mil casas populares, considerando residências com custo de R$ 35 mil. A medida levantou polêmica e foi interpretada por parte da opinião pública e da oposição como diplomática — e até eleitoreira, já que as empresas que atuam na África podem se beneficiar da decisão. Na prática, porém, é importante lembrar que o perdão não é total: os 12 países estão livres de pagar apenas parte de suas dívidas e o restante será dividido para ser pago ao longo dos próximos anos. Os países beneficiados são: Costa do Marfim, Gabão, Guiné Bissau, Mauritânia, República da Guiné, República Democrática do Congo, República do Congo (Brazzaville), São Tomé e Príncipe, Senegal, Sudão, Tanzânia e Zâmbia. Para explicar a "bondade" a alguns países africanos, a Presidência da República alegou a importância estratégica em manter relações especiais com a África para a política externa do País. O Brasil possui 37 representações diplomáticas no continente, ficando atrás só de China, EUA e Rússia.Leia mais notícias de Brasil e PolíticaDilma ganha cozinha de luxo de R$ 140 mil Para o professor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Giuliano Contento de Oliveira, esse tipo de perdão é comum, mas não neste caso. — É preciso contextualizar esta iniciativa política, de perdão, de reestruturação da dívida, no contexto de interesses. Certamente há interesses econômicos relacionados nessa iniciativa. Isso significou uma espécie de ratificação da carta de boas intenções que foi estabelecida mais destacadamente no governo Lula. Oliveira explica que a balança comercial entre o Brasil e a África tem sido mais vantajosa financeiramente para aqueles países. Com isso, explicar o perdão de dívidas em favor da parte mais fraca da relação financeira em questão fica ainda mais difícil. Em 2012, o Brasil comprou R$ 14 bilhões em mercadorias da África (excluindo o Oriente Médio), enquanto as vendas de produtos (exportações) chegaram a R$ 12,2 bilhões, explica o professor da Unicamp. A conta gera um saldo negativo de R$ 1,8 bilhão para o Brasil. O cônsul da Costa do Marfim no Brasil, Tibe Bi Gole Blaise, defende que, mais do que o perdão, o valor da dívida poderia ter sido investido em seu país. Esses gastos seriam feitos por meio de financiamento de projetos, nas áreas de agricultura e saúde, por exemplo. Com isso, o Brasil conseguiria reaver seu dinheiro e a Costa do Marfim obteria benefícios duradouros para sua população. — Eu acho que a melhor alternativa teria sido um investimento na Costa do Marfim. O Brasil teria recuperado o seu dinheiro, implantado um projeto, gerado emprego, esquentado a indústria brasileira... O diplomata da Costa do Marfim, porém, agradeceu ao governo brasileiro pela proposta em amenizar a dívida do país africano com o Brasil — ainda em análise pelo Senado. — O que se deve, tem de pagar. Não estou dizendo que não alivia [o perdão da dívida], mas alivia muito mais se for feito um projeto deste tipo. Com a manobra, as empresas brasileiras que atuam na África podem se beneficiar, já que o País ganha notoriedade dentro do continente. Segundo o professor da Unicamp, há um forte movimento transnacional, com várias empresas brasileiras, de diversos ramos, se fixando na África. Entre elas, destacam-se a Vale (Mineração), Odebrecht (Construção), entre outras. Segundo levantamento da FDC (Fundação Dom Cabral), em 2012, de 63 empresas transnacionais brasileiras pesquisadas, 27% se encontravam na África. Este valor fica apenas a frente da Oceania, que conta com unidades de 11% das empresas levantadas.Política antiga Claudio Oliveira Ribeiro, professor do Senac São Paulo, lembra que o perdão da dívida de países africanos é uma política antiga do Brasil, não é algo inusitado. Ela vem desde a época da ditadura militar. — O valor da dívida é muito pequeno frente ao PIB [Produto Interno Bruto, que é a soma das riquezas do País] brasileiro. Com isso, leva-se muito em conta você criar uma maior intersecção com esses países por motivo de melhorar as relações políticas. Ribeiro também destaca que este fato pertence a um plano maior, que é o perdão da dívida dos países em desenvolvimento. — Se o Brasil, que é um país devedor, pode, por que os desenvolvidos não poderiam? É uma forma política de o Brasil se posicionar a favor do perdão da dívida externa.