Ao acessar os websites da Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA, da Fundação Bill e Melinda Gates e de inúmeras outras organizações globais de saúde e desenvolvimento, encontramos artigos, gráficos e vídeos documentando seus triunfos e inovações, com a promessa de fazer ainda mais. Além de simplesmente fazer o bem, existe um ímpeto para exibir o sucesso: organizações não governamentais, prestadores de serviços e pesquisadores querem um bom histórico, financiadores devem demonstrar que estão gastando sabiamente e editores de periódicos querem destacar as descobertas.Qual a real importância de um bom chefe?Como conquistar a excelência industrial?Globalização é mais importante que governança Mas "histórias de sucesso" raramente são a história toda. Os projetos de saúde global e de desenvolvimento frequentemente se desviam da rota, e não é raro fracassarem completamente. O que não é comum é que pesquisadores discutam abertamente os seus fracassos. O que é uma pena, porque é princípio básico da ciência acertar analisando o que deu de errado. Assim, foi uma surpresa agradável quando, no ultimo verão, pesquisadores da Iniciativa de Saúde de Recém-nascidos da Cidade de Bombaim, no periódico "PLOS Medicine", publicaram os resultados decepcionantes do esforço de três anos para efetivar uma iniciativa de saúde maternal e infantil sediada na comunidade das favelas da cidade. Foi um projeto global exemplar: com sede na comunidade, capacitando os favorecidos, focado em mulheres e crianças. E o modelo foi um sucesso em outros lugares, reduzindo a taxa de mortalidade infantil em outras partes da Índia, assim como da Bolívia e do Nepal, e em até 30 a 40 por cento. Mas esses programas foram feitos em áreas rurais. Essa foi a primeira vez que o esforço foi testado em um ambiente urbano. Isso acabou sendo um tremendo obstáculo. Enquanto as áreas urbanas têm a vantagem de mais infraestrutura e serviços de saúde, há também variáveis inesperadas e dinâmicas não antecipadas. A maioria do crescimento de saúde global desde os anos 90 se concentrou em áreas rurais; bem menos trabalho tem sido feito em programas urbanos, em parte, porque essas situações são difíceis. E Bombaim não é uma cidade grande qualquer. Mais da metade da população de quase 13 milhões de pessoas está congestionada em labirintos de concreto e de metal corrugado das favelas da cidade. Em 2005, os pesquisadores começaram a juntar informações em 48 comunidades de favela. Eles montaram 244 grupos de mulheres, que se reuniam quinzenalmente com agentes sociais para discutirem os problemas de saúde das mães e das crianças, aconselharem-se mutuamente e trabalharem para desenvolver soluções. Enquanto o programa deu certo nas aldeias rurais, as mães das favelas das cidades hesitaram em confiar nas vizinhas. Em algumas reuniões, as residentes de uma rua não se sentavam com anfitriãs moradoras a uma quadra de distância. Os pesquisadores tentaram usar abordagens inovadoras para envolver as mulheres. Em um caso, fizeram-nas participar de um jogo, usando cartas que apresentavam vários problemas sociais e de saúde. As mulheres então elaboravam suas próprias soluções dentro do jogo. Mas tal estímulo não produziu ação de peso no mundo real. Medir melhoria na saúde de crianças rurais é também mais fácil que nas áreas urbanas. No primeiro caso, a situação é tão crítica que quase qualquer intervenção bem elaborada trará melhorias consideráveis. Nas cidades, as pessoas têm acesso ao atendimento de urgência através dos hospitais públicos. É mais no período da pré-emergência, antes de se tornar simplesmente uma questão de vida ou morte, que a mudança se faz necessária. No entanto, as mães nas favelas veem questões como desnutrição e doenças crônicas como parte da vida e pensam "é assim que as crianças crescerão nesse ambiente", afirmou Neena Shah More, pesquisadora da Sociedade de Ação para Nutrição, Educação e Saúde, membro do grupo responsável pelo projeto. Em vez disso, água e esgoto foram as maiores prioridades. Mas essas questões de longo prazo estavam fora do alcance do projeto. No ano passado, eles reiniciaram. Montaram pequenos postos de saúde que oferecem serviços básicos de saúde como vacinação, alimentação, planejamento familiar e auxílio em lidar com o sistema social e de saúde complicado da cidade. Até agora, fornecer serviços concretos, em vez de apenas aconselhar sobre a organização coletiva, parece estar mais em sintonia com as necessidades dos moradores das favelas. As dificuldades do projeto Saúde dos Recém-nascidos não são excepcionais. O que vale salientar é que quando o projeto não funcionou como planejado, a equipe divulgou o fato abertamente e com detalhes, fornecendo informações potencialmente valiosas para outros pesquisadores. O risco é que muito poucas pessoas seguirão o exemplo. Especialmente em épocas economicamente difíceis, existe pressão para mostrar que estão tendo retorno do investimento. No ano passado, um funcionário da administração Obama apelou à comunidade de ajuda humanitária que adote uma "mentalidade de campanha permanente", na qual a arrecadação de fundos e a divulgação estão em primeiro plano. Isso cria um incentivo a conseguir vitórias fáceis, realçar os sucessos e a enterrar os fracassos. Mesmo com a nova moda de medidas e avaliações de impacto do mundo da ajuda humanitária, os relatórios públicos acerca dos erros raramente são disponibilizados. Isso é má ciência. Enquanto as organizações de ajuda humanitária devem prestar contas dos resultados, essa pressão para resultados positivos não deveria ser um incentivo na economia da verdade. Fazer a diferença no mundo é um trabalho árduo, e frequentemente complicado. Fingir o contrário não ajuda em nada. (Sam Loewenberg foi membro relator de saúde global da Nieman Foundation em 2012 na Universidade Harvard.)O que acontece no mundo passa por aquiModa, esportes, política, TV: as notícias mais quentes do dia