Que os Estados Unidos voltem para a casa
Todo mundo fala que os americanos devem sair do Iraque e do Afeganistão. Porém, e da Alemanha e do Japão?
Internacional|Do R7
O sequestro – R$ 167 bilhões (US$ 85 bilhões) neste ano em cortes orçamentários extensíveis a todos, metade dos quais virão do Pentágono – dá aos norte-americanos a oportunidade de discutir uma questão deixada de lado há tempo demais: por que ainda estamos lutando a Segunda Guerra Mundial?
Desde 1947, quando o então presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman, apresentou uma política para impedir uma maior expansão soviética e "apoiar os povos livres" que estavam "resistindo à subjugação por minorias armadas ou por pressões externas", os EUA têm agido como a polícia do mundo.
Quando os capitalistas se importavam
Durante mais de um século, a Grã-Bretanha "manteve a linha" contra a agressão na Eurásia, mas esta se rompera à época da Segunda Guerra Mundial. Passados meros dois anos após os aliados se reunirem em Yalta para definir a ordem no pós-guerra, Londres apresentou o aviso prévio a Washington: agora é sua vez. O governo grego estava combatendo militantes abastecidos pela Iugoslávia comunista. A Turquia enfrentava pressão para permitir às tropas soviéticas o patrulhamento de suas vias navegáveis. Stalin fortalecia governos da Finlândia ao Irã.
Para alguns historiadores, Truman usou o medo para convencer o povo norte-americano a se envolver numa ampla e ilimitada segurança mundial. Porém, os norte-americanos já estavam assustados: Em 1947, 73% das pessoas entrevistadas pelo Gallup afirmavam que a Terceira Guerra Mundial era provável.
A partir da Doutrina Truman, surgiu uma estratégia abrangendo diversas alianças: o Pacto do Rio de 1947 (América Latina), o Tratado da OTAN de 1949 (Canadá e Europa Setentrional e Ocidental), o Tratado Anzus de 1951 (Austrália e Nova Zelândia) e a Organização do Tratado do Sudeste da Ásia (Seato, na sigla em inglês), de 1954. O Seato terminou em 1977, mas os outros tratados permanecem em vigor, bem como acordos de defesa mútua com o Japão, Coreia do Sul e as Filipinas. Enquanto isso, nós inventamos a prática da ajuda externa, começando pelo Plano Marshall.
Tratou-se de uma mudança profunda até mesmo em relação a 1940, quando Franklin D. Roosevelt foi eleito para um terceiro mandato prometendo não mergulhar os EUA na guerra. O isolacionismo contava com uma tradição rica desde Washington, em 1776, alertando contra confusões externas e chegando ao debate de 1919 a respeito do Tratado de Versalhes, no qual o senador Henry Cabot Lodge argumentou: "Quanto menos nós assumirmos o papel de juiz e nos metermos nos conflitos europeus, mais os EUA e o mundo sairão ganhando".
A Segunda Guerra Mundial e impotência relativa das Nações Unidas convenceram governos sucessivos de que os EUA tinham de ocupar o posto vago, e assim nós o fizemos, com enorme sucesso. O mundo foi muito mais seguro na segunda metade do século 20 do que em sua desastrosa primeira metade. A porcentagem da população mundial morta em conflitos entre Estados caiu em todas as décadas após a Doutrina Truman. Os Estados Unidos vivenciaram mais guerras (Coreia, Vietnã, os dois conflitos no Iraque, Afeganistão), mas o mundo, como um todo, vivenciou menos.
Nós éramos menos um império – o império censurado pelo acadêmico e veterano Andrew J. Bacevich e celebrado pelo historiador conservador Niall Ferguson – e mais um juiz, o qual defendia o mesmo nível de acesso aos ganhos políticos e econômicos para os Estados-nação, a arbitragem pacífica de conflitos internacionais e a transparência nas transações e negócios.
Porém, as condições mudaram radicalmente desde a Guerra Fria. Quando os Estados Unidos estabeleceram grandes bases na Alemanha Ocidental e no Japão, eles foram considerados renegados perigosos que precisavam ser observados. Seus governos reconstruídos também desejavam proteção, principalmente da União Soviética e China. O primeiro secretário-geral da OTAN, Hastings Ismay, ficou famoso ao afirmar que a aliança existia "para manter os russos de fora, os norte-americanos dentro e os alemães, embaixo".
Hoje em dia, nossas maiores bases permanentes ainda estão na Alemanha e no Japão, os quais são perfeitamente capazes de se defenderem e devem ser confiáveis para ajudar os vizinhos. Está na hora de eles pagarem mais da conta e operarem as próprias bases. O capitalismo autoritário da China não se traduziu em agressão territorial direta, enquanto o poder precário da Rússia depende dos fartos suprimentos de energia. Nosso grande espetáculo de defesa de seis décadas está chegando ao fim, quer queiramos ou não.
Já, ao contrário, nossas guerras desde 2001 se transformaram numa doutrina superada e cara. A teoria do dominó por trás da Guerra do Vietnã ressurgiu sob uma nova fórmula, porém, para o juiz norte-americano, os bandidos (al-Qaeda, Irã, Coreia do Norte) vencerão. Que as altas patentes militares ainda falem em conservar a capacidade de manter uma guerra de duas frentes – presumivelmente em terra na Europa e no mar, no Pacífico – exemplifica a resistência irracional da doutrina.
Apesar das expectativas de seus partidários, o presidente Obama seguiu uma política para o Oriente Médio praticamente idêntica à de seu predecessor. Ele acelerou a retirada do Afeganistão e recuou às mais detestáveis técnicas de contraterrorismo do governo George W. Bush, mas seus atos em prol do multilateralismo não foram acompanhados por um compromisso proporcional de muitos de nossos aliados para impedir e suavizar os desastres humanitários e vigiar o terrorismo, os crimes de guerra e a proliferação.
Céticos afirmam que o "complexo militar industrial" contra o qual Dwight D. Eisenhower alertou de forma visionária tem basicamente existido para enriquecer e fortalecer uma nação imperialista e tenaz. Entretanto, os Estados Unidos eram prósperos muito antes de terem assumido tal fardo. Em 1890, décadas antes de se tornar uma superpotência, os EUA eram a maior e a mais rica economia do mundo. Nós não precisamos de um exército grande para ser ricos. É justamente o contrário: ele drena nossos recursos.
Para os realistas, se pararmos de defender o acesso aos recursos naturais do mundo – leia-se petróleo – ninguém mais o fará. De verdade? É pouco provável que os europeus, que dependem muito mais da importação de energia do que a nação que detém o Texas e o Alasca, entreguem os pontos e enterrem a cabeça na areia. É condescendente e ingênuo pensar que os Estados Unidos são o único país verdadeiramente "necessário". Bons líderes formam novos líderes.
Os Estados Unidos podem e devem pressionar o Irã e Coreia do Norte por causa de seus programas nucleares. O país deve ajudar a reformar e fortalecer instituições multilaterais como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Os EUA devem defender o direito das pequenas nações, incluindo Israel, a se "libertarem do medo". Contudo, existem diversas formas de conquistar tais metas, e nem todas elas envolvem mais empréstimos e gastos.
Os simpatizantes debatem que o foco em cortar um ponto porcentual do orçamento do Pentágono aqui e acolá não nos levará aonde precisamos ir. Os dois partidos estão presos num paradigma de ativismo internacional custoso enquanto potências emergentes como a China, Índia, Brasil e Turquia estão acumulando riqueza e elevando a produtividade e os padrões de vida, exatamente como nós no século 19. As consequências a longo prazo são óbvias.
Desde 1945, os Estados Unidos têm pagado um preço em sangue, riquezas e reputação. Juízes podem ser necessários, mas raramente são populares e, por definição, não podem vencer. Talvez os outros protagonistas somente se manifestem se ameaçarmos sair do campo. Dividir o fardo da segurança com nossos aliados é mais do que uma necessidade fiscal. É a condição "sine qua non" do retorno à normalidade global.
(Elizabeth Cobbs Hoffman, professora de relações externas norte-americanas da Universidade Estadual de San Diego, é a autora de "American Umpire", entre outros.)
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