Símbolo da luta contra o preconceito, cantor albino desabafa: “Tive que batalhar muito para ser aceito”
Conhecido como “voz de ouro da África”, Salif Keita foi rejeitado pelo pai na infância
Internacional|Marta Santos, do R7

Nem mesmo o sangue azul de Salif Keita, membro de uma família que descende do fundador do Império Mali, foi suficiente para livrá-lo do preconceito devido à cor de sua pele. Assim como muitos outros albinos africanos, Keita foi rejeitado pelo pai quando criança e vítima de preconceito na aldeia onde morava.
Sem nunca se abalar com qualquer forma de discriminação que passasse por seu caminho, Keita quebrou com a tradição familiar ao apostar na carreira de cantor e, hoje, é conhecido como a “voz de ouro da África”. O músico ficou famoso em todo o mundo ao participar da trilha sonora do filme Ali, estrelado por Will Smith, com a canção Tomorrow.
Aos 65 anos, Keita é um dos maiores símbolos da luta contra o preconceito e a perseguição a albinos. Em entrevista ao R7, ele contou um pouco de sua vida e da Fundação Salif Keita, criada em 2005 para ajudar pessoas com albinismo na África.
R7: Como o senhor descobriu sua condição genética?
Salif Keita: Eu descobri que tinha albinismo quando eu tinha uns cinco ou seis anos. Foi muito dramático saber que eu era diferente, já que eu era o único da minha aldeia. Eu tive que batalhar muito para ser aceito.
R7: O senhor teve algum problema dentro da família ou na escola devido ao albinismo?
Keita: A princípio, eu fui negado pelo pai quando nasci, mas depois ele mudou de ideia, me aceito e me criou. Já na escola, eu fui expulso de uma e me disseram que era porque eu havia assustado os outros alunos e o professor.
R7: Como o senhor lidou com a discriminação?
Keita: Acho que sempre tive uma força muito grande para ser discriminado, eu construí um caráter e uma personalidade fortes. Sempre pensei que veriam Salif e não o albino, então, não dou a chance de me discriminarem.
R7: O fato de o senhor pertencer à linhagem real do Mali o ajudou a conseguir aceitação social?
Keita: Uma vez aceito pelo meu pai, toda a família me aceitou também. Eles não entendiam minha diferença, mas sabiam que era a vontade de Deus que eu fosse dessa maneira e sabiam também que eu tinha um grande destino.
R7: E como eles reagiram quando o senhor resolveu ser músico?
Keita: Como minha família é nobre, era proibido tocar música. Eles não queriam que eu rompesse essa tradição e ficaram muito chateados quando eu me tornei um músico. Depois de um tempo, quando eles viram o sucesso que eu tinha ao redor do mundo, começaram a mudar de ideia, mas eu sei que eles ainda gostariam que eu tivesse outro tipo de sucesso.
R7: Além da sua música, como o senhor luta pelo fim do preconceito contra os albinos?
Keita: Com certeza com a minha imagem, eu quero ser um exemplo de como lidar com a sua diferença, aceitar e amar a si mesmo. Assim, os outros vão te amar também.
R7: Por que o senhor criou a Fundação Salif Keita?
Keita: Eu sou albino e é meu dever de ajudar os outros com essa condição.
R7: Qual mensagem o senhor mandaria para os albinos que ainda sofrem preconceito pelo mundo?
Keita: Nunca desista, você é perfeito do jeito que é.
Fundação Salif Keita
Casada com Keita desde 2008 e mãe de dois filhos do cantor, Coumba Makalou é diretora-executiva da Fundação Salif Keita, criada em 2005 para ajudar pessoas com albinismo na África, e também conversou com R7 sobre o trabalho que eles desenvolvem na África.
R7: Como a fundação ajuda essas pessoas?
Coumba: Nós fazemos campanhas para informar as pessoas sobre a condição genética, damos assistência médica gratuita aos que têm problemas de pele ou feridas, nós fornecemos filtros solares gratuitos, chapéus e óculos de sol.
R7: Quantas pessoas já foram ajudadas por vocês?
Coumba: Temos cerca de 3.000 membros registrados albinos no Mali, recebemos entre 10 a 15 novos membros a cada semana e todos estes recebem os benefícios listados acima. Temos também levado pacientes com ferimentos graves para outros países para melhor atendimento e coberto todas as despesas.
R7: No seu contato com vítimas de preconceito, qual história mais te tocou?
Coumba: No ano passado, nós recebemos uma menina albina de 12 anos e a mãe, que era viúva. Quando seu marido morreu, os moradores da aldeia onde elas moravam as expulsaram, dizendo que elas eram amaldiçoadas. A menina tinha um grande ferimento na cabeça e elas não tinham para onde ir.
A mãe sabia da fundação do meu marido, Salif Keita, e decidiu vir a pé desde a aldeia para tentar encontrá-lo, porque ele iria ajudá-las. Elas não tinham dinheiro, nem lugar para dormir ou comida.
Albinos são cruelmente mutilados e partes do corpo são usadas em "poções mágicas"
Nossa equipe levou as duas para um hospital, mas ninguém iria tocar a menina albina. Eu fiquei tão chateada que, no dia seguinte, fui para o hospital com jornalistas internacionais para intimidar os funcionários do hospital. E, claro, eles decidiram começar a ajudá-la.
Isso partiu meu coração, saber que sem as câmeras ela seria tratada como nada e deixada sofrendo para morrer.
R7: Em geral, como é a vida dos albinos na África?
Coumba: Muito difícil. Albinos na África têm que lidar com a discriminação devido à ignorância sobre a sua condição. As pessoas são, na sua maioria, analfabetos e não entendem como um bebê branco pode vir de pais negros.
R7: Quais são as maiores dificuldades que eles enfrentam na vida?
Coumba: O sol é o maior inimigo para as pessoas com albinismo, porque elas não têm a melanina, que atua como protetor solar na pele e nos olhos. Muitas pessoas com albinismo morrem antes dos 30 anos por causa de câncer de pele.
R7: Como é a inclusão deles no mercado de trabalho?
Coumba: As oportunidades são limitadas porque muitos albinos não recebem educação seja por serem pobres ou devido a problemas de visão. E mesmo os que conseguem estudar são preteridos, porque a maioria dos empregadores prefere contratar os negros.
R7: Na sua opinião, qual é a melhor forma de combater o preconceito?
Coumba: Por meio da sensibilização para o fato de que o albinismo é uma condição simplesmente genética, que ocorre em todas as raças. É apenas uma falta de produção de melanina que deixa a pele dos albinos branca, independentemente da raça. Portanto, devemos nos concentrar no fornecimento de informações sobre a doença e criar imagens que mostram a beleza de albinismo para que outros possam apreciá-los como seres humanos e não 'fantasmas' ou 'intocáveis'.
R7: Quais os objetivos da fundação para o futuro?
Coumba: Temos planos de arrecadar ainda mais fundos para construir uma escola especializada para albinos, uma clínica médica e expandir nossa produção de protetor solar.
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Sob o implacável sol da Tanzânia, o câncer de pele se torna o inimigo número um dos albinos do país. Por serem hipersensíveis aos raios ultravioleta, as pessoas que nascem com essa condição genética precisam dar atenção especial ao cuidado da pele, m...
Sob o implacável sol da Tanzânia, o câncer de pele se torna o inimigo número um dos albinos do país. Por serem hipersensíveis aos raios ultravioleta, as pessoas que nascem com essa condição genética precisam dar atenção especial ao cuidado da pele, mas a falta de condições financeiras, na grande maioria dos casos, não torna isso possível. Foi nesse contexto que a farmacêutica espanhola Mafalda Soto (acima e à dir.) decidiu começar uma pequena produção local de protetores solares em 2012 e, hoje, já distribui o produto gratuitamente para 1.900 albinos de toda a Tanzânia. Veja mais imagens a seguir