Cartas de amor incentivam presos a aprender a escrever na Grande BH
Datas como o Dia dos Namorados impulsionam alfabetização de detentos na Nelson Hungria
Minas Gerais|Do R7
Em tempos de smartphones, 4G, Facebook e FaceTime, a ideia de manter um relacionamento à distância parece menos desafiadora. A tecnologia vai ser a grande aliada de muitos casais geograficamente separados na comemoração do Dia dos Namorados, celebrado nesta sexta-feira (12).
Para quem está trancado em uma cela em um complexo de segurança máxima onde, teoricamente, os aparelhos não entram, o jeito é recorrer a um gesto que, provavelmente, não passa pela cabeça dos amantes mais apaixonados: sentar e escrever uma carta de amor.
Quando juntar palavras para formar uma frase é uma dificuldade, o desafio acaba sendo ainda maior. Datas como o Dia dos Namorados se transformam em incentivo para a alfabetização de presos na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.
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A vontade de traduzir o sentimento em palavras serve de impulso para detentos como Robson Luiz Lopes, de 30 anos. Ele é um dos alunos das três turmas de alfabetização da unidade e, somente nos últimos dias, conseguiu escrever as primeiras frases. Preso há cinco anos, Lopes acredita que em três meses conseguirá escrever uma carta sem precisar de ajuda.
O otimismo vira lamento assim que o detento lembra que a carta enviada à companheira nesta sexta, teve que ser ditada para um colega de cela.
— Fico com vergonha. Não dá pra ditar tudo o que a gente quer. Quero aprender a escrever para poder colocar na carta tudo o que eu sinto sem precisar que outra pessoa escreva pra mim. Mas eu ainda tenho medo de errar.
Outros 15 alunos frequentam a sala de aula todos os dias para aprender a ler e a escrever. Além deles, dez presos aguardam a ampliação da sala de aula para que também possam ser alfabetizados. São homens de faixa etária de 30 a 40 anos, ávidos por aprender.
Interesse e disposição
Há 14 anos trabalhando com educação no sistema prisional de Minas Gerais, Aureliana Miguel Dissigui se dedica a jovens e adultos que não têm escolarização ou que desejam completar o Ensino Fundamental ou Médio. A experiência e a sensibilidade fizeram a educadora perceber que as cartas para a família, tão preciosas para os presos, poderiam ser motivadoras. Afinal, homens feitos carecem de um impulso extra para vencer a vergonha de começar do zero, como se fossem crianças, num banco escolar.
A professora conta que a turma da alfabetização é a mais interessada e disposta a aprender. Ela assegura que esses estudantes são extremamente dedicados, já que tudo é novo pra eles.
— Eles têm tanta pressa em aprender que às vezes isso até atrapalha. O que me impressiona é o cuidado que eles têm com os cadernos e com os materiais. Se você olhar, parece caderno de criança de escola particular.
Aos 64 anos de idade, Joaquim Salvador de Oliveira voltou a escrever recentemente. Ele está preso há cinco anos. Frequentou a escola apenas dos sete aos nove anos de idade e esqueceu o pouco que aprendeu. Segundo ele, o trabalho na lavoura o afastou da escola. Aos 30 anos, mudou-se para a cidade grande, mas a única oportunidade que aproveitou para retomar os estudos foi justamente no local mais improvável: a prisão.
— Quando eu recebo cartas da minha família, alguém tem que ler e escrever a resposta pra mim. Não quero mais isso. Quero poder escrever e ler as minhas cartas.
O sentenciado garante que, ao ganhar a tão esperada liberdade quer continuar estudando.
— Minha esposa reclamou porque não enviei uma carta no dia do aniversário dela. Garanti que muito em breve ela receberá um 'eu te amo' escrito por mim.