Especialista em prevenção de acidentes, comandante Paulo Licati analisa a funcionalidade dos dois terminais do Rio de Janeiro e destaca a importância de se instalar um sistema de segurança na cabeceira de uma das pistas mais desafiadoras entre os aeroportos da América do Sul. Eis o artigo: A aproximação da 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias tornou o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, alvo de discussões e polêmicas. O terminal foi inaugurado em 30 de novembro de 1936 e hoje conta com 8 pontes de embarque e 13 posições remotas que atendem a aviação de médio porte. Ainda no Rio, o suntuoso aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim – Galeão, inaugurado em 01 de fevereiro de 1952, tem disponível 58 pontes de embarque e 91 posições remotas que podem atender aeronaves de médio e grande porte, somando um grande terminal de cargas, possui também a maior pista de pousos e decolagens, com 4.000 metros de comprimento. A pergunta que muitos se fazem quando desembarcam no "Internacional" é: o que faz o gigante aeroporto do Galeão perder movimento para o minúsculo Santos Dumont? O Galeão há muitos anos está ocioso, com falta de passageiros e operações. O leilão de privatização do Santos Dumont, previsto para o ano que vem, gerou interesse da Changi, empresa de Cingapura que opera o Aeroporto Antônio Carlos Jobim, o Galeão. Com o controle dos dois terminais, a empresa poderia coordenadar as operações entre os dois aeroportos. Caso o controle de Santos Dumont caia em mãos de uma concorrente, a possibilidade do terminal aumentar suas operações, inclsuive com voos internacionais, e agravar a crise de movimento no Galeão é bem considerável. Numericamente o Galeão registra maior número de passageiros anualmente. Mas ao se comparar as dimensões e estruturas, o Santos Dumont ganha uma operação notável. Em 2019, último ano antes da crise pandêmica, o Aeroporto Internacional Tom Jobim registrou 13 518 783 passageiros pagos. No mesmo período, o Santos Dumont viu 8 933 77 passageiros pagos. Ao se comparar o Galeão com o Internacional de São Paulo - Guarulhos - a diferença é gigantesca. Foram 42 248 207 passageiros pagos no ano de 2019. Normalmente as principais metrópoles ao redor do mundo têm no mínimo dois aeroportos: um que atende voos domésticos e outro para voos internacionais/domésticos. No caso do Rio, percebe-se um desequilíbrio operacional entre os dois terminais. Com uma localização privilegiada, o Santos Dummont situa-se próximo ao centro da cidade e ao Aterro do Flamengo. É agraciado com vista para o Pão de Açúcar, ponto turístico da cidade. Em 2019 era o quarto aeroporto mais movimentado do Brasil. O Galeão oferece uma boa infraestrutura e serviços. Está localizado na Ilha do Governador, a cerca de 20 quilômetros do centro do Rio de Janeiro. O acesso se dá pelas vias conhecidas como linhas amarela e vermelha. Ambos os aeroportos são servidos com transporte coletivo, o que difere é a facilidade. O Santos Dumont tem a vantagem de ter em suas proximidades o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT Carioca). Ele está na porta do desembarque e leva o usuário ao centro da cidade, metrô e rodoviária, enquanto o Galeão conta com o sistema BRT, ônibus com duas composições e que circula em corredores exclusivos, que levam o usuário até uma estação do metrô. No estudo ficou claro que o problema de mobilidade urbana está presente e impacta na decisão entre escolher um ou outro aeroporto. Em cidades desenvolvidas, é muito comum o passageiro desembarcar de um voo, seja internacional ou nacional e entrar em um metro ou trem. Até mesmo em países em desenvolvimento, como a África do Sul, o usuário conta com serviço eficaz de compartilhamento entre os modais aéreo e ferroviário. Johanesburgo, por exemplo, investiu em uma linha de metrô - em sua maior parte de superfície - para atender os turístas que foram acompanhar a Copa do Mundo da FIFA, de 2010. O Serviço ganhou o nome de Gautrain, e liga o aeroporto O.R. Tambo International à capital política de Pretória, localizada a 50 km, além da área turística e mais desenvolvida de Johanesburgo de Sandton, a cerca de 17 km da famosa Nelson Mandela Square. A mobilidade terrestre deve ser harmonizada, colocando à disposição dos usuários transportes que fluam com rapidez e segurança, evitando congestionamentos nos setores de embarque e desembarque, bem como diminuindo a emissão de poluentes. O investimento em ferramentas que contribuam ainda mais com a segurança de operações aeronáuticas também se faz necessário. Tripulantes, há muito tempo reivindicam a instalação da Área de Segurança de Final de Pista (RESA) do Aeroporto Santos Dumont . Uma das vantagens dessa ação de engenharia é que a área não precisaria ser aterrada. Em conssonância com as preocupações dos ambientalistas, a instalação para a área de escape pode ser realizada com uma solução de engenharia que atende os requisitos de maneira comprovada e segura para parar uma aeronave em casos de emergências. durante procedimentos de pousos e decolagens. O método mais utilizado hoje é o Engineered Material Arresting System (EMAS), conforme já mostrado no blog. Em entrevista exclusiva ao blog, o Secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, explicou que a licença para a instalação do EMAS já está em fase adiantada, mas que a decisão final será do concessionário que levar a licitação. É um sistema composto, feito com concreto celular espumoso e vidro reciclado (ecológico), com alto poder de absorção de energia. Quando uma aeronave passa sobre o EMAS, a superfície é esmagada e cria uma resistência contrária, proporcionando forte desaceleração e uma parada segura. Com objetivo de minimizar os impactos ambientais na Baia de Guanabara, o EMAS pode ser instalado imediatamente após uma área reservada, chamada de setback (recuo), que poderá ser usado como acesso a Escola Naval da Marinha. Com este material é possível adequar o aeroporto mantendo o Nível Equivalente de Segurança Operacional (NESO) de 80 metros, comparado a uma área recomendada pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) e pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) de 150 metros. Como exemplo, as figuras a seguir representam as diferenças entre uma área com o EMAS e outra que atende a recomendação normal da OACI e da ANAC. Independente de qualquer discussão, as recomendações para que os aeroportos tenham uma área de escape têm origem pela quantidade de incidentes conhecidos como "saídas de pistas" (overrun) e as consequências que estes acidentes podem trazer. Em 17 de julho de 1997 um Boeing 737-300, da VARIG, matrícula PP-VPC, ultrapassou o ponto de toque e o limite da pista (overrun) ao tentar o puso na pista 20L e ficou preso no quebra mar. Não houve vítimas e após manutenção, a aeronave voltou a operar. Treze anos mais tarde, em 12 de agosto de 2010 uma aeronave ultrapassou a distância utilizável para pouso (LDA - Landing Distance Available), derrapou guinando à direita e parou nas águas da Baía de Guanabara. A aeronave sofreu graves danos. Todos os ocupantes saíram ilesos. A maioria dos acidentes da aviação ocorre entre a aproximação final e o pouso. Por isso, é de extrema necessidade a adequação, respeitando a vida e o meio ambiente. A sugestão para o edital de licitação deste aeroporto, é que o EMAS seja um requisito para o próximo concessionário, sem deixar margem para interpretações.