"Escudos de policiais tremiam", relembra desembargador sobre dia de massacre no Carandiru
PMs que entraram no primeiro andar do pavilhão nove vão a júri pela morte de 15 detentos
São Paulo|Ana Ignacio, do R7
O desembargador Fernando Torres, juiz auxiliar da Corregedoria dos Presídios em 1992, data em que ocorreu o massacre do Carandiru, foi a segunda testemunha a ser ouvida nesta terça-feira (16) durante o julgamento que acontece no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
Em seu depoimento, que começou por volta das 12h20, Torres falou sobre o dia da ação da PM e sobre a sindicância aberta pela corregedoria sobre o caso.
— Era necessário ingressar, mas não chegar a esse resultado. O que dificultou [tentativas de negociação] foi a inexistência de alguma liderança, de alguém para conversar (...). Muitos policiais entraram e eles estavam com os escudos tremendo porque estavam apreensivos.
Torres conta que após uma última tentativa de Pedrosa, diretor do presídio, de negociar com os presos, a PM entrou.
— Indaguei o coronel Ubiratan se ele ia entrar. Ele disse que já tinha falado com o secretário e que tinha autorização de entrar, caso necessário.
Segundo o desembargador, a possibilidade da rebelião se espalhar para o resto do presídio era uma das principais preocupações de Ubiratan.
— O risco de se expandir havia, mas o grau desse risco quem avaliou foi o Ubiratan.
Após a entrada da polícia, a testemunha disse que era possível ouvir tiros e rajadas de metralhadora, mas nega que tenha ocorrido algum disparo antes da entrada da polícia.
Leia mais notícias de São Paulo
Fantasias
Na sindicância elaborada pela corregedoria, foram ouvidos presos, policiais e agentes penitenciários. De acordo com Torres, foi possível identificar que alguns depoimentos de presos eram “fantasiosos”.
— Criou-se essa fantasia de que havia muito mais corpos do que os 111, de que vários corpos foram jogados no fosso do elevador e a perícia não achou nem vestígio de sangue no elevador.
Ainda de acordo com Torres, nenhum preso conseguiu identificar que policial o atingiu.
— Não houve identificação nem por parte dos presos, nem da PM de quem atirou em quem.
Torres relatou também que chegou a ver policiais feridos, um deles a bala. Esse ferimento teria levantado a hipótese de que havia armas de fogo nas mãos dos presos.
Sindicância
De acordo com Torres, a sindicância concluiu que houve um confronto entre policiais e presos logo já entrada do pavilhão e que ocorreu excesso.
— Houve um inegável excesso dos policiais militares, mas não tem como afirmar quem se excedeu.
O desembargador reforçou que a entrada da policia era necessária, mas disse que isso não justifica o número de mortes.
— Evidente que a situação era crítica e que havia necessidade da polícia dominar, mas daí a resultar em 111 mortos não há nexo.
Julgamento
O julgamento de 26 PMs acusados de participação no massacre do Carandiru começou na última segunda-feira (15). Os réus — todos da Rota — são acusados de executar 15 detentos que estavam no que estavam no 2º pavimento (primeiro andar) do pavilhão nove.
Ainda devem ser ouvidos pela defesa o desembargador Luiz Augusto França, o então secretário de segurança pública Pedro Franco de Campos e o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho. Segundo o Tribunal de Justiça, todas essas testemunhas já estão no Fórum da Barra Funda.
Relembre o caso
O massacre do Carandiru começou após uma discussão entre dois presos dá início a uma rebelião no pavilhão nove. Com a confusão, a tropa de choque da Polícia Militar, comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para conter a revolta.
Ao todo, 286 policiais militares entraram no complexo penitenciário do Carandiru para conter a rebelião em 1992, desses, 84 foram acusados de homicídio. Desde aquela época, cinco morreram e agora restam 79 para serem levados a julgamento.
Até hoje, apenas Ubiratan Guimarães chegou a ser condenado a 632 anos de prisão, porém um recurso absolveu o réu e ele não chegou a passar um dia na cadeia. Em setembro de 2006, Guimarães foi encontrado morto com um tiro na barriga em seu apartamento nos jardins. A ex-namorada dele, a advogada Carla Cepollina, foi a julgamento em novembro do ano passado pelo crime e absolvida.