Mesmo com o desejo latente de ser mãe durante a vida toda, a maternidade não era vista como prioridade para Joana*. Porém, aos 39 anos, o instinto materno bateu forte após reencontrar seu amor da adolescência. Uma gravidez na idade dela seria mais difícil pela idade, mas não o suficiente para aniquilar a vontade de ter um bebê. Joana e o marido decidiram tentar de forma natural até que as frustrações começaram a pesar na balança e ameaçaram a realização deste sonho. Hoje, aos 48 anos, ela é mãe de três filhos, mas precisou derrubar barreiras dentro da própria cabeça depois de recorrer à ovodoação. — Para quem não tinha criança nenhuma, agora a casa está cheia. Ter os meus filhos é uma benção muito grande e a ovodoação mudou a minha opinião sobre o assunto. Eu acho que quem doa o óvulo tem uma bondade e discernimento que admiro demais. Talvez se fosse mais nova eu não teria coragem de doar. Quando estamos em tratamento para retirar os óvulos, sempre perguntam o que queremos que seja feito com os óvulos restantes: mandar para pesquisa, doar ou descartar. No nosso egoísmo, acabamos optando por descartar porque não damos devido valor. Joana relembra que quando reencontrou o amor da adolescência, resolveram ficar juntos definitivamente e ter um filho. A cunhada dela, que é ginecologista, já a havia alertado de que engravidar naturalmente seria muito difícil e que o melhor seria procurar logo um tratamento de fertilização. Ela continuou tentando engravidar pelo método natural por uns seis meses até decidir procurar uma clínica especializada. — Investigaram a minha fertilidade com uma série de exames para saber quais chances eu tinha de engravidar, a quantidade e qualidade dos óvulos que eu tinha. Começaram a estimular os meus óvulos para fazer fertilização in vitro. Depois da terceira tentativa, descobriram que eu tinha endometriose e precisei fazer uma cirurgia para retirar o foco da doença, que dificultava ainda mais que eu engravidasse. A mulher relata ter ido à clínica quase todos os meses durante quatro anos. Depois de 12 tentativas de fertilização in vitro, ela “meio que desistiu”. — Eu já estava com 44 anos e não aguentava mais passar por aquilo. A gente até se acostuma com a dor física das injeções, mas o emocional é extremamente esgotante. Eu comecei a perceber que já era, que não ia dar e passei a pensar em outras opções, como adoção.Eliana anuncia que está grávida aos 43 anos. Há riscos na gestação?Possibilidade de adoção Joana já estava se preparando para adotar uma criança quando o médico sugeriu que tentasse engravidar com óvulos doados. Ela diz não ter negado a possibilidade e acreditava que o marido não fosse aceitar, mas se surpreendeu com a animação dele. Foram duas tentativas de fertilização in vitro com óvulos doados de forma anônima para que Joana engravidasse do primeiro filho, hoje com dois anos e meio. Até o resultado positivo, ela estava cética para evitar sofrer mais uma decepção. — Quando você faz fertilização em vitro, você fica sabendo da gravidez nos primeiros dez dias, antes de sentir qualquer sintoma. Eu rezava para que desse certo, mas sempre com os dois pés atrás. Estava cansada de fazer testes que davam negativo. Chegava a soluçar toda vez. Por isso, estava sem expectativa para não sofrer. Quando o resultado do teste foi positivo, foi inacreditável, é uma coisa impressionante. Foi o pessoal da clínica que me ligou avisando. Na hora da notícia, Joana estava dirigindo na estrada. Ela precisou parar o carro para chorar no acostamento. Em seguida, foi ao um posto de gasolina ligar para o meu marido. Joana conta que as duas gestações foram tranquilas. Na primeira, o bebê nasceu de 39 semanas. Já na segunda, foi um pouco mais trabalhosa por ter sido de gêmeos. — A minha gravidez foi ótima, e meu bebê nasceu lindo e perfeito. Eu tive pouco enjoo, então quando enjoava achava o máximo porque era a certeza de que estava grávida. Quando meu filho estava com um ano e pouco, eu e meu marido decidimos tentar novamente com ovoadoação e fomos para a fila mais uma vez. Já de primeira deu certo. O casal de gêmeos vai completar seis meses.Você sabe o que é hidrossalpinge? Conheça a doença que impediu Karina Bacci de engravidar naturalmente Para realizar estes dois sonhos, Joana e o marido desembolsaram cerca de R$ 100 mil. — Não foi fácil, mas a gente teve condições de bancar [os tratamentos]. Seria o preço de um carro dos bons, mas não pensamos mais no valor. A família de Joana sabe que os filhos foram gerados por meio de tratamentos de fertilidade, mas desconhecem o detalhe da ovodoação, e ela prefere que seja assim. — Só a minha mãe, meu sogro e meu marido sabem da ovodação. De forma alguma eu quero que os demais saibam porque filho é tudo igual e não quero que façam diferença. Após passar por toda essa batalha para realizar um sonho, Joana quer ensinar para a filha a importância de guardar os óvulos no futuro. — As mulheres estão deixando para ter filhos mais tarde e, na maioria das vezes, não guardam seus óvulos. O custo não é nada barato e é muito fácil pensar assim: ‘Porque eu vou gastar R$ 10 mil para congelar meus óvulos? ’. Se eu soubesse que passaria por tudo o que passei, teria congelado os meus óvulos quando era mais nova. E quero passar isso para a minha filha.Mas como funciona a ovodoação? Para ser doadora de óvulos, a mulher precisa estar em tratamento em uma clínica de fertilização, ter até 35 anos, ser saudável e não apresentar nenhuma doença hereditariamente transmissível. Mulheres que querem congelar os óvulos também podem ser doadoras. Os óvulos doados podem ajudar diversas mulheres com dificuldade de engravidar naturalmente, explica a ginecologista e obstetra especializada em reprodução assistida da Huntington Medicina Reprodutiva Thais Domingues. — A maioria das receptoras desses óvulos são mulheres que demoraram para engravidar e tem acima de 40, 42 anos ou que passaram pela menopausa recentemente, cuja qualidade ou quantidade de óvulos não permite uma gravidez saudável. Mas também há casos de mulheres mais jovens que sofrem com doenças como endometriose, câncer ou que passaram por quimioterapia e radioterapia e acabaram inférteis. Segundo a especialista, a seleção do óvulo doado é baseada nas características físicas. Então, a doadora e a receptora devem ter o mesmo fenótipo e tipagem sanguínea. A ideia é que a criança seja o mais parecido com a “mistura” do casal. No caso de Joana, o fenótipo apresentado na clínica foi o oriental. A mulher receptora passa pelo processo de fertilização em vitro com o óvulo doado fecundado pelo espermatozoide do marido dela, após tomar medicamentos para que o endométrio fique mais receptivo para o embrião. Ainda de acordo com a ginecologista, as únicas contraindicações são endométrio muito fino, patologistas ginecológicas, câncer de mama ou pólipos que impeçam a gravidez. — Mas é muito raro isso acontecer. A chance de uma mulher engravidar com óvulo doado é de 60%. É a maior porcentagem dentro dos casos de infertilidade. Geralmente, na primeira ou na segunda vez ela engravida.Há riscos para receptoras? Thais ressalta que os riscos para as receptoras de contraírem alguma doença também são baixos porque as normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) são bem rigorosas, quanto aos exames que detectam patologias, como HIV e outras DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis).Clínicas populares de SP oferecem até fertilização in vitro Após o procedimento de retirada dos óvulos, a doadora pode ter sangramento, mas a incidência é bem baixa, e apenas repouso é o suficiente para que se recupere. Em raros casos (1 para cada mil), é necessária cirurgia para estancar o sangramento. O tratamento de fertilidade custa, em média, R$ 25 mil, e também pode ser feito na rede pública, como no Hospital Pérola Byington e no Hospital das Clínicas, em São Paulo. No Brasil, a doação só pode ser feita de forma anônima. A modalidade cresceu de 8 a 10% nos últimos cinco anos.Escolha segura A maioria das mulheres que doam os óvulos não costumam ficar cismadas com o que será feito com o material doado. A inquietação fica por conta das receptoras, afirma Thais. — Elas não desistem por conta disso, mas questionam bastante. Não é fácil para uma mulher receber o óvulo de outra, por isso ela demora para tomar a decisão. Primeiro, ela precisa aceitar que tem problema de infertilidade. Às vezes, demora até mais que um ano. Ainda segundo a especialista, algumas mulheres se recusam a receber óvulos de determinados fenótipos devido às características culturais. — Aqui no Brasil temos dificuldades de encontrar óvulos de loiras de olhos claros porque a maioria da população brasileira é morena de olhos castanhos. Mas o mais difícil é o oriental. Nesses casos, precisamos esperar uns três meses, em média, e a maioria espera. Alguns casais chegam a pedir para importarmos os óvulos para trazer tipos específicos, como os chineses. Mulheres de origem chinesa pedem óvulos de chinesas porque têm preconceito de gerar um bebê coreano, por exemplo. O problema é o custo. Nos casos em que os óvulos são importados, o valor do tratamento pode chegar a R$ 60 mil.* o nome da entrevistada foi trocado para preservar sua identidade.Número de mulheres que são mães após os 40 anos cresce 49% em duas décadas