ANJ defende que 'big techs' paguem por uso de conteúdo jornalístico
Inspirada em acordos internacionais, ANJ quer que o governo amplie investigação contra monopólio do Google no Brasil
Brasil|Do R7, com informações do Estadão Conteúdo
Inspirada pelos acordos internacionais para o uso de conteúdo jornalístico entre empresas de mídia e gigantes da tecnologia, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) pede ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) uma ampliação da investigação contra o Google no Brasil, visando à remuneração de veículos nacionais pela companhia.
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A ANJ instaurou um inquérito administrativo contra o Google em julho de 2019 sobre o assunto, que ainda não foi transformado em investigação formal.
A pressão é uma reverberação de debates que estão acontecendo no mundo todo. Em fevereiro, a Austrália foi o primeiro país a aprovar uma legislação que força as gigantes de tecnologia a negociarem com veículos de mídia o licenciamento de notícias em suas plataformas.
Em entrevista ao Valor Econômico, publicada nesta segunda-feira (22), Rech afirmou que "o jornalismo vem sofrendo uma erosão dramática em sua sustentação financeira
devido à atuação de empresas monopolistas como o Google e o Facebook". "Essas empresas usam conteúdo de terceiros para gerar tráfego, manter as pessoas o maior tempo possível em suas plataformas e, assim, vender publicidade. É disso que se trata", disse o presidente da ANJ, Marcelo Rech.
Para mudar esse quadro, a associação está abastecendo a ação do Cade com informações das regulações que estão sendo implementadas em países como Austrália e França, quanto à remuneração da atividade jornalística como um todo, conforme revelou Rech em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no início deste mês.
"A Austrália abriu um novo horizonte no entendimento de que as plataformas digitais geram desinformação, fake news, discurso de ódio e incitação à violência. Quem tem a capacidade de fazer a limpeza das plataformas é o jornalismo profissional", disse.
Na visão de Márcio Bueno, da Caminati Bueno Advogados, que representa a ANJ no Cade, o inquérito administrativo, com o impulso das novas regulações internacionais, está maduro o suficiente para uma investigação formal.
"Infelizmente, o que está acontecendo fora do Brasil não está acontecendo aqui. O Google tem feito acordos individuais com veículos no Brasil, mas enxergamos essas parcerias com preocupação e ceticismo porque em uma negociação com uma empresa do tamanho do Google, há margem para termos e condições abusivas", disse Bueno ao Estadão.
Para ele, o momento é oportuno para que as negociações avancem. "Sentimos que há uma inércia na ação, enquanto outros países estão andando com esses pedidos de uma forma mais avançada", pontuou.
Ao jornal, o Google sustentou que tem "cooperado com o Cade para esclarecer dúvidas desde 2019". A empresa disse que "apoia o futuro do jornalismo gerando tráfego, desenvolvendo ferramentas que ajudam a criar novos modelos de negócios e treinamentos, bem como por meio de fundos e parcerias sólidas com toda a indústria".
Segundo Rech, apesar de a ação no Cade ser focada no Google, a ANJ está discutindo também uma legislação específica que faça essa remuneração nos moldes do que acontece na Austrália, incluindo também outras gigantes de tecnologia, como o Facebook. Enquanto na Austrália a lei foi movida pelo órgão antitruste do país, o caminho para implementar uma legislação semelhante no Brasil seria o Congresso.
Pressão mundial
A Austrália tornou-se pioneira quando aprovou em 25 de fevereiro uma legislação que força as empresas de tecnologia a negociar com veículos de mídia o licenciamento de notícias nas plataformas. Durante a elaboração do projeto, Google e Facebook, os mais afetados pela nova lei, ameaçaram sair do país por supostos prejuízos ao modelo de negócios. Apesar de criticarem publicamente a legislação, as "Big Techs" fecharam acordos.
O Google anunciou que fechou parceria com veículos australianos, como o grupo News Corp., do bilionário Rupert Murdoch, que seriam pagos por meio da ferramenta Destaques, que foi lançada na Austrália em 4 de fevereiro. A ferramenta também está disponível no Brasil desde outubro de 2020.
Já o Facebook, antes de fechar acordo com o governo local e anunciar o lançamento da plataforma News no país, bloqueou o compartilhamento de notícias para usuários australianos do dia 17 a 23 de fevereiro.
Inspirada no movimento australiano, a União Europeia e o Reino Unido declararam no mês passado que podem exigir que as gigantes também paguem pelo uso de conteúdos noticiosos. Os parlamentares europeus querem implementar sistemas para compensar o desequilíbrio das Big Techs nas plataformas digitais.
Já a França conseguiu em janeiro um acordo similar, após intervenção da autoridade de competição do país a pedido da Alliance de la Presse d'Information Generale, organização que representa os jornais franceses. Assim como na Austrália, o Google fez parcerias individuais com veículos locais e pagou pelo conteúdo por meio do produto Destaques.
O papel das "Big techs"
Reportagem do Valor Econômico revelou que, desde o dia 10 de março, está em vigor nos Estados Unidos a Lei de Competição e Preservação do Jornalismo (JCPA, na sigla em inglês). A norma dá o aval para que pequenos veículos de imprensa negociem em conjunto com as grandes empresas de mídia online, as "big techs".
A lei é temporária – vale por quatro meses para as negociações conjuntas – e nasceu do escopo de uma investigação do Comitê Judiciário da Câmara dos Deputados a respeito do mercado digital.
Em seu relatório, o colegiado norte-americano concluiu que, ao coletarem dados dos leitores, os conglomerados de internet captam dados dos usuários, permitindo que anunciantes usem essas informações para alcançar o consumidor, minando, assim, o valor do espaço publicitário para as empresas de jornalismo profissional.
A rotina se constitui em um verdadeiro monopólio, principalmente de Google e Facebook, dizem os parlamentares, enfranquecendo o jornalismo profissional e, por consequência, a democracia.
"O papel do jornalismo é apurar a verdade e esclarecer os fatos. Na democracia,
funciona como uma barreira de contenção", afirmou Rech ao Valor. "Mas se o jornalismo é enfraquecido ou desaparece, as opções que restam são o controle pelas próprias plataformas, que é tecnicamente impossível, ou o controle externo por governos, com risco de censura."