Desmatamento: 'Está em jogo a soberania do país', diz Carlos Nobre
Pesquisador do IEA-USP afirma que o Inpe é o órgão mais qualificado do mundo para monitorar a Amazônia, e pede transparência nos dados
Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7
O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo (IEA-USP), Carlos Nobre, um dos principais especialistas em climatologia do mundo, afirmou enfaticamente não ter dúvida da qualidade das detecções de desmatamento na Amazônia feitas no Brasil. "O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, responsável pelo monitoramento) é o órgão mais qualificado do mundo para esse tipo de serviço e lá há pessoas extremamente capacitadas, com até 40 anos de experiência na função", completou.
Nesta sexta-feira (2), o diretor do Inpe, Ricardo Galvão, anunciou que será exonerado por defender os dados divulgados em junho, que apontavam aumento de 88% no indice de desmatamento na Amazônia. O servidor se indispôs com o presidente Jair Bolsonaro, que, primeiramente, alegou que o número prejudicava negociações internacionais do país. Num segundo momento, pôs em dúvida a qualidade da detecção. "O Deter (sistema utilizado) vem sendo aprimorado há anos e é o melhor que já foi feito para esse tipo de trabalho", garantiu Nobre.
O climatologista explica que, ao contrário do que declarou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em entrevista coletiva na quinta-feira (1º), os dados questionados por Bolsonaro não estavam errados. O titular da pasta também comentou que teria ficado constatado que o Deter apresentou "lapso temporal" e registrou números que sequer eram de junho.
Logo após a coletiva, o Inpe, em comunicado à imprensa, disse que uma análise preliminar do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) a qual o instituto não teve acesso prévio apontou as supostas falhas do sistema. E não concordava com a mudança na metodologia.
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Nobre também não concorda, principalmente porque não se muda o sistema de uma hora para outra. "Quando você passa a utilizar um novo programa de monitoramento, é preciso calibrar o algoritmo, corrigindo falhas na detecção. E esse processo dura de 1 a 2 anos", explicou.
Nobre detalhou o que seria a tal calibragem do algoritmo. "Com uma imagem em alta resolução, você pode pegar uma árvore caída por um arrasto do vento, e isso não é desmatamento. O monitor detecta, mas não serve para o índice. Então você tem que às vezes ir a campo pessoalmente para ver o que aconteceu e corrigir a detecção. Um processo longo, com método e que não se faz de uma hora para outra."
Acrescenta que só um órgão brasileiro tem capacidade técnica para fazer a correção de qualquer que seja o sistema adotado pelo governo: o Inpe.
Nobre também acha absurda a declaração de Salles de que o Deter apurou como dados de junho desmates antigos, e isso seria um erro, segundo o ministro. "Quem entende esse processo sabe que isso não faz sentido. O Inpe detectou o desmatamento, é fato, mas jamais afirmou que tudo ocorreu no período de um mês." O pesquisador conta que a sonda passa a cada 5 dias no mesmo local da Amazônia e acontece com frequência de a região estar encoberta por nuvens. "Então você vai somando os registros na medida em que eles surgem no radar. Não tem como não ser assim."
O especialista considera reprováveis os últimos passos dados pela equipe de Bolsonaro na tentativa de negar os dados, mas prefere não acreditar que o trabalho de monitorar a Amazônia será interrompido.
Para Nobre, o Deter vai continuar funcionando e sendo o principal sistema de monitoramento do país. E espera que os números anunciados sejam os verdadeiros, até por uma questão de inteligência do governo federal. "Se o Brasil não divulgar, outros países farão isso, porque a China, a Europa, os Estados Unidos e organizações como a Nasa também fazem o monitoramento. Se nós não formos claros e transparentes, outros vão ser e vão deixar a gente em péssima situação. Vai ser um tiro no pé que vai prejudicar inclusive a soberania do país", alertou.