As diárias pagas a promotores e procuradores de São Paulo por serviços prestados fora de suas comarcas poderão ficar até 10% mais caras neste ano, passando dos atuais R$ 870 para até R$ 964. O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) promulgou na última sexta-feira (12) uma lei complementar que modifica trechos da Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo, alterando o cálculo da gratificação. Segundo o texto, o novo valor está limitado entre "1/60 (um sessenta avos) a até 1/30 (um trinta avos) do subsídio do cargo do Promotor de Justiça de Entrância Final". Como a remuneração desse cargo é de R$ 28.947,55, as novas diárias pagas ficarão entre R$ 482,45 e R$ 964,91. Quem baterá o martelo sobre o novo valor é o chefe da categoria, o Procurador-Geral de Justiça Gianpaolo Smanio. Na segunda-feira (15), ele já assinou despacho mantendo provisoriamente o valor em R$ 870,86. Não há prazo para sair a decisão final. As diárias são pagas quando os servidores prestam serviços em outras comarcas, independentemente da distância que percorram. Alguns pagamentos são realizados, por exemplo, quando um promotor sediado em São Paulo presta serviço na região metropolitana, ou quando servidores do interior cumprem diligências em cidades vizinhas e voltam para suas sedes no mesmo dia. Os promotores e procuradores realizam diversos tipos de atividades fora de suas comarcas, como cursos, reuniões, atividades de correição, cumprimento de mandados judiciais, participação em audiências e visitas às unidades do inchado sistema penitenciário paulista. Os R$ 870,86 pagos por dia de deslocamento servem para ressarcir gastos com transporte, alimentação e hospedagem. A quantia é paga de forma integral mesmo quando o servidor não dorme no local ou quando utiliza o veículo oficial. Em qualquer situação, não é exigida a comprovação dos gastos efetivamente realizados. O pagamento integral da diária quando não há pernoite é vedado nacionalmente pela resolução 58 do Conselho Nacional do Ministério Público, mas permitido em São Paulo pela Lei Orgânica do MPSP. A categoria ainda tem direito a receber mensalmente, desde setembro de 2014, a quantia de R$ 4.377 a título de “auxílio-moradia”. O valor é pago mesmo se o servidor tiver imóvel próprio na cidade onde trabalha. “Ser indenizado por custos em razão do trabalho é uma coisa. Mas o que acontece é que essas diárias ou o auxílio-moradia são praticamente incorporados na remuneração, independentemente de se ter feito o gasto ou não. Você transforma verba indenizatória em remuneração. O sujeito não apresenta recibo e o Estado simplesmente paga”, diz o professor Amauri Feres Saad, coordenador de pós-graduação em direito administrativo do IDP São Paulo.Teto do funcionalismo público Os gastos com diárias de promotores e procuradores paulistas subiram anualmente entre 2013 e 2016, passando de R$ 1,39 milhão para R$ 1,81 milhão, segundo levantamento feito pelo R7 no Portal da Transparência do Ministério Público de São Paulo — os números de 2017 ainda não foram fechados. Esta será a quinta alteração no valor das diárias desde janeiro de 2013, quando a gratificação estava calculada em R$ 654,79. Foram quatro mudanças até janeiro de 2015, quando se chegou ao valor atual de R$ 870,86. As diárias são consideradas verbas indenizatórias e, por isso, não entram no cálculo da remuneração dos servidores. Nenhum promotor ou procurador tem salário base superior ao teto nacional do funcionalismo público, limitado a R$ 33.763. Mas, considerando o salário bruto dos membros do MPSP e as indenizações e gratificações pagas, boa parte dos servidores acabam recebendo no contracheque valores superiores ao limite estabelecido em lei. Levantamento feito pelo R7 no Portal da Transparência mostra que, dos 1.982 membros do MPSP remunerados em novembro passado, 1.560 (78,7% do total) tiveram vencimentos maiores a R$ 33.763. Para Saad, o pagamento desses valores extras “a certas categorias de servidores ofende a questão do teto salarial, porque acaba sendo uma forma de remuneração comum”, além de constituir uma forma de “privilégio”. — E em certos casos não respeita o princípio da moralidade [da administração pública], já que são servidores altamente remunerados. A categoria do MP e dos juízes já recebem vencimentos que são os maiores da população brasileira. [Com os pagamentos extras] você estabelece de forma indireta outras formas de remuneração. Para o professor de direito constitucional Flávio de Leão Bastos Pereira, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e fundador do Observatório Constitucional Latino-Americano, “não há nenhuma vedação legal” que impeça o aumento das diárias — Mas do ponto de visto político, perante a população, talvez pudesse ser evitada essa decisão.Outro lado O Ministério Público de São Paulo declarou ao R7, via assessoria de imprensa, que a decisão do Procurador-Geral de Justiça de manter o valor em R$ 870,86 é “provisória” e que “a diária não é uma remuneração do promotor, mas para que ele faça indenização dos gastos”. Segundo o órgão, entre 2008 e 2014, havia regulamentação que permitia o pagamento “escalonado” das diárias, cortando pela metade a diária para quem viajava para distâncias curtas e garantindo diária “cheia” para quem viajava a Brasília, por exemplo. Mas uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de 2014, em ação proposta pela APMP (Associação Paulista do Ministério Público), derrubou essa determinação e manteve os pagamentos integrais, independentemente da atividade desempenhada e do local da diligência. A respeito da resolução 58 do CNMP, o MPSP diz que, dentro da margem estabelecida pela nova lei, em que as diárias ficarão entre R$ 482,45 e R$ 964,91, será possível definir valores proporcionais para cada tipo de viagem. Para o Ministério Público de São Paulo, antes da nova lei, só era possível fazer o pagamento da diária integral “em qualquer hipótese”. Agora “existe a possibilidade” de serem regulamentados valores diferentes para diárias. Sobre a não apresentação de recibos, o MPSP esclarece que a prática “não é regramento exclusivo de São Paulo” e segue um padrão nacional estabelecido em lei. O R7 entrou em contato com a APMP e o Sindsemp (Sindicato dos Servidores do Ministério Público de São Paulo), mas as associações não responderam até a publicação desta reportagem.