Licença paternidade de 20 dias ganha espaço e mais adesões
Companhias estão vencendo a resistência de pais que tinham receio de deixar o serviço ou achavam que criar filho era coisa só para mulheres
Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7
Aos poucos, as empresas brasileiras vão vencendo o preconceito e os receios de pais que, apesar de terem em seus empregos a opção da licença paternidade estendida, preferiam abrir mão dessa ajuda. O prazo de pelo menos 20 dias é oferecido hoje por 29% das companhias analisadas pela consultoria Mercer Marsh Benefícios, e tem adesão cada vez maior. O impacto dessa mudança de comportamento vai além da união familiar, passa pelo reposicionamento do homem na sociedade e acaba minimizando, indiretamente, o peso que carregam as mulheres no mercado de trabalho.
Os 20 dias, e não 5, como determina a lei trabalhista nacional, são dados por empresas que se inscreveram no programa Empresa Cidadã , criado pela Lei 11.770, de 2008, em troca de abatimentos em impostos federais. "Mas nunca volta 100% do que pagamos, nosso retorno não é apenas financeiro", explica Alex Marconato, gerente de Benefícios, Saúde e Segurança do Trabalho do grupo Via Varejo, das marcas Casas Bahia e Ponto Frio. Segundo ele, o pai retoma o trabalho mais engajado com a companhia, satisfeito e feliz.
Cerca de 780 funcionários da Via Varejo optaram pela licença maior desde abril de 2018, quando a medida passou a ser oferecida. Homens e mulheres recebem ainda um kit-enxoval e passam por um curso sobre cuidados básicos com os bebês. “É importante mostrar que estamos a seu lado nesse momento. É uma satisfação enorme, como representante da companhia, poder oferecer algo que vai ter influência na vida de uma família inteira”, diz Marconato.
O Santander, há mais de 10 anos no programa empresa cidadã, viu na expansão do prazo uma maneira de enfatizar entre suas equipes a preocupação da marca com a vida pessoal, familiar e profissional dos empregados. A empresa comemora 90% de adesão.
No grupo Carrefour, com 640 pontos de venda no país, o desafio maior foi convencer trabalhadores de vários níveis sociais sobre a importância de ficar mais tempo com o filho, dividindo as tarefas domésticas e sem se preocupar com a estabilidade no serviço. Para Alexandre Espinosa, diretor de RH corporativo do Carrefour Brasi, “conscientizar o funcionário é essencial, mas tão importante quanto isso é mostrar aos gerentes e a todo o departamento que uma saída temporária não terá grande impacto no dia a dia e que, no fim das contas, ela traz vantagens ao ambiente.”
De acordo com Espinosa, o colaborador fortalece seu vínculo e passa a ter uma relação mais afetiva com a corporação.
‘Indescritível’
Se a palavra de especialistas em RH pode parecer fria, a de um pai talvez ajude a convencer o leitor mais cético da importância do benefício estendido.
Igor Gomes, 38 anos, diretor executivo de Business Operations da farmacêutica Takeda, tem dois filhos. Victoria, de 8 anos, e Enrico, com 1. Por poder ficar mais tempo com o último, graças à licença de 20 dias, abriu mão da ajuda da mãe em tempo integral, como aconteceu após o primeiro nascimento.
“Poder acompanhar de perto todos os detalhes e as evoluções do bebê foi uma sensação que não consigo descrever. Sem contar que pude me sentir mais útil e tomei exclusivamente para mim atividades como dar banho e colocar para dormir”, recorda.
A multinacional, com cerca de 1.400 funcionários no Brasil, também o ajuda a ficar mais perto de Enrico e Victoria permitindo folgas nos dias de aniversário das crianças e com as short-Fridays, direito a sextas-feiras de expediente mais curto, nas quais Igor costuma buscar a filha na escola.
A gratidão do pai com a companhia se reflete na família. “Esses dias, a Victoria, rezando, agradeceu a Takeda por deixar que eu fique mais tempo em casa.”
Guilherme Gennari, gerente de operações da Unilever, diz que esse período sem trabalhar (“mas com muito trabalho em casa”), assim que nasceu a filha Alice, “foi indescritível”. “Acordar a cada susto dela, aprender a trocar alguém tão pequeno e delicado, vê-la descobrindo o ambiente ao redor… foi cansativo, mas uma emoção única.”
A Unilever oferece 40 dias, com a opção de utilização de 20 assim que a criança nasce e 20 num período posterior.
“No meu caso tirei 20 dias e mais um período de férias”, recorda Gennari. Ele conta que nunca foi um auxiliar na criação. “Não é sobre o pai ‘ajudar’ em algo, e, sim, sobre ser corresponsável pela criança desde o início.”
O restante da licença ele utilizou para viajar com a família, quando Alice tinha sete meses. Difícil foi retornar ao trabalho após a segunda saída. “Foi um período diferente de adaptação, com muita saudade, aperto no peito e buscando notícias de casa a todo momento.”
A Head de Diversidade e Inclusão da Unilever Brasil, Luana Suzina, afirma que esse e todos os benefícios oferecidos a pais e mães buscam estimular a equidade dos gêneros e o acolhimento desses casais.
Pelos números da companhia, a adesão nos últimos 12 meses foi de 99%.
As ofertas corporativas para pais e mães só aumentam. Divulgada na quarta-feira (7), a Pesquisa de Benefícios Aon 2018-2019, com 640 empresas e 2,3 milhões de colaboradores, mostrou que de 2017 para este ano, subiu de 4% para 19% o percentual de empresas que fazem ações no Dia das Crianças, e de 22% para 59% a quantidade de companhias que oferecem os auxílios berço ou creche.
Novos tempos
As corporações modernas já superaram os debates sobre a importância de tratamentos similares para homens e mulheres. No caso da cervejaria Ambev, por exemplo, essa busca de se adequar à realidade atual é nítida. “Estendemos aos casais homoafetivos o benefício ampliado de 180 dias de licença parental, para que o principal cuidador ou cuidadora da criança possa se dedicar integralmente a esse período inicial da criação”, afirma Daniel Spolaor, diretor de Gente e Gestão.
Na Ambev, 960 pais já foram beneficiados pela licença estendida, o que representa 84% de adesões desde a implementação do benefício.
A diretora de produtos e consultoria da Mercer Marsh, Mariana Dias Lucon, explica que temas como diversidade e igualdade de gênero fazem parte da rotina dos RHs. “Criar um ambiente que estimule esse movimento contribui para uma sociedade mais equalitária. Acredito que mais empresas vão aderir a essa causa. Em nosso levantamento anterior, em 2017, somente 18% das companhias ofereciam (o período estendido). Hoje são 29%.”
Marcos Milazzo, diretor de remuneração e benefícios da Natura, reforça que a medida ajuda a criar homens mais conscientes. “Esse sujeito dificilmente no futuro vai estranhar a saída de um outro funcionário ou funcionária por causa de um bebê. É uma iniciativa educativa e social”, completa.
Na Natura, 80% dos funcionários elegíveis ao benefício aceitam a extensão – que, na empresa, é de 40 dias. “E esse número de adesão só aumenta. Atualmente, a média de dias tirados pelos homens está em 35. Em 2016, eram 28.”
“A gente vem aos poucos vencendo o receio dos empregados de ficar mais dias fora da empresa. Eles pensavam que poderiam ser prejudicados, mas vão percebendo com o tempo que esse risco não existe”, garante Millazzo.
Na Natura, com 6,3 mil colaboradores no país, os homens também podem deixar o filho no berçário, em mais uma tentativa da empresa de estimular a divisão de tarefas entre os sexos. “O peso é muito maior às mães, 30% delas têm dificuldade de voltar da licença e algumas não voltam”, revela o diretor. Os 300 pais beneficiados até agora retornaram ao trabalho normalmente.
Outra dificuldade que afugentava o sexo masculino era o machismo e a falta de jeito com crianças. “Alguns homens nos contavam que, por não saberem o que fazer em casa nesse período, preferiam rejeitar a licença estendida.”
Ah, não sabe como fazer? Aprende! A indústria farmacêutica MSD Brasil, com 1,5 mil colaboradores, apostou na educação como forma de vencer o cômodo hábito machista de não botar a mão na massa. Ela, que desde junho deste ano oferece a licença estendida, faz os homens participarem de um curso de paternidade responsável criado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no qual têm informações sobre pré-natal, parto, pós-parto e dicas práticas do cotidiano de quem cuida de uma criança.
“O curso é um passo importante na busca de igualdade de gênero e tornamos obrigatório para a concessão do benefício”, diz o diretor de Recursos Humanos da MSD, Andres Massoni.
Em outras companhias há cursos similares e que também servem como pré-condição para a liberação.
Pelo menos um mês
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) vê a participação dos pais nos cuidados com o recém-nascido como um estímulo à saúde da criança e defende não 20, mas 30 dias de licença. “O primeiro mês é o mais difícil para a consolidação da amamentação. Se a mulher estiver sozinha, tudo fica ainda pior. Desde a pega (forma como o bebê encaixa a boca no seio) a problemas como a mastite (inflamação da mama) até o momento do sono, a rotina se estabelece nesse início”, explica o presidente do departamento científico de aleitamento materno da SBP, Luciano Borges Santiago.
Segundo ele, as mulheres amamentam melhor em ambientes familiares no qual o homem está presente, atuando. “O pai é um facilitador no processo de aleitamento, principalmente na criação do hábito. Ele pode participar ativamente, levando conforto ao filho e à esposa e permitindo, ao assumir outras tarefas, o descanso da mãe.”
Santiago cita um estudo americano que mostra que investir no aleitamento é sempre um bom negócio. “Para cada dólar que uma companhia gasta a favor da amamentação, 2 a 3 dólares deixam de sair de seus cofres.” Isso porque, diz, criança que mama adoece menos e não obriga a mãe a sair do emprego a todo momento para consultas ou internações. “Ela também volta mais animada e produtiva ao trabalho e, por ser grata à companhia, só falta em último caso.”