Mãe de Eliza Samudio diz que Bruno não mudou e neto a faz superar ódio
Dez anos após morte de modelo, mãe questiona paradeiro do corpo da filha e diz que ex-goleiro nunca procurou o filho: 'Foi abandonado como se fosse lixo'
Brasil|Fabíola Perez, do R7
Enquanto Bruninho corre, agitado, de um lado para outro da casa, Sônia de Fátima Moura, de 55 anos, tenta se concentrar na entrevista. "É que o Bruninho está na semana de provas." A preocupação constante com o desempenho e o carinho com o garoto justificam um dos motivos pelo qual ele a chama de mãe Soninha.
O outro, mais doloroso de ser lembrado, é que Bruninho perdeu a mãe com poucos meses de vida e foi encontrado pela polícia em uma favela de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Bruno Samudio é filho de Eliza Samudio e Bruno Fernandes. Distante do neto, ao fechar as portas do quarto para ter privacidade, Sônia se lembra da filha. “Na quarta-feira, já vai fazer 10 anos da morte dela.”
Modelo, Eliza Samudio foi morta por asfixia e esganadura no dia 10 de junho de 2010, data determinada por reconhecimento da Justiça. A modelo foi esquartejada e até hoje não teve o corpo encontrado. Bruno Fernandes, goleiro titular do Flamengo, foi condenado a 22 anos e três meses de prisão por homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação do cadáver. Atualmente, ele cumpre pena no regime semiaberto e tenta retomar a carreira como jogador de futebol.
Em maio de 2012, Sônia ganhou na Justiça a guarda definitiva de Bruninho e, desde então, não se desgrudam. “Gostamos de fazer uma caminhada juntos. Quero ver se mais para frente conseguimos pagar uma escola de natação para ele”, diz. A relação de confiança entre avó e neto faz com que Bruninho saiba praticamente todos os detalhes do caso que envolve os pais, ganhou repercussão há dez anos e até hoje causa polêmica. “Sempre converso com ele. Quando perguntam se ele é filho do Bruno ele responde: 'É meu pai de sangue', sem dar muito espaço para comentários.”
"Quando perguntam se Bruninho é filho do Bruno ele responde ‘é meu pai de sangue’%2C sem se alongar"
Aos 10 anos completados em fevereiro, Bruninho ostenta 1,54 metro de altura. A boca e o cabelo são de Eliza, segundo a avó. Mas os pés, o buraco no queixo e a altura são do pai. “Ele já está calçando 38”, diz Sônia, impressionada. A avó conta que o garoto costuma perguntar sobre a mãe. “Ele questiona por que o pai fez isso com ela", diz. "O ser humano é algo difícil de se explicar. Digo a ele: 'A princípio ele não queria ter você, não queria pagar pensão e até hoje não paga'", afirma Sônia.
Bruninho faz terapia desde os três anos, só interrompeu por conta da necessidade de isolamento social com a pandemia do coronavírus. Segundo a avó, a morte da mãe fez com que o garoto tivesse um “entendimento sobre a justiça” desde cedo. “Quando ele assiste ao noticiário e vê algum caso chamativo, logo fala: 'Não tem justiça no Brasil.'”
‘Por que a Justiça não diz onde está o corpo de Eliza?’
A mesma percepção de Bruninho sobre a Justiça é compartilhada por Sônia. Apesar de reconhecer a importância da lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, e a lei do feminicídio, ela afirma que o Brasil não olha para as mulheres. “A Justiça não está vendo a quantidade de mulheres que morrem nas mãos de alguns homens. Às vezes, uma medida protetiva só serve para deixar o agressor com mais raiva.”
Entre os conselhos que costuma dar ao neto, um deles é para que o garoto não permita que ninguém fale mal de sua mãe. Isso porque, explica Sônia, até hoje ela se depara com comentários pela internet que ofensivos à Eliza. “Ainda machuca quando dizem que ela só estava interessada em dinheiro.” Mesmo passados dez anos da morte da filha, ela diz estar empenhada em montar um dossiê com os comentários ofensivos para serem levados à Justiça quando julgar oportuno.
"A Justiça não vê a quantidade de mulheres que morrem nas mãos de alguns homens."
Em março desse ano, a Justiça de Minas Gerais autorizou o goleiro a se mudar para a cidade de Arraial do Cabo, na região do Lagos, no Rio de Janeiro. “Todo esse período, ele não trabalhou um dia sequer”, diz Sônia. “Por que a ressocialização do Bruno só pode ser pelo futebol? Se ele não conseguir um emprego no futebol vai ficar parado? O que prevalece é a injustiça”, diz Sônia. Em meio aos questionados, a mãe de Eliza afirma tem apenas uma certidão de óbito da filha. “Quando que a Justiça me informasse o paradeiro do corpo dela. No documento, só consta a forma como ela foi morta. Isso é justiça?”
Novas hipóteses para o crime
Eliza e Bruno começaram a se relacionar no início de 2009, no Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2010, tiveram Bruninho. Segundo relatos de amigos, o relacionamento começou a ter problemas quando o então goleiro soube da gravidez de Eliza. Sônia lembra que Bruno a teria obrigado a tomar medicamentos abortivos quando soube da gestação. Nesse contexto, a pedido de Bruno, Eliza teria ido ao sítio onde o goleiro promovia encontros com amigos, em Minas Gerais, para chegar a um acordo sobre a paternidade. Ela não voltou mais.
A mãe de Eliza afirma que a filha permaneceu por uma semana em cárcere privado. Em julho de 2010, a polícia apreendeu o primo de Bruno, na época um adolescente de 17 anos, que contou ter participado do sequestro de Eliza. A modelo e o bebê de quatro meses foram levados ao sítio do goleiro e, em seguida, transportada para a casa do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, conhecido como “Bola”. No local, Eliza foi amarrada e estrangulada. Segundo as investigações, as partes do corpo foram jogadas a cães, com o objetivo de serem destruídas. Um dia depois do depoimento do primo de Bruno, a Justiça de Minas Gerais decretou prisão preventiva de Bruno e mais oito pessoas.
A mãe de Eliza é taxativa ao afirmar que a filha não morreu por conta do pagamento da pensão. A mesma versão também é sustentada pelo goleiro, que em entrevistas recentes, afirma que contará sua versão da verdade ao filho Bruninho e avó. “Quem se beneficiou tirando Eliza de cena foi ele. Ele cometeu o crime com a certeza da impunidade.”
Leia mais: Justiça autoriza goleiro Bruno a cumprir pena em semiaberto
Sônia afirma que tem ideia de quais seriam as novas versões por trás do crime. "Não posso falar porque colocaria a minha vida e a vida do Bruninho em risco”, diz. "Por que ele não fala o que foi? Ele atentou contra a vida do filho desde que Eliza estava grávida." Na época, Sônia e Eliza perderam o contato. “Sempre me perguntei porque ela não veio me procurar, assisti às gravações deixadas por ela em busca de respostas”, lembra. “Depois entendi que ela achava que Bruno poderia vir atrás de mim ou do irmão dela.”
Abalada e com a voz embargada, Sônia lembra que nas últimas conversas que teve com a filha, teve a sensação de que algo não estaria bem. Nesse momento, a avó de Bruninho interrompe a fala e chora. “Da última vez que ouvi minha filha, disse para ela: se você precisar da mãe, sabe onde me encontrar.”
“Da última vez que conversamos disse para ela%3A se você precisar da mãe%2C sabe onde me encontrar.”
Sônia não acredita em uma nova versão que Bruno diz ter para o crime. “Ele não mudou em nada. Achei que o tempo na prisão serviria como um aprendizado, mas ele não se condói. Esse discurso de ter uma ‘verdade’ é um tiro no pé, ele vai inventar uma história. Afinal, até hoje ele nunca procurou pelo filho.”
Outra ferida aberta nas memórias da avó é a forma como o neto foi encontrado. Bruninho foi localizado pela polícia em uma favela da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. “Ele foi abandonado como se fosse um lixo”, recorda.
“A dor não ameniza e a saudade fica mais forte”
Passados dez anos da morte da filha, Sônia só consegue notar o tempo ao se deparar com o crescimento acelerado de Bruninho. “O tempo não ameniza a dor, a saudade fica mais forte a cada dia”, diz. Para lembrar um pouco da filha, Sônia criou o hábito de escrever poesias. “Quando a dor está mais presente é uma forma de desabafo.”
“Muitas pessoas não entendem o sofrimento de uma mãe. Cansei de chorar no banheiro para não me verem sofrer. Perdi meu pai, perdi minha mãe, mas a dor de perder um filho é diferente. Nada se compara a este sentimento”, afirma. Além da dor, Sônia diz que a última década serviu também como um período de aprendizado.
Um deles se refere à proteção da integridade da filha. “Bruno pode escrever quantos livros quiser, mas se ele citar o nome da Eliza, sem considerar que há uma criança, filho dela, que está crescendo, será direito meu ir à Justiça”, diz. “Ninguém mais vai falar mal da mãe dele.” Além disso, Sônia se preocupa em deixar alguns ensinamentos ao neto. “Costumo dizer a ele: 'Deus te guardou por algum motivo. Na velhice, seu pai vai precisar de você.'”
A maior lição, segundo Sônia, veio por meio do convívio com o neto. “Tinha muito medo de como seria essa relação. Tinha medo de odiar meu neto pelo que o Bruno fez com a minha filha. Mas ela sempre teve o sonho da maternidade e foi por meio da relação com o Bruninho que aprendi a abandonar o ódio para dar espaço ao amor.”
“Não sou igual ao meu pai”
Apesar de buscar respostas para a morte da mãe, Bruninho não gosta de falar sobre o pai. Segundo a avó, uma das coisas que o garoto mais gosta de fazer é jogar futebol. “Já me incomodou muito. No começo, conversei com a psicóloga, mas não posso fazer escolhas por ele. Se é um desejo dele, vou apoiá-lo”, diz. No entanto, Bruninho não gosta de ser comparado ao ex-goleiro do Flamengo. “Não sou igual ao meu pai de sangue”, diz.
São nos hábitos de Bruninho que Sônia vê um pouco da filha e consegue matar a saudade. “Quando ele come batata frita, me pego olhando e pensando na mãe dele”, diz. “Bruninho tem o hábito de andar descalço pela casa. A Eliza fazia isso direto. Os olhos dos dois são muito parecidos. Não sei como podem se parecer tanto.”
"Foi por meio da relação com o Bruninho que aprendi a abandonar o ódio para dar espaço ao amor.”
Assim como Eliza, Bruninho torce para o São Paulo. “O sonho da mãe era conhecer o Rogério Ceni. Já o Bruninho ficou super feliz e guarda com todo o carinho a bola autografada que ganhou do ex-goleiro Zetti”, diz a avó. Apesar do gosto pelo esporte, aos 10 anos, Bruninho diz que quer ser biólogo ou professor de educação física.
A avó conta que até hoje Bruninho não teve vontade de conhecer o pai. “Ele tem medo do que pode acontecer. Ao mesmo tempo, diz: ‘Como posso ter raiva de quem nem conheço?’” Apesar disso, é o garoto que, mesmo com a pouca idade, consola a avó nos momentos de tristeza. “Às vezes, ele me pega chorando quando lembro da minha filha e enxuga minhas lágrimas. Ele é meu companheiro.”
Procurada pela reportagem, a defesa de Bruno Fernandes informou que não iria se manifestar.
10 anos depois: relembre a ordem dos fatos na morte de Eliza Samudio