Motoboys buscam crédito para comprar moto e trabalhar com apps
588 mil motofretistas atuam com entrega de comida e produtos para aplicativos no país, segundo estimativa do Fundação Profissão Motofrete
Brasil|Márcia Rodrigues, do R7
Gabriel Carvalho de Oliveira, 20 anos, comprou uma moto há um mês e meio para trabalhar com entrega de produtos e comida de aplicativos, na capital de São Paulo. A moto escolhida foi uma Honda CG 160 Start, avaliada em R$ 10.500.
Para honrar as 36 parcelas de R$ 340 mais os gastos mensais, entre eles a pensão da filha, trabalha das 10h20 às 23h30, seis dias na semana.
Meta diária ajuda a atingir rendimento mensal
Como bom empreendedor, Oliveira estabeleceu uma meta diária para cumprir: precisa ganhar de R$ 110 a R$ 120 por dia, durante a semana, e R$ 300, aos domingos.
Desse total, R$ 20 vão para cobrir os gastos com o combustível.
“Se não acontecer nenhum imprevisto%2C espero quitar a moto antes de 36 meses. Minha ideia é pagar duas parcelas por mês e eliminar a dívida em 18 meses.”
Assim como Gabriel, Victor Roberto Oliveira Gonçalves de Carvalho, 19 anos, financiou o mesmo modelo de moto, há quatro meses, para trabalhar com aplicativos.
Antes, atendia apenas um restaurante com uma moto velha, mas viu que com o app conseguiria ganhar mais, por isso decidiu fazer o investimento.
“O negócio é pegar firme, sem fazer corpo mole, para atingir a meta diária para pagar as contas, inclusive, o financiamento. Por enquanto estou conseguindo fazer isso com uma certa tranquilidade”, comenta Carvalho.
Apps pagam de R$ 4 a R$ 10 por saída
Bruno Bezerra da Silva, 31 anos, está contando os meses para acabar o financiamento da sua moto CG Cargo 160. Faltam apenas oito, das 36 parcelas para pagar.
“Apesar de os juros para o financiamento de moto serem altos, compensa fazer o investimento para conseguir trabalhar e ganhar um pouco mais”, conta.
Silva acredita que se as taxas dos apps melhorassem um pouco, a categoria não precisaria trabalhar em uma carga horária tão alta.
Ele diz que a taxa média varia de R$ 4 a 5 e a dobrada, paga normalmente aos fins de semana, é de R$ 10.
“Rodar a cidade das 11h às 21h ou 22h é bem puxado%2C mas%2C por trabalhar por conta própria%2C preciso garantir um bom rendimento.”
“Não ligo de trabalhar na chuva se for ganhar mais por isso.”
Maioria dos motoboys é a fonte de renda da família
Anderson de Oliveira Amorim, 42 anos, também tem uma moto Honda Cargo 160, que financiou em 36 vezes. Antes de atuar com os aplicativos, era motoboy para empresas.
Amorim é casado, tem quatro filhos e é a única fonte de renda da família, assim como a maioria dos motofretistas, segundo a Fundação Profissão Motofrete.
Bancos têm linha de crédito para compra de moto
Caixa, Banco do Brasil e Bradesco oferecem linha de crédito para a aquisição de moto com taxas que vão de 1,10% a 1,80% ao mês. O tempo de financiamento vai de 36 a 48 meses.
Recentemente, o Banco do Povo Paulista aumentou o limite de crédito de uma linha exclusiva para motofretistas licenciados. Passou de R$ 6 mil para R$ 15 mil.
“O valor de R$ 6 mil inviabilizava a aquisição de uma moto nova, um dos requisitos para atuar licenciado na capital de São Paulo. Por isso reivindicamos o aumento e fomos atendidos”, afirma Robson de Souza Raimundo, vice-presidente da Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil).
Para ter acesso à linha de crédito, que permite a compra de uma moto em até 36 vezes com taxa de 0,35% ao mês, o motofretista precisa cumprir algumas regras.
Entre elas:
• Licença da Prefeitura para trabalhar na área
• Moto exclusiva para trabalho
• Não ter o nome negativado
150 motofretistas conseguiram uma moto por meio da linha de crédito no último ano.
“São profissionais que nos procuraram e pediram a intermediação, mas o número pode ser maior porque alguns vão direto ao banco”, conta Raimundo.
Crédito estimula formalização do motoboy
Gitane Leão, presidente da Fundação Profissão Motofrete, acredita que o acesso ao crédito é um dos principais pilares para incentivar a formalização dos motofretistas no Brasil.
A estimativa da Fundação é a seguinte:
• Aproximadamente 1,2 milhão de pessoas trabalham no segmento de motofrete no país;
• Desse total, apenas cerca de 9 mil (menos do que 1%) são regularizados conforme a lei de motofrete;
• Em torno de 840 mil (70%) atuam informalmente no segmento.
• E cerca de 580 mil (70% dos trabalhadores informais) trabalham prestando serviço aos aplicativos.
A Fundação, junto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado, está tentando fomentar o empreendedorismo da categoria, conta Gitane.
O acesso ao crédito é fundamental para fomentar o empreendedorismo da classe%2C principalmente para iniciar o processo de regularização.”
Para atuar de forma regular na cidade de São Paulo, por exemplo, o profissional precisa:
• Fazer um curso de 30 horas no Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo);
• Ter uma moto branca nova, com o máximo de sete anos de uso, e com classificação na categoria carga;
• Carteira de habilitação com a identificação de atividade remunerada;
• Antena corta pipa;
• Protetor de pernas;
• Baú com refletivo;
• Colete com refletivo;
Para conseguir levantar toda essa documentação e equipamentos, o profissional demora em média quatro meses e meio e desembolsa cerca de R$ 2,5 mil, segundo Gitane.
“Para uma pessoa que tem renda baixa e vem de uma situação de vulnerabilidade, é difícil conseguir levantar esse dinheiro. Por isso, o crédito é importante nesse processo”, destaca Gitane.
Valdeníria Marcon, dona da concessionária multimarcas VM Motos, diz que houve um aumento de 30% no financiamento de motos para profissionais interessados em começar a trabalhar com apps.
"De cada 10 financiamentos que realizo, quatro são para este público", diz Val, como é conhecida.
708 mil motos foram emplacadas em agosto
De janeiro a agosto de 2019, segundo o Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores) foram emplacadas 708.707 motos.
O que demonstra um crescimento de 14% ante as 621.861 motocicletas licenciadas no mesmo período de 2018.
Do total de motocicletas vendidas durante o mês, aproximadamente 70% foram por financiamento via CDC [Crédito Direto ao Consumidor] e pelo consórcio.
Contraponto
Para Marcos Fermanian, presidente da Abraciclo (Associação das Fabricantes de Motos), a maioria desses compradores é de pessoas que buscam uma alternativa para ir e vir.
“Os motofretistas que atuam com apps não são os grandes responsáveis por esse aumento porque sempre houve esse tipo de entrega. Só foi intensificada com os aplicativos. Acredito que a maioria dos compradores usa a motocicleta como meio de transporte”, diz.
Motofrete para app está em expansão
Edson Carli, CEO da consultoria de gestão de talentos GDT Brasil e criador do site Eu2B, acredita que o mercado de motofrete com foto nos aplicativos faz parte dos negócios da nova economia.
“Mesmo sendo comprados de forma digital, os produtos precisam ser transportados e chegar ao consumidor. Isso estimula o mercado de motofrete”, comenta Carli.
O especialista destaque que hoje o motofrete está mais concentrado nas grandes capitais, mas deve se expandir em breve para todo o país.
De motoboy a empreendedor
Para Carli, um motoboy pode sim virar um empreendedor se começar a pensar como tal.
“Esses profissionais, que conseguiram reservar parte do dinheiro para comprar uma motocicleta e começar a trabalhar, devem manter a retirada dessa mesma quantia para a compra de uma outra moto, mesmo quando acabar o financiamento. Assim ele vai contratando pessoas e expandindo o negócio”, ressalta.
Motofretista pode abrir MEI e garantir aposentadoria
A categoria de motofretista pode formalizar o seu negócio por meio do MEI (microempreendedor individual).
Uma empresa legalizada passa a ter, por exemplo:
• CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica);
• Autorização para participar de processos de licitação (por ter CNPJ)
• Alvará de funcionamento;
• Acesso a financiamentos bancários;
• Benefícios sociais, como aposentadoria por idade e licença-maternidade;
• Emissão de nota fiscal, o que permite ao empreendedor comprar insumos mais baratos diretamente dos fornecedores, por exemplo;
• Ter um faturamento anual de até R$ 81 mil;
• Isento dos tributos federais (Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL), esse empreendedor paga apenas uma taxa mensal obrigatória, que é o DAS-MEI (Documento de Arrecadação do Simples Nacional do MEI).
Os valores variam de R$ 50,90 a R$ 55,90 (depende do tipo de atividade do MEI)
• Comércio e indústria: R$ 50,90;
• Serviços: R$ 54,90;
• Comércio + serviços: R$ 55,90.
O cadastro pode ser feito sem burocracia diretamente no Portal do Empreendedor.