MPF entra com ação contra decreto que alterou estrutura do Conama
Publicada em maio de 2019, nova regulamentação reduziu o número de vagas destinadas à sociedade, mas ampliou a presença do governo no colegiado
Brasil|Pietro Otsuka*, do R7
O MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação apontando inconstitucionalidades do decreto 9.806/2019, que alterou a composição e o funcionamento do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
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Entre as mudanças, a norma publicada em maio do ano passado e assinada em conjunto pelo presidente, Jair Bolsonaro, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reduziu o número de vagas destinadas à sociedade civil, enquanto, proporcionalmente, ampliou a presença do governo federal no colegiado. As ONGs ambientalistas tiveram seus mandatos cortados pela metade, e passaram a ser escolhidos por meio de sorteio.
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A Arguição de Descumprimento por Preceito Fundamental (ADPF) 623 deriva de uma representação feita à PGR (Procuradoria-Geral da República) pelos procuradores regionais da 3ª Região, José Leonidas Bellem de Lima e Fátima Borghi, em conjunto com entidades que atuam na defesa do meio ambiente.
A ação, ajuizada em setembro do ano passado no STF (Supremo Tribunal Federal), encontra-se sob a relatoria da ministra Rosa Weber.
O MPF aponta diversos pontos da nova regulamentação que ferem preceitos constitucionais, principalmente no que diz respeito aos princípios da participação popular direta da sociedade, da igualdade e da vedação do retrocesso socioambiental. Além disso, o decreto poderá deixar desprotegidos os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saude e à vida.
Assinado em conjunto pelo presidente da República e o ministro do Meio Ambiente, a nova regulamentação cortou de 11 para quatro o número de assentos reservados às organizações ambientalistas. Por outro lado, foi ampliada a presença do bloco governamental, que, agora, conta com 17 assentos, cerca de 74% dos votos no conselho.
Além disso, órgãos federais mais afetos à temática do meio ambiente e de outros direitos fundamentais conexos foram excluídos do conselho, como, por exemplo, o ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade), a ANA (Agência Nacional de Águas) e o Ministério da Saúde.
Ao mesmo tempo, deu-se assento cativo no Conama ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, pastas naturalmente estranhas aos propósitos de proteção e preservação ambientais.
Apesar de sucessivas alterações ao longo de sua história, em nenhuma reforma anterior “o Conama sofreu retrocessos tão acentuados em termos de pluralidade e amplitude da participação popular e do controle social”, afirmam os procuradores regionais autores da representação à PGR.
Conama
O Conama é um órgão federal com função consultiva e deliberativa instituído em 1981 para atuar na elaboração de políticas públicas de preservação ambiental e dos recursos. Desde sua criação, o colegiado já editou quase 500 resoluções, normas que, em nível infralegal — hierarquicamente inferior às leis já estabelecidas — regulamentam uma ampla gama de questões referentes ao meio ambiente.
Até a publicação do decreto, o Conama era composto por pouco mais de 100 conselheiros, distribuídos em cinco áreas de representação: governos municipais, governos estaduais, governo federal, entidades empresariais e entidades da sociedade civil. Nesta última são incluídos representantes de organizações de trabalhadores, das comunidades indígena e científica, entre outros.
Com as mudanças, o número de conselheiros com direito a voto foi reduzido a 23.
*Estagiário do R7, sob supervisão de Ana Vinhas