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Mulheres são minoria nos cargos de alto escalão do Judiciário

Em contrapartida, são maioria nos cargos comissionados e de chefia. Dupla jornada e entrada tardia no mercado de trabalho são causas

Brasil|Giuliana Saringer, do R7

Mulheres representam 38,8% das magistradas em 2018
Mulheres representam 38,8% das magistradas em 2018

As mulheres são a maioria das funcionárias do sistema Judiciário, mas ocupam menos vagas de juízas em comparação com os homens. Pesquisa divulgada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostra que as mulheres representam 37,6% das magistradas nos últimos dez anos e, em 2018, o percentual chegou a 38,8%.

A juíza federal Tani Maria Wurster, integrante da Comissão Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) Mulheres, diz que existem diversas causas para a diferença de gênero dentro do poder Judiciário. No entanto, as principais delas são representatividade e as relações entre espaço público e privado para a mulher.

“A gente vai ficando ao longo do caminho pela carreira. Em todos os espaços, nas empresas, quanto maior o cargo menor a participação feminina”, afirma. Para ela, a falta de mulheres em posições de liderança diminui a aspiração de jovens meninas para chegarem àqueles lugares.

Maior estouro do teto de gastos públicos vem do Judiciário


“Se você não ve alguém naquele cargo é como se a mulher não pertencesse aquele espaço”, diz. Além disso, a questão do espaço público e privado também afeta a carreira das mulheres, já que elas continuam sendo as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pelo cuidado com o outro, como filhos.

Segundo estudo divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em abril deste ano, as mulheres trabalharam quase o dobro do tempo do que os homens nestas atividades, tanto as desempregadas como as que estão no mercado de trabalho.


“[O trabalho doméstico] demanda tempo e energia. Nós, mulheres, quando dispendemos este tempo, fazemos isso enquanto grupo. Ao gastar mais tempo nestas atividades, você tem menor tempo e energia para se dedicar ao espaço público”, afirma Wurster.

Para ela, a carreira como juíza exige deslocamento dos funcionários, que muitas vezes precisam mudar de comarca. A decisão de aceitar ou não uma promoção para as mulheres, portanto, se torna mais difícil. “Se você é a responsável pelo cuidado doméstico, a questão familiar tem peso maior do que para os homens”.


A conselheira do CNJ Maria Tereza Uille diz que as fases da carreira podem ser um motivo para a menor participação feminina nos cargos mais altos do Judiciário, já que hoje as mulheres são maioria nos cargos de confiança, comissionados e de chefia. “Leva um tempo até ascender até a última classe da carreira. Esse pode ser um fator. Na medida que as mulheres aumentam, você aumenta a representatividade nos cargos de maior hierarquia”, explica.

Neste mês, a Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados), em parceira com o CNJ, realizou um curso para juízas. O presidente da Comissão de Desenvolvimento Pedagógico e Científico da Enfam, desembargador Eladio Lecey, afirma que existem desigualdades históricas na magistratura. “Até 1973, que foi o ano que eu entrei, as mulheres não eram nem aceitas em concurso para juiz”, conta.

Para ele, o aumento de mulheres em posição de juízas garante o fim de uma injustiça. “Nossa Constituição garante que todos são iguais perante a lei. Onde tivermos um equilíbrio de gênero, poderemos ter decisões mais sensíveis”, afirma.

Lecey diz que, durante o curso, foram oferecidas palestras para debater sobre o tema e que a maioria dos participantes eram mulheres. “Nossa ideia é realizar muitos cursos e incentivar as escolas que façam cursos nesse sentido. Os homens têm que vir aqui ouvir”, diz. 

Uille explica que a pesquisa foi realizada com base no pedido de dados sobre a participação feminina em todos os tribunais do país. “Se eu for comparar em 1988, ano em que a Constituição foi criada, eram praticamente 25% [de mulheres]. Passou a ser de 37,6% para 38,8%. A variação é pequena mas é significativa a partir da Constituição”. 

Discussão no debate público

A Ajufe Mulheres foi constituída para que a disparidade de gênero entre os juízes federais fosse discutida. Wurster explica que, na Justiça Federal, o percentual de mulheres como magistradas está estagnado nos últimos 10 anos (passou de 31,1% para 31,2%).

“O que é contrário ao que a gente sempre ouve de senso comum. O senso comum indica que as mulheres estão cada vez ocupando mais cargos. Falava-se que a passagem do tempo ia resolver as disparidades, como a mulher teve uma entrada tardia no mercado”. No entanto, o tempo não foi suficiente para resolver o problema por si só.

Os debates levaram a percepção de que as mulheres já começam em desvantagem, já que se inscrevem menos em concursos públicos para se tornarem juízas. “Nós somos aprovadas em menor número e nos promovemos em menor número em todas as instâncias”, diz.

“Existe todo um arranjo, todo paradigma do trabalho montado pelo lado masculino”. Para Wurster, a estrutura do Judiciário não favorece a promoção feminina e é importante que o tema seja discutido para encontrar soluções coletivas. “As dificuldades de ascensão na carreira eram pessoais. Quando você reúne um grupo de mulheres para debater o assunto, você canaliza as vozes e se dá conta de que as experiências são muito parecidas, apesar das diferenças”, afirma.

Para Maria Tereza, pesquisas como a do CNJ abrem a possibilidade para novos estudos, mais aprofundados, envolvendo estudo de caso. “Detalhamento maior para saber porque, por exemplo, na Justiça do Trabalho tem mais mulheres do que na Justiça Federal”.

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