Perto de prescrever, assassinato de Celso Daniel ainda intriga o MP
Após 17 anos, Edson Santi, que prendeu executores do ex-prefeito de Santo André, mantém convicção e diz que MP acreditou em teoria da conspiração
Brasil|Cesar Sacheto, do R7
O delegado Edson Remigio de Santi, responsável pela prisão da quadrilha que sequestrou e executou o ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, assassinado em janeiro de 2002, mantém a mesma convicção que marcou a investigação liderada por ele, há quase duas décadas: não houve mandante ou outra motivação no arrebatamento do político — e do empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra — que não um sequestro comum, finalizado de forma brutal. Para o policial, outra interpretação do caso não passa de "teoria da conspiração".
Daqui a dois meses, o crime completa 18 anos e vai prescrever. Os executores foram julgados e condenados, mas a suspeita de crime encomendado nunca foi deixada de lado por promotores paulistas — assista aqui à reportagem completa do Jornal da Record.
Ambas as vítimas voltavam de um jantar no restaurante Rubaiyat, nos Jardins, em São Paulo, em um utilitário de luxo, quando foram abordados por homens armados na rua Antônio Bezerra, conhecida como rua dos Três Tombos, no Sacomã, zona sul da cidade. Os suspeitos bloquearam a via e atiraram no carro. O prefeito foi levado e o empresário, que dirigia o veículo, foi poupado para providenciar um possível resgate.
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A explicação de quem apurou o crime, após receber a informação de um dos cativeiros para onde Celso Daniel foi levado pelos integrantes da Favela do Pantanal, comunidade situada na divisa entre São Paulo e Diadema, é refutada pelo Ministério Público e por boa parte da opinião pública. Mas, Edson Santi garante que o político foi vítima de um crime de oportunidade, estava no local e na hora errados e acabou surpreendido por bandidos frustrados por um sequestro que não se consolidou.
"Todos deram a mesma versão sobre o fato: haviam planejado sequestrar um comerciante da Ceagesp que tinha uma [picape] Dakota vermelha. O Edson [um dos sequestradores] ficou em carregado da 'seguidinha' na sexta. O cara estava a caminho do litoral, mas ele perdeu a 'seguidinha'. Para não perder a viagem, como era comum fazer sequestros de pessoas com veículos importados, o primeiro [carro de luxo] que passou, eles escalaram. Essa foi a versão de todos", contou Edson Santi que à época do crime, era titular da 2ª Delegacia de Patrimônio do Deic.
"O Ministério Público acreditou na teoria da conspiração"
O delegado Edson Santi frisa que os integrantes do bando eram indivíduos extremamente violentos e estavam acostumados a praticar sequestros curtos, sem a necessidade de planejamento e logística mais aprofundados. Os criminosos foram avaliados como cruéis e pouco inteligentes.
"Era uma quadrilha comum. No ano em que foi banalizado o sequestro, em 2001, eles passaram a fazer os sequestros, mas sem experiência das quadrilhas especializadas. Não eram possuidores de logística, especialmente para sequestros de longa duração. Iniciavam as negociações em R$ 1 milhão e fechavam em R$ 30 mil, R$ 28 mil".
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Edson Santi cita como prova da brutalidade dos bandidos e evidência de o crime não ter um mandante a descoberta feita pela equipe do Deic na operação que resultou na prisão do homem apontado como o mentor do grupo criminoso, cerca de três meses após o assassinato do ex-prefeito de Santo André.
O suspeito mantinha três pessoas em um cativeiro na antiga Favela do Pavão, situada ao lado do Centro de Treinamento do São Paulo, na Barra Funda, zona oeste da capital paulista. Entre as vítimas, havia um menino de nove anos. A mãe da criança fora espancada pelos sequestradores e liberada para forçar a família a pagar o valor exigido como resgate.
"O Monstro [líder do bando] falou 'doutor, se tivesse mandante, jamais teria me prendido em São Paulo e trabalhando. Era o que discutimos com os promotores. Em um crime de mando de uma pessoa qualificada como o Celso Daniel. não pagariam ladrões comuns da favela para executar as pessoas. Um é pouco, dois é bom e três é demais. Também não levariam para um cativeiro", avaliou o delegado.
Teoria da Conspiração
Para Edson Santi, acostumado a investigar crimes patrimoniais, os promotores designados pelo Ministério Público para acompanhar o caso Celso Daniel acreditaram em uma versão fantasiosa que relacionava denúncias de corrupção na administração municipal andreense e a candidatura petista para o pleito eleitoral daquele ano ao sequestro.
"O MP acreditou na teoria da conspiração. Principalmente, quando os irmãos do Celso, que não falavam com ele, começaram a questionar a polícia. Nós identificamos os membros da quadrilha, prendemos, todos foram julgados, condenados e estão cumprindo as penas. Não temos dúvida das nossas conclusões do sequestro seguido de morte", disse o delegado.
Santi reiterou que as confissões dos acusados, inicialmente no Deic, depois do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e na Polícia Federal, além dos demais indicativos, o levaram a confirmar o esclarecimento de crime comum, sem motivações políticas. "Os três órgãos chegaram à mesma conclusão. Posteriormente, a pedido do Ministério Público, o caso foi reaberto e concluído no 78º DP, cuja Autoridade titular chegou à mesma conclusão, afastando, assim, a possibilidade de 'conspiração'", complementou.
"Se apavoraram com a notícia do sequestro. Levaram o prefeito para uma estradinha e o mataram"
Execução do prefeito
O policial contou que, segundo as investigações, os sequestradores levaram Celso Daniel para um cativeiro em área urbana. Mais tarde, decidiram mover o prefeito para um sítio em uma região afastada, na cidade de Juquitiba, na Grande São Paulo. Lá, descobriram que a vítima mantida em cárcere privado era uma personalidade, um homem conhecido e importante na política estadual.
Então, o mentor do sequestro telefonou para os dois sentinelas do cativeiro e ordenou que a vítima fosse solta. "Libera que é uma bomba", teria dito o criminoso ao comparsa. "Se apavoraram com a notícia do sequestro. Monstro ligou para o Zé Edison e o Lalo [sentinelas do cativeiro], mas o Zé Edison pensou que iria ser reconhecido. Então, levaram o prefeito, no sábado à noite, para uma estradinha de terra e o mataram. Zé Edison desobedeceu a ordem do líder da quadrilha. O Lalo também", relatou Santi.
Crime semelhante
De acordo com a apuração policial, a mesma quadrilha havia se envolvido em um caso de sequestro similar cerca de duas semanas antes de o prefeito Celso Daniel ter sido morto. As características da abordagem eram semelhantes e o local escolhido para manter a vítima era o mesmo.
"Mataram um travesti nas mesmas circunstâncias. Viram a vítima chegando em um Audi para fazer 'ponto' no Butantã. A levaram para o mesmo cativeiro do Celso Daniel. O travesti disse que só tinha R$ 3 mil. Então, o levaram para o meio da estradinha e o mataram", disse Santi.
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Fuga e prisões
Segundo o delegado Edson Santi, 26 suspeitos que tinham algum envolvimento com a quadrilha da Favela Pantanal foram identificados. Desse total, o Deic prendeu 21 pessoas, a Polícia Federal outras três. Um acusado foi detido pelo DHPP, outros dois pelo 98º DP (Parque Santo Antônio) e pela Polícia Militar.
No entanto, sete nomes estavam ligados diretamente ao sequestro de Celso Daniel: Ivan Rodrigues da Silva (Monstro), Itamar Messias Silva dos Santos (Zóio de Gato), Rodolfo Rodrigues dos Santos Oliveira (Bozinho), Elcyd Oliveira Brito (John), Marcos Roberto Bispo dos Santos (Marquinhos), José Edison da Silva (Edison) e Laércio dos Santos Nunes (Lalo), que era adolescente à época dos fatos.
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"O Monstro, o Zé Edson e o Elcyd fugiram para a Bahia. Foram fazer um assalto, a polícia local chegou em tempo e o Zé Edison jogou uma granada [nos PMs], mas não detonou. O Zé Edison foi o único preso. Ele usava outro nome. Itamar e Bozinho foram presos pela Polícia Federal em Aparecida (SP), quando voltavam da Bahia. Nós prendemos o Marquinhos, o Monstro, apreendemos o Lalo [menor] e trouxemos o Edison da Bahia. O Elcyd foi preso em São Paulo", relembrou Edson Santi.
Situação dos condenados
Atualmente, segundo apuração da reportagem do R7, seis condenados pela Justiça por participação no sequestro e morte de Celso Daniel ainda cumprem pena pelo crime: três na Penitenciária de Presidente Venceslau 2, um no Centro de Progressão Penitenciária de Valparaíso, um na Penitenciária de Tupi Paulista e outro que obteve a progressão da pena para o regime aberto, em novembro de 2018. O adolescente se envolveu em um roubo, foi condenado a seis anos e quatro meses de prisão mas, hoje em dia, está em liberdade condicional.