Sem pandemia, crise hídrica poderia ser ainda pior, diz cientista
Crise estagnou economia e diminuiu consumo de energia, o que pode garantir que Brasil não tenha que reeditar racionamento
Brasil|Gabriel Croquer, do R7
Passando pela maior crise hídrica em 91 anos, após uma sequência de anos com baixo nível de chuvas, o Brasil enfrenta uma situação delicada em relação ao consumo de energia e corre o risco de reeditar programas nacionais de racionamento pouco mais de 20 anos depois da crise hídrica de 2001.
Por enquanto, o governo federal descarta declarar que há chance de apagões e de racionamento. As últimas medidas, porém, já sinalizam preparo para possíveis resoluções drásticas, como a criação de comitê de crise com poderes exepcionais e de programas para diminuir o consumo das indústrias nos horários de pico.
Soma-se a isso também o aumento de 52% da bandeira vermelha das contas de luz (de R$ 6,243 para R$ 9,49 a cada 100 quilowatts-hora consumidos), anunciado pela Aneel nesta semana.
Mesmo sofrendo com anos muitos secos desde 2012 especialistas afirmam que a crise energética mostra falta de planejamento a longo prazo das gestões federais desde o último racionamento, em 2001.
Para o pesquisador sênior da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Roberto Brandão, a situação estaria ainda pior caso a economia do país não estivesse praticamente estagnada desde 2015, o que mantém o consumo de energia em patamares baixos.
"De 2015 a 2020, a capacidade instalada, ou seja a quantidade MWs (Megawatts) instalados no parque industrial brasileiro cresceu 20% e o consumo cresceu pouco mais de 3%", diz. "Não houvesse essa crise econômica que culminou com a crise do covid ano passado, uma hidrologia como a que aconteceu geraria um racionamento do porte de 2001 ou maior, mesmo o sistema se expandindo adequadamente".
Por enquanto, especialistas divergem sobre a possibilidade de racionamento, mas enxergam riscos de apagões pontuais durante o horário de pico no segundo semestre de 2020. Com o Brasil ainda dependente da energia hidrelétrica, o volume de chuvas deve ditar os rumos da economia neste período.
Esta dependência, um dos fatores em comum com a situação nacional no último racionamento, já tem sido sanada e deve ser ultrapassada nas próximas décadas. A diversificação da malha fez o país saltar de 90% para 61,20% da sua energia proveniente dos reservatórios de água.
Logo em seguida estão a térmica, com 25,04%, eólica, (10,32%) e a solar (1,86%), sendo as duas últimas apontadas por especialistas como as que têm mais potencial de tirarem o posto das hidrelétricas nas próximas décadas.
"Tem uma estimativa da Associação Brasileira de Energia Solar que, até 2040, o Brasil vai ter mais de 120 GW. Para colocar isso em perspectiva, a capacidade total instalada hoje, de todas as fontes, é de 178 GW. Então seria aumentar 75% disso apenas uma fonte", comenta o especialista Sênior em Utilities da Imagem Geosistemas, Augusto César de Carvalho.
Enquanto o futuro ideal não chega, a escassez nos reservatórios de águas preocupa o setor, que vê a chance da crise se escalar para 2022. No final do ano passado, a situação chegou ao nível crítico. Neste ano, a ONS projeta que os reservatórios deve ao chegar ao mesmo nível, com menos de 10% da capacidade.
Atualmente, o nível das reservas de água está em 29,13% no subssistema Sudeste/Centro-Oeste, segundo dados do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). As regiões são as mais afetadas pela crise hídrica, com os piores índices entre todas as outras.
"As previsões atuais não são positivas no sentido de que o regime de chuvas vai ser mais intenso no ano que vem. Estamos frente a uma crise que deve ser muito longa", prevê o professor do IEA Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo), Célio Bermann.
"Jogar a responsabilidade para a população, penalizando com o aumento das tarifas, foi também utilizada no passado recente. No consumo domiciliar o desperdício só existe nas moradias de renda alta, pois a população pobre não desperdiça energia elétrica já que o Brasil tem uma tarifa das mais caras no mundo", critica.
Em resposta ao R7, o Ministério de Minas e Energia afirmou que "as instituições do setor energético continuam trabalhando, incessantemente, para o provimento da segurança energética" em meio à crise.
A pasta também pontuou que desde os anos 2000 trabalha para a diversificação da matriz elétrica brasileira.