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Só a palavra da vítima basta para uma investigação de estupro

Versão da vítima declarada no boletim de ocorrência deverá ser somada a exame de corpo de delito e à produção de outras provas do crime

Brasil|Deborah Bresser, do R7

Se for mentira, vítima responderá por denunciação caluniosa
Se for mentira, vítima responderá por denunciação caluniosa

O medo de represálias nos casos em que o agressor é conhecido, a vergonha e a descrença nas investigações e na resolução do crime são alguns dos motivos da baixa notificação dos casos de estupro no Brasil.

Pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) acreditam que entre 10% e 15% dos casos de estupro são reportados às autoridades e entram para as estatísticas. O Brasil, só em 2017, teve 60 mil registros do crime. Se não houvesse subnotificação, esse número ficaria entre 300 e 500 mil estupros por ano, estimam os especialistas.

Quem resolve passar por cima de todas as dificuldade e denunciar o estupro raramente está mentindo. "No estupro existe a questão da saúde e a jurídica. Na saúde, existe a lei do minuto seguinte, em que a palavra da vítima não é questionada e ela é atendida no sistema de saúde. Ela dizer que foi vítima de violência sexual basta", explica Alice Bianchini, advogada e presidente da ABMCJ (Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas).

Na questão jurídica, explica Alice, a vítima leva sua versão para o delegado, que vai fazer a investigação e analisar as provas. "Há uma dificuldade imensa de se produzir provas nos crimes sexuais, o que faz com que muitas vítimas não denunciem. A autoridade policial, sabendo dessa dificuldade das provas, tem de confiar na palavra da vítima e se esforçar na investigação", acredita Alice. 


Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati explica que o ônus da prova é de quem alega a prática do crime, ou seja, a vítima tem de provar que foi estuprada. 

"A vítima chega e diz que foi estuprada, o delegado colhe o depoimento e ela deve falar de forma pormenorizada sobre o que ocorreu. Ela será encaminhada para atendimento médico e procedimentos de profalixa e depois fará o exame de corpo de delito para que se confirme a violência ou a grave ameça", explica Raquel. 


A palavra da vítima, explica o advogado criminalista Jonathan Raicher, do escritório RZW Advogados, é suficiente para a abertura da investigação. "No estupro sempre se buscam sinais de violência, como esganadura, hematomas, mas nem todos os casos deixam. A simples coação moral e resistida não deixa marcas", analisa.

O exame de corpo de delito, em tese, tem de ser uma prova recente, explica Raicher. "Se a vítima faz exame 15 dias depois passa a ser uma prova fraca. Quanto mais tempo passa, maiores as chances de haver auto-agressão, ou de a vítima pedir a alguém para provocar marcas. Um laudo feito por médico particular sempre será visto com ressalvas, por mais que o médico tenha conduta ilibada. O ideal é realizar o exame de corpo de delito em um órgão público oficial", recomenda Raicher. 


A polícia também vai avaliar as características da vítima de crimes sexuais, se existe consistência na fala dela, se o relato bate com o que aconteceu e as provas. "Pela criminologia, o estuprador não é autor de crime único, é autor de crime em série, por isso é preciso ter muito cuidado na análise das provas, para que não se deixe à solta o autor de crime hediondo", pondera a advogada Alice Bianchini. 

A delegada Raquel Kobashi Gallinati alerta que é muita responsabilidade alegar que foi vítima de estupro, que é um crime muito grave, hediondo, exige a violência ou grave ameça. "Se houve consentimento para a prática sexual e teve briga depois não é estupro. É difícil de provar que houve crime de estupro, muitas mulheres que são vítimas acabam revitimizadas por não conseguirem o conjunto probatório necessário. Mas existe um cuidado a ser tomado para se acusar alguém de um crime hediondo", diz.

O delegado poderá ou não indiciar o acusado. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "em casos de delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos".

Caso o autor seja indiciado tendo como única prova a versão da vítima, o advogado Jonathan Raicher diz que a Justiça costuma usar o princípio da dúvida. "Se após analisar o conjunto probatório o julgador continuar na dúvida sobre a autoria, a lei manda aplicar o 'in dubio pro réu' e absolver o denunciado."

Se ficar provado que houve uma acusação falsa de crime e que não houve estupro, a vítima poderá responder por ‘denunciação caluniosa’. Segundo o artigo 213 do Código Penal, estupro é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. 

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