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Tomei café, almocei e cortei o cabelo na cadeia

R7 conhece presídio modelo em Minas Gerais e relata as impressões de prisão que dá certo

Brasil|Peu Araújo, do R7, enviado a Pouso Alegre (MG)

Entrada da Apac, em Pouso Alegre, na chegada da reportagem
Entrada da Apac, em Pouso Alegre, na chegada da reportagem

Ainda é noite quando chegamos na Apac Pouso Alegre (MG). Um portão pesado se abre à nossa frente. Um homem negro na casa dos 40 anos fala da nossa chegada pelo rádio. As luzes estão apagadas, pouco movimento, caras de sono e o primeiro contato no presídio. Nunca é fácil entrar na cadeia.

Em todas às vezes que fiz este tipo de reportagens, as perguntas e a preocupação prévia são as mesmas. Estarei seguro? Estou me arriscando demais? Entre outros clichês comuns da vida e da profissão...

Exclusivo: reportagem do R7 visita modelo

Os agentes penitenciários nos recebem e nos convidam para um café. “O pãozinho já tá chegando”. Nada de revista, nada de detector de metais, nada de RG na mão, nada de burocracias usuais a qualquer penitenciária do País.


Em instantes, um rapaz traz uma cesta com duas dezenas de pães recém saídos do forno. Ele é um dos detentos de lá, trabalha na padaria e é responsável por várias entregas matinais. A salinha vai recebendo outros funcionários, alguns homens circulam por lá. São detentos também.

Do lado de lá do portão, uma praça com a grama bem aparada e um chafariz ostenta bancos de madeira. É o pátio central do regime semiaberto, mas se parece mais com um pacato jardim do interior mineiro. Um pequeno grupo de homens pita seus cigarros, muitos artesanais, num dos cantos. Estão no fim do expediente. Fizeram pães ou ficaram na vigia durante a noite. Também são detentos.


O sol começa a dar as caras no horizonte. O muro permite que vejamos a estrada por onde passamos. Olhando mais de perto dá para ver que o muro não é tão alto. “Dá pra pular, fácil” comenta um dos homens do cigarro. Dá mesmo.

Uma kombi espera a frente da padaria com centenas de pães que vão para o hospital local, clínicas. Durante o ano letivo, muitas escolas também são abastecidas pelos pães encarcerados da Apac. Um dos presos que fez essa remessa conta orgulhoso que — pela segunda vez — fez uma leva de biscoitos. Não esconde o cansaço. É um dos que vai descansar.


Os homens vão saindo do semiaberto em direção a uma sala ecumênica. Levam sua fé e, em silêncio, fazem suas orações. Um dos detentos lê um trecho do livro de Romanos: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”.

Ao fundo da praça com chafariz, um homem está despejado em uma cadeira. Ele abre a primeira tranca. Na sequência, mais uma. Há ainda mais dois pesados portões nos separando do regime fechado. A primeira coisa que se faz notar na ala é quadra de futsal em ótimo estado. Pintada de verde e amarelo, ainda mantém duas tabelas de basquete. Nenhum policial, nenhum segurança armado ou sentinela. Quem abre e fecha os portões são os próprios detentos.

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Trancas, cadeados e aquele frio na barriga dentro de uma prisão. O que me espera lá dentro? Diferente de outras experiências, não fui rodeado por homens que se dizem inocentes. Eles estão focados em seus afazeres. Um cuida da cantina, outro do almoxarifado, outro dá conta da pouco visitada biblioteca.

Muitos fabricam filtros de linha com várias tomadas e um grupo se distrai fazendo mosaicos. Quem entra no regime fechado da Apac é levado para esta sala. Há uma teoria de que a modorrenta rotina de construir mosaicos acalma o homem que vem cheio de neuroses comuns aos presídios.

A rotina é simples. Quem prepara o almoço são os detentos. O cardápio do dia é: arroz, frango assado com batata, chuchu e feijão, que foi plantado, colhido e preparado pelos próprios presos. Inclusive, um grupo de presos está designado para escolher os melhores grãos que abarrotam duas salas. Quem planta, colhe, torra e mói o café também são detentos.

Com o tempo você se acostuma com a rotina de convivência dos funcionários com os que cumprem pena. Eles se chamam pelo nome, encontram semelhanças, diferenças futebolísticas e brincam com a eterna rivalidade entre Cruzeiro e Atlético-MG. Os presos não são mais um número do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias). E só este “detalhe” já diz muito sobre a humanização neste processo.

Numa pequena sala do regime fechado, um rapaz de 23 anos atende a cerca de 30 presos por dia. O cabeleireiro Ítalo da Cunha está há pouco tempo na Apac, mas já cumpre 1 ano e sete meses de pena. Segundo ele, foi preso com uma quantidade de maconha para consumo próprio e foi enquadrado como traficante. Réu primário, foi detido em seu salão. Talentoso, tira leite de pedra com uma máquina de cortar cabelo, uma pequenina lâmina de barbear — de pouco mais de um centímetro — uma cadeira e uma tesoura.

Sento em sua cadeira sem medo. “Corta zero dos lados e atrás, em cima máquina três e faz um degradê da três pra zero”. Ele me responde dando nome ao corte. “Ah, você quer um camuflado”. E manda bala. Aproveita, faz a barba, mantém o bigode e consegue realizar com proeza — mas em condições bem mais precárias — o mesmo serviço que costumo fazer aqui fora. Fui pensar no risco só depois, é bem verdade. Ficar dentro de uma prisão com um detento passando uma lâmina em seu pescoço não é das coisas mais seguras do mundo.

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Quando saio da salinha, os presos, já mais íntimos, zoam com o “novo homem” que aparece. “Ih, não vão te reconhecer ali no portão não. Vai dormir aqui hoje”, brincam. Dou risada e o clima se mantém amistoso mesmo depois de uma dezena de horas.

Um detento pergunta se não vou ficar para o jantar. Sem pensar na crueldade da minha resposta digo que vou jantar em casa. Eles não. Apesar de trabalharem, estudarem (estavam de férias) e se profissionalizarem, ainda são detentos.

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