Ao longo de 2020, o Brasil ficou sem arrecadar cerca de R$ 45 bilhões por causa da falta de tributação de pessoas físicas e jurídicas que mantêm empresas e investimentos em países considerados paraísos fiscais, os quais adotam leis financeiras mais simples para atrair investidores de todo o mundo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, mantém um negócio do tipo nas Ilhas Virgens Britânicas. O valor seria suficiente para o Brasil vacinar toda a população do país contra a Covid-19 duas vezes. Segundo o estudo, ainda sobrariam imunizantes para completar o esquema vacinal de quase 55 milhões de brasileiros. Os cerca de R$ 45 bilhões também poderiam ser utilizados para que o governo federal bancasse o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família, a R$ 400, para os cerca de 17 milhões de famílias que serão contempladas com a iniciativa, como prometeu o presidente Jair Bolsonaro. Os dados sobre o déficit na arrecadação foram divulgados nesta terça-feira (16), no estudo “O Estado Atual da Justiça Fiscal 2021”, conduzido pela Tax Justice Network (Rede de Justiça Fiscal, em tradução livre), pela Aliança Global para a Justiça Fiscal e pela Public Services International, uma federação sindical global que representa trabalhadores em serviços públicos. Empresários e investidores recorrem a paraísos fiscais para instalar empresas, que ficaram popularmente conhecidas como offshores, pela pouca burocracia oferecida nesses países e, sobretudo, pelas baixas tributações. Por causa desse incentivo financeiro, é comum que os responsáveis pelas offshores paguem pouco ou praticamente nenhum imposto pelos lucros obtidos com o investimento. Recentemente, um consórcio internacional de jornalistas investigativos revelou que Paulo Guedes abriu uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe, em setembro de 2014. Na época, o ministro investiu US$ 8 milhões. Os valores foram elevados para US$ 9,5 milhões até agosto de 2015, de acordo com a apuração jornalística. Guedes pode ter lucrado mais de R$ 16 milhões com a desvalorização do real diante do dólar durante o governo Bolsonaro. Ele omitiu, segundo o deputado federal Elias Vaz (PSB-GO), que a filha é diretora da empresa. Segundo as informações do estudo publicado nesta terça, o país perdeu cerca de US$ 8,17 bilhões em 2020 para paraísos fiscais, o equivalente a quase R$ 45 bilhões considerando a atual cotação do dólar, que fechou o dia em R$ 5,50. Na comparação com 2019, houve uma queda de cerca de 45% — há dois anos, o Brasil deixou de arrecadar quase R$ 80,4 bilhões. Desse valor que deixou de entrar nos cofres públicos do país no ano passado, quase US$ 7,87 bilhões, ou R$ 43,3 bilhões, foram perdidos pelo abuso fiscal cometido por empresas multinacionais, enquanto US$ 298 milhões, ou cerca de R$ 1,64 bilhão, deixaram de ser arrecadados pela evasão fiscal global cometida por pessoas físicas. O Auxílio Brasil, cujo valor de R$ 400 poderia ser bancado se os impostos fossem cobrados, começará a ser pago nesta quarta-feira (17), mas com valor médio de R$ 217,18. Para chegar aos R$ 400, o Executivo aposta na aprovação no Senado da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que abriria um espaço fiscal de no mínimo R$ 91 bilhões no Orçamento da União de 2022. Desse total, ao menos R$ 50 bilhões serão destinados ao Auxílio Brasil. O Estado Atual da Justiça Fiscal 2021 apresenta três recomendações aos países que perdem impostos para paraísos fiscais. Segundo o levantamento, os governos deveriam introduzir impostos sobre o excesso de lucros obtidos durante a pandemia, que garantiriam que as empresas fossem obrigadas a devolver até 100% dessa “renda injusta”. “Isso garantiria uma contribuição para os gastos públicos muito maiores exigidos pela pandemia (gastos estes que sustentaram esse excepcional crescimento em receitas)”, frisa o levantamento. Outra sugestão é que os países introduzam impostos sobre a riqueza. “Há muito trabalho a ser feito para garantir que os sistemas de imposto de renda funcionem de forma mais progressiva e eficaz para aqueles com maiores rendimentos, que sistematicamente conseguem pagar taxas mais baixas. Mas um importante elemento de progresso, imediatamente possível, é começar a tributar diretamente a riqueza onde, novamente, aqueles que estão no topo da distribuição se beneficiaram de forma totalmente desproporcional”, destaca o estudo.