Um grupo de deputados articula a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para restringir a publicidade de sites de apostas, conhecidos como “bets”. A discussão ressurge na Câmara dos Deputados em um momento em que os jogos de apostas estão no centro de uma investigação que mira organizações criminosas e influenciadores. A Operação Integration, deflagrada na primeira semana de setembro, resultou no bloqueio de R$ 2,1 bilhões e na prisão da influenciadora e advogada Deolane Bezerra.A intenção da proposta é alterar o artigo 220 da Constituição Federal, que restringe o uso e a propaganda de cigarros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e agrotóxicos no Brasil. O objetivo é que as apostas esportivas sejam incluídas nesse grupo de produtos e estejam sujeitas a restrição de propaganda. Com isso, seria obrigatório que esses produtos tenham advertências claras sobre os malefícios do uso.A proposta, atualmente na fase de recolhimento de assinaturas, é liderada pelo deputado Luiz Gastão (PSD-CE). Esta não é a primeira vez que ele tenta emplacar um projeto com esse tema. Gastão também é o autor de um projeto de lei que visa alterar a Lei Federal nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que regula a publicidade de produtos considerados prejudiciais à saúde no Brasil.Tanto a PEC quanto o projeto de lei estão sendo articulados simultaneamente, duas tentativas de enfrentar o tema e avançar no parlamento.Segundo Gastão, a intenção é que a legislação proteja grupos vulneráveis, considerando o jogo compulsivo uma ameaça à saúde pública e à economia. Ele destaca que, embora a legislação tenha liberado as apostas esportivas, a propaganda não foi restringida.“O que está acontecendo é que há vários casos de pessoas se viciando no jogo sem controle, inclusive fazendo dívidas e apostando com cartão de crédito. Isso tem trazido problemas familiares, dentro das empresas e à saúde mental das pessoas”, afirma o deputado.Segundo ele, a restrição da propaganda também pode ajudar a combater o crime organizado. “Uma PEC vai ajudar a coibir a ligação de influenciadores com o crime organizado. Precisamos normatizar e deixar claras a utilização desses recursos, além de melhorar o acompanhamento e a apuração do que é correto e do que pode ser ilegal”, conclui.Para ser apresentada, a PEC precisa de 171 assinaturas. Até a última atualização, 45 parlamentares haviam assinado a proposta.Além desses dois projetos, a Câmara também discute outras propostas que proíbem a presença de influenciadores na propaganda de atividades relacionadas a jogos de azar, empresas de apostas e cassinos.No ano passado, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre as pirâmides financeiras aprovou um relatório com a sugestão de quatro projetos de lei para coibir fraudes e propagandas envolvendo essas atividades. Um dos projetos sugere que personalidades com mais de 20 mil seguidores nas redes sociais deverão estabelecer contratos que tornem mais transparente a relação entre o contratado e o contratante.Segundo o deputado Ricardo Silva (PSD-SP), relator da CPI, ao longo dos trabalhos foi constatado que muitos criminosos que organizaram pirâmides financeiras se valeram da contratação de influenciadores digitais para atrair vítimas.“Ao avançarmos nas investigações sobre o tipo de relação mantida entre os influenciadores e seus contratantes, observamos que, muitas vezes, ela é marcada pela opacidade. Isso dificulta a apuração de eventual responsabilidade das celebridades que convencem seus seguidores a entrar em um golpe financeiro”, afirmou.A proposta foi aprovada em dezembro do ano passado pela Comissão de Comunicação e ainda será analisada pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, precisará ser votada em Plenário.Embora seja possível apostar de forma recreativa, a internet facilitou o vício ao tornar os jogos de azar mais acessíveis. A neuropsicóloga Juliana Gebrim explica que a internet oferece uma variedade de jogos online, aumentando o apelo e a tentação para os jogadores.“As redes sociais e os influenciadores digitais também têm um papel importante na promoção dos jogos online, o que pode influenciar negativamente os seguidores, especialmente os mais jovens e vulneráveis, levando ao vício”, afirma.Ela acrescenta que o princípio da dependência é o mesmo para todas as classificações de vício: as pessoas podem começar a jogar por diversão, curiosidade ou com a intenção de ganhar dinheiro. Uma vez instalado o vício, o cérebro passa por mudanças neuroquímicas e estruturais que podem ter consequências na saúde mental e no funcionamento cognitivo do indivíduo.“A ativação excessiva do sistema de recompensa do cérebro leva a uma busca incessante por prazer e recompensa, resultando em alterações na estrutura e na função cerebral. Isso pode dificultar em controlar impulsos, tomar decisões racionais e lidar com emoções negativas. Além disso, o vício em jogos pode levar a problemas financeiros, prejudicar relacionamentos, isolamento social, ansiedade, depressão e ideação suicida”, diz.O psicólogo Paulo Gomes também destaca a relação entre a dependência de drogas e a de jogos de azar. “O indivíduo se vicia porque os jogos ativam os setores de recompensa, como o sistema límbico, cujos neurônios têm numerosos receptores para o neurotransmissor dopamina, responsável pelo prazer”, explica.A neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner enfatiza a importância da prevenção no combate ao vício. “Toda tentativa de enfrentamento do que causa vício eu vejo como uma implementação de ‘redução de danos’. A prevenção sempre foi mais eficaz que a correção de um problema já instalado”, comenta.“Educar as bases, principalmente educação financeira e desenvolvimento de um currículo de inteligência emocional, seria mais eficaz a longo prazo. Seria importante educar as crianças para que se tornem jovens e adultos mais saudáveis emocional e psicologicamente. Isso refletiria diretamente na construção de uma cultura mais equilibrada, com mais saúde física e mental”, afirma.As investigações da Operação Integration começaram em abril do ano passado e resultaram na prisão de Deolane Bezerra e na emissão de 19 mandados de prisão, além de 24 mandados de busca e apreensão nas cidades de Recife (PE), Campina Grande (PB), Barueri (SP), Cascavel (PR), Curitiba (PR) e Goiânia (GO).A investigação busca desmantelar um esquema bilionário de lavagem de dinheiro, ligado a atividades de jogos esportivos, tanto legais quanto ilegais.Durante a operação, foram apreendidos bens de alto valor, classificados como luxuosos. O objetivo da polícia é bloquear mais de R$ 2 bilhões em ativos vinculados aos suspeitos. De acordo com informações obtidas pelas autoridades, esses montantes provavelmente são fruto de lucros gerados por jogos online.