Em meio ao debate no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre revistas íntimas vexatórias, pelo menos 16 unidades da Federação dizem não adotar a prática. Os dados foram levantados pelo R7, que ao longo de um mês acionou todos os estados e o DF para entender quais as práticas adotadas nos presídios de cada região.Onze estados, no entanto, não responderam mesmo após reiteradas tentativas da reportagem (veja gráfico abaixo). A revista íntima é um método em que o visitante tira a roupa ou parte dela e tem suas cavidades corporais inspecionadas.Segundo as unidades da Federação que responderam, eles utilizam esteiras de raios-x, scanners corporais e detectores de metais para identificar se o visitante está levando no corpo algo ilegal para dentro do presídio. De acordo com os dados da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), o Brasil tem 888.272 pessoas em cumprimento de pena, sendo que, no primeiro semestre, 3.849.846 visitas foram registradas nos diversos presídios do país.O tema das revistas íntimas vexatórias está em pauta no STF e o julgamento do caso deve ser retomado nesta quinta-feira (27).No último debate, no início de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, argumentou que a proibição da revista íntima em presídios poderia provocar rebeliões nas unidades prisionais que não tiverem aparelho de raio-X. Isso porque, nesses casos, a visitação poderia ser suspensa.Moraes votou para que a revista íntima seja permitida, mas somente nos presídios que não tiverem aparelho de raio-X, abrindo divergência.A revista ainda deveria ser realizada obrigatoriamente por agentes do mesmo sexo e se houvesse alguma recusa, a administração do presídio poderia impedir a entrada.No argumento, o ministro do STF também disse que as revistas superficiais de visitantes não têm efeito. O ministro afirmou que o número de apreensões de drogas, celulares, armas brancas e de fogo nos presídios do país chegou a 625 mil nos últimos dois anos.O R7 pediu os dados citados por Moraes via Lei de Acesso à Informação ao STF.O órgão, no entanto, apenas explicou que os dados “utilizados durante o julgamento foram obtidos através de consulta junto às Secretarias de Administração Penitenciária Estaduais e ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional)”.Também informou que “a íntegra do voto estará disponível quando da publicação do acórdão, quando da finalização do julgamento”.Outro ministro que se posicionou foi Edson Fachin que votou para recolher a ilegalidade das revistas íntimas vexatórias. Na ocasião, o ministro disse que “a busca pessoal, sem práticas degradantes, só pode ocorrer quando os equipamentos eletrônicos indicarem elementos concretos que justifiquem a suspeita”.Alguns órgãos seguem o entendimento do Edson Fachin. O CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por exemplo, em nota ao R7, se manifestou contrário a qualquer ato de revista vexatória, desumana ou degradante.O conselho cita que, em 2022, foi editada a Resolução CNPCP nº 28 de 4 de agosto de 2022. Ela estabelece diretrizes para a realização de revista pessoal em estabelecimentos prisionais e veda a utilização de práticas vexatórias para o controle de ingresso aos locais de privação de liberdade.“O normativo foi encaminhado a todos os órgãos da execução penal de todos os Estados e Distrito Federal”, disse o Conselho.A coordenadora-executiva da Rede Justiça Criminal, Janine Salles de Carvalho, disse que há uma ausência de dados e dificuldade de obter respostas do poder público sobre o uso da revista vexatória e seu impacto.Ela conta que entidades da sociedade civil, entre elas a Rede Justiça Criminal, denunciam que as revistas acontecem mesmo em estados que a proibiram e em estabelecimentos que possuem aparelhos como o scanner corporal e raio-x.“É comum que os agentes interpretem as imagens do scanner como ‘inconclusivas’, encaminhando as visitantes a se submeterem à realização de agachamentos nuas”, pontua Janine.Ou seja, embora os 14 estados declarem que não realizam a revista vexatória e que possuem leis ou portarias contra a prática, em casos isolados elas podem acontecer.A Rede Justiça Criminal enviou aos ministros material sobre o assunto, em que foram incorporadas denúncias de dezenas de familiares a respeito de violações de direitos durante as visitas.“São unânimes em apontar que as visitantes são obrigadas a se submeterem a longas sessões de agachamentos e outros movimentos constrangedores em frente aos agentes. Entre as denúncias, relatos que apontam que o procedimento não poupa mulheres grávidas, crianças e idosas”, observa.Janine esclarece que a luta contra a revista vexatória é histórica. E que em 2014, a Rede Justiça Criminal pressionou para que o Congresso aprovasse o PL 7764/14 sobre o assunto.“A lei foi aprovada após muita pressão proibindo a prática, mas deixou uma brecha: ela pode ser realizada quando persistir suspeita de porte de ilícitos, mesmo após a realização de revista eletrônica. Essa brecha está sendo aplicada não como exceção, mas como regra, e a Rede segue trabalhando pelo fim das revistas vexatórias no país”, garante.Ela cita que o julgamento do tema esteve no plenário virtual e presencial do STF ao menos outras sete vezes desde 2016, ano em que a ação foi apresentada.“Nos parece que há uma tentativa dos ministros de emplacar uma proposta consensual, com acordo para autorizar exceções, mesmo já havendo formado (a princípio) a maioria de votos para a prática ser considerada ilegal. Enquanto isso ocorre, mulheres seguem sendo violentadas pelo Estado”, lamenta.A profissional explica que visitar um familiar na prisão não é um favor ou benefício, mas, sim, um direito do preso e da família ao convívio.“As mulheres, que correspondem a imensa maioria de visitantes no sistema prisional, estão tendo seus corpos violados por um procedimento que já foi considerado violência sexual e tortura por diversos organismos internacionais. É urgente que o Supremo Tribunal Federal proíba, finalmente, esta que é uma violência de gênero, raça e classe, e que vem penalizando familiares de pessoas presas pelo simples fato de serem familiares”, defende.O julgamento da revista vexatória começou em 2020, em sessão presencial, e foi enviado no ano seguinte para o plenário virtual. O processo foi analisado em quatro sessões até ser colocado novamente ao plenário físico, em outubro de 2024, por um pedido de destaque feito por Moraes.Na modalidade virtual, já havia sido formada maioria de votos para considerar a prática inconstitucional. Com o pedido de destaque, no entanto, o julgamento recomeçou do zero no plenário físico.