DF prendeu só um de cada cinco suspeitos por estupro desde 2019
Dados exclusivos levantados pelo R7 mostram que foram registradas 5,5 mil ocorrências de estupro tentado e consumado nos últimos cinco anos
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
Apenas 17,98% dos suspeitos de estupros chegaram a ser presos ou apreendidos em flagrante ou preventivamente no Distrito Federal. As informações são de dados exclusivos levantados pelo R7 via Lei de Acesso à Informação. Ao todo, foram registradas 5,5 mil ocorrências de estupro tentado ou consumado ao longo dos últimos cinco anos (veja como denunciar abaixo). Desses, 4958 suspeitos foram identificados. Mas, em contrapartida, o número de presos foi de 992 pessoas. Questionado sobre os dados, no entanto, a Polícia Civil não se posicionou ao longo desta semana sobre os motivos que podem colaborar para o baixo número de prisões.
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No ano passado, por exemplo, enquanto foram registradas 1081 denúncias, o maior número desde 2019, só foram efetuadas 169 prisões. Os dados levantados pela reportagem indicam os registros de 5.163 estupros consumados e 358 estupros tentados em cinco anos. A maioria das vítimas são crianças entre 6 e 15 anos, com o total de 2.421 casos dentro da faixa etária. Já os criminosos são em sua maioria homens entre 18 e 30 anos (com 1.055 suspeitos identificados).
Para o especialista em segurança pública e pesquisador vinculado ao Grupo Candango de Criminologia Wellington Caixeta Maciel, os números são “estarrecedores”.
Os dados revelam a complexidade do trabalho de investigação desse tipo de crime, haja vista que se trata de um crime instantâneo (ou seja, que se consuma e se exaure ao mesmo tempo), cuja violência e/ou grave ameaça aplicadas podem ser de diversos tipos (a lei não estabelece uma forma fixa para a prática do estupro), ofendendo diversos bens jurídicos (liberdade sexual, integridade corporal e a liberdade física da vítima)
O estupro é definido no artigo 213 do Código Penal como ato de constranger alguém, “mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena para o crime é de seis a 10 anos.
Já o estupro de vulnerável, nos termos do artigo 217-A do Código Penal, consiste na “prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou contra pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. Nesse caso, a pena é de oito a 15 anos.
Na avaliação de Maciel diversos fatores podem contribuir com o baixo número de presos. “Como falta de elucidação dos casos, fragilidade das denúncias no tocante a elementos de prova de materialidade e autoria, às circunstâncias nas quais ocorreu o fato, e à situação na qual se encontram autor/vítima/testemunhas”, explica.
Ele observa que, de acordo com o dados levantados pela reportagem, “em mais da metade dos casos registrados no período, houve flagrante, o que contribui para um melhor desdobramento na fase de persecução penal e no processamento” e que “em mais de 80% dos casos, o autor do fato era do sexo masculino”.
Perigo dentro de casa
Outro desafio é que 60% dos estupros acontecem dentro de residências. Por isso, para o especialista, é fundamental o preparo policial no atendimento e na investigação, pela gravidade e complexidade dos crimes de abuso sexual.
“Como aqui no DF a polícia investigativa e a polícia científica estão na mesma instituição, na Polícia Civil, destaco a importância da formação especializada e da atuação conjunta de delegados, agentes de polícia e peritos no tratamento dos casos, cuja sensibilidade é inegável”, defende.
Maciel acrescenta ainda que o Estado precisa adotar medidas para conscientizar a população sobre a prevenção e enfrentamento de todas as formas de violência contra meninas e mulheres.
Além de informar sobre canais de denúncia, campanhas educativas nas escolas, nos espaços públicos, nas igrejas etc. Para fazer com que as vítimas rompam com o silêncio e denunciem os estupradores, é preciso que o Estado ofereça meios seguros de acolhimento e de efetivo encaminhamento dos casos
A especialista em direito penal Jéssica Marques também comenta o risco da violência sexual no núcleo familiar. “A maioria desses crimes acontecem com menores porque as crianças e adolescentes são vulneráveis. E o agressor, nos casos de crimes dentro de casa, costuma ser um familiar, um parente, ou um amigo que se utiliza daquela posição de intimidade, e até autoridade, para fazer chantagens contra as vítimas, dizendo que elas serão desacreditadas e que são responsáveis pelo abuso sofrido”, disse.
Por isso, Jéssica defende a integração das políticas públicas dentro da sociedade. “No caso da violência dentro dos lares, é importante que os pais e familiares orientem as crianças e adolescentes sobre as práticas desse tipo de situação, para que eles entendam o que é um abuso sexual e consigam verbalizar uma tentativa ou ocorrência de abuso”, afirma.
A especialista também observa que os familiares devem vigiar o comportamento das crianças.
É preciso sempre monitorá-las, dialogar sobre o que é um abuso, explicar sobre o corpo e garantir que esse público tenha conhecimento sobre os seus direitos e sobre o que é uma violência e abuso sexual e onde e como pedir ajuda
Desafios para a punição
A especialista aponta os desafios de se conseguir a punição desses agressores. “O maior problema disso é que uma pessoa só é condenada se tiver provas inequívocas de que ela cometeu aquele crime, caso não tenha provas suficientes para condenar essas pessoas ela deve ser absolvida, em razão do princípio da presunção de inocência. Então a gente já se esbarra no primeiro momento nessa questão da prova, porque esses crimes são cometidos entre quatro paredes, onde não há testemunhas”, observa.
Outra barreira é o crime tentado. “O estupro tentado são atos libidinosos diferentes, pode ser qualquer ato que não seja a penetração, e é difícil ter um laudo que comprove que aquela criança sofreu aquele abuso sexual”, lamenta.
Jéssica explica que mesmo que a palavra da mulher e da criança sejam importantes nesses casos de violência sexual, caso os depoimentos estejam desassociados das outras provas, a maior chance é de absolvição do suspeito.
Redução dos casos
O R7 também acionou a SSP (Secretaria de Segurança Pública do DF), que afirmou que comparando os nove primeiros meses deste ano com o do ano passado, a capital do país registrou uma redução de 6,2% na ocorrência de estupros — de 731 casos para 686.
“Em 2024, 450 casos eram de estupro de vítimas vulneráveis (66%), com um total de 473 vítimas, uma vez que existem 18 casos com mais de uma vítima. Dos casos de 2023, 495 registros foram estupros de vulnerável”, informa.
A pasta também falou sobre a identificação dos agressores. “Dos 236 casos de estupro do período de janeiro a setembro de 2024, em 152 casos (64,4%) já existem autores identificados, quando publicado o último relatório disponível sobre o assunto. Nestas investigações, apesar de existirem casos de mulheres como sujeito ativo dos crimes (3%), a maioria das ocorrências elucidadas (97%) apresenta homens como autores destes delitos”, observa.
A secretária ressaltou a criação do eixo “Escola Mais Segura” no programa DF Mais Seguro para a realização de “ações de prevenção e intervenção no ambiente escolar, garantindo um espaço saudável para o desenvolvimento pleno de crianças e jovens, e promovendo a cultura de paz nas escolas”.
“Ano passado, a SSP-DF, em parceria com a Comissão Permanente de Paz nas Escolas da Secretaria de Educação do DF, promoveu o I Ciclo Formativo para Prevenção à Violência Sexual Infantojuvenil. A capacitação foi voltada à educação infantil e objetivou a promoção, sensibilização e engajamento de educadores para prevenção e o enfrentamento deste crime por meio de um ciclo de palestras”, disse.
Importância da denúncia
A SSP também destacou a importância de registrar essas ocorrências “para subsidiar a elaboração de estudos e manchas criminais que indicam dias, horários e locais de maior incidência de cada crime, entre outras informações relevantes para o processo de investigação”. “Esses levantamentos são utilizados na elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo da Polícia Militar, bem como para a identificação e desarticulação de possíveis grupos especializados por parte da Polícia Civil”, explica.
Em nota, a PMDF também alegou para a reportagem que adota uma série de ações preventivas e monitoramentos no DF, principalmente nas regiões de maior incidência dos crimes, como Ceilândia, Samambaia, Planaltina e Recanto das Emas.
“A PMDF intensificou o patrulhamento em regiões com registros elevados de violência sexual, alocando unidades de policiamento estrategicamente. Essas ações são fundamentadas em estudos de inteligência que analisam dados de ocorrências e padrões de criminalidade”, diz.
Segundo a pasta, nas áreas de maior vulnerabilidade, a PMDF faz operações específicas, como abordagens preventivas, blitz e patrulhamento motorizado e a pé, ajustando horários e locais para maximizar o impacto. “Essas operações são planejadas para responder às características locais e aumentar a segurança nas regiões mais afetadas”, assegura.
A PMDF também disse que atua com outros órgãos em ações educativas e de conscientização. Quem também atua nesse aspecto é a Sejus (Secretaria de Justiça e Cidadania) que destaca outro importante ator no combate aos crimes contra as crianças que é o Conselho Tutelar.
“Hoje, o Distrito Federal conta com 44 conselhos tutelares, 220 conselheiros e conselheiras. As denúncias podem ser feitas feita diretamente ao Conselho ou por telefone via Disque 100 ou também utilizando o canal do Cisdeca, que é o 125 ao Canal Direto, que é feito contato na Secretaria de Justiça, que tem a missão de abreviar essa resposta, ou seja, de encurtar o prazo de resposta entre a comunicação e a ação do conselheiro em si”, apontou.
A pasta acrescenta que conta com o Centro Integrado de 18 de Maio. “Esse contato integra o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, estabelecido pela Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, ou Lei da Escuta Protegida, prestando o atendimento inicial a crianças e adolescentes em situação de violência sexual, assim como a suas famílias”, informa.
A Sejus detalhou ainda que realiza campanhas, palestras e formações ao público geral, em especial aos alunos da rede pública de ensino e aos atores da rede de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. “Para os alunos e pais, as palestras contemplam informações sobre educação sexual, como forma de prevenção. Aos atores da rede, as formações tratam de legislações pertinentes e do fluxo de atendimento correto”, detalha.
Como denunciar:
Em caso de emergência, a Polícia Militar está disponível pelo número 190.
A Polícia Civil (PCDF) também disponibiliza quatro canais de atendimento para registro de ocorrências:
- Denúncia on-line: (acesse aqui);
- E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br;
- Telefone: 197, opção 0 (zero); e
- WhatsApp: (61) 98626-1197.
A população também pode denunciar violência contra crianças e adolescentes no Conselho Tutelar e pelo Disque 100.