A Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro reconheceu o vínculo trabalhista de uma empregada doméstica que foi mantida em situação análoga à escravidão por mais de 70 anos. A situação dela foi o caso mais longo de escravidão contemporânea registrado no Brasil até hoje. O resgate dela aconteceu em 2022, quando ela estava com 85 anos. Os empregadores foram condenados a pagar R$ 600 mil de indenização por danos morais, além de todas as verbas trabalhistas pelo período trabalhado. A mulher trabalhou na casa desde os 12 anos e passou por três gerações da mesma família. Durante todos esses anos ela não tinha acesso aos seus documentos pessoais e nem mesmo a própria aposentadoria.Segundo o juiz do Trabalho Leonardo Campos Mutti, a vítima “trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus”.Os réus afirmaram que a mulher foi criada como parte da família. O argumento, no entanto, não foi aceito pela Justiça. Segundo o juiz, são vários os fatos que demonstram que não havia uma relação de família com a empregada, como o fato dela não ter um quarto em uma casa grande. “Foi encontrada dormindo em um sofá em um espaço improvisado como dormitório”, detalhou. “Como se não bastasse, constatou-se, também, que [...] não frequentou a escola, tampouco foi incentivada ou compelida a estudar, diferentemente do que ocorreu com a segunda ré. Como consequência, não teve oportunidade de crescimento pessoal ou profissional, uma vez que sua infância foi cerceada pela exploração do trabalho doméstico infantil”, explicou o juiz. “[A vítima] era completamente submissa aos réus, tendo sido submetida a condições degradantes de trabalho, com ampla restrição à sua liberdade, não havendo relação familiar, mas sim de ilícita exploração de trabalho doméstico infantil e análogo ao de escravo”, afirmou. Em 2024, 2.004 trabalhadores e trabalhadoras submetidos a condições degradantes de trabalho foram resgatados, segundo dados do Ministério do Trabalho. Desses, 19 foram no âmbito doméstico. Denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas pelo sistema Ipê.