Lei brasileira é insuficiente para punir queimadas, diz presidente do Ibama
Rodrigo Agostinho também pediu mais investimentos em adaptação, mitigação e monitoramento das mudanças climáticas
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), Rodrigo Agostinho, defendeu nesta quarta-feira (25) a necessidade de mudanças nas leis brasileiras para tornar mais duras as penas contra quem provoca incêndios, desmatamento e grilagem de terras. Segundo Agostinho, a legislação atualmente trata crimes ambientais como de menor potencial ofensivo, o que dificulta o combate às infrações. “A legislação brasileira, infelizmente, é insuficiente”, afirmou durante uma sessão temática no Senado que discutiu os incêndios florestais e as mudanças climáticas.
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Agostinho destacou que a atual legislação, como o Código Penal de 1940, não protege o meio ambiente, já que é concentrado mais na proteção à vida e ao patrimônio privado. “A maior parte dos crimes ali previstos podem ser transacionados em troca de uma simples cesta básica. Então, isso de fato precisa ser enfrentado, obviamente que não apenas no crime do incêndio florestal, do art. 41, mas a gente precisa ter coragem de fazer essa revisão”, afirmou.
Ele também mencionou a necessidade de o Brasil investir em tecnologia, expandir a estrutura de combate a incêndios florestais e adaptar recursos, como aeronaves agrícolas, para enfrentar as mudanças climáticas.
Agostinho alertou que essas mudanças são uma realidade, e que isso vai exigir do país medidas de adaptação, mitigação e monitoramento constantes. “Essa crise, infelizmente, não é a última. Infelizmente as mudanças climáticas vieram e vieram para ficar. Nós teremos que investir muito em adaptação, muito em mitigação. Nós teremos que ter estruturas tanto de monitoramento quanto de ação propriamente ditas”, disse.
O presidente do instituto também destacou que a maioria dos incêndios é provocada pela ação humana. Ele alertou para uma tendência em que as pessoas utilizam o fogo de maneira irresponsável e criminosa, incluindo atos de vandalismo para destruir propriedades públicas e privadas. Em regiões específicas, como o sul da Amazônia e o Matopiba (formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o fogo é usado como prática para abrir novas áreas para cultivo, o que agrava o problema do desmatamento.
“A gente tinha uma média de 12% a 15% de incêndios em floresta dentro do bioma amazônico e hoje chega a 35%, o que mostra uma tendência de as pessoas preferirem a degradação florestal ao corte raso.”
Quem conduziu a sessão foi senador Jorge Kajuru (PSB-GO). Um dos responsáveis pelo requerimento para a realização do debate, ele afirmou que os incêndios vêm das mudanças climáticas e da irresponsabilidade humana. “O Brasil arde em chamas. Além da biodiversidade, nossa saúde e nossas esperanças estão sendo consumidas pelo fogo. Não se trata apenas de manter as árvores, mas de salvar vidas. Não há mais tempo a perder”, discursou o senador, afirmando que vai levar os resultados da discussão ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Projetos de lei são apresentados na Câmara e no Senado
Com o agravamento da crise de queimadas no Brasil, senadores e deputados apresentaram, nos primeiros 20 dias de setembro, 19 projetos de lei visando endurecer as penas para quem provoca incêndios. Esses projetos propõem medidas como a tipificação de crimes de queimadas como hediondos e a proibição de incentivos fiscais para pessoas envolvidas em crimes ambientais.
Na última sexta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que cria multas por infrações envolvendo incêndios. O início das queimadas em vegetações nativas ou florestas vai ter multa de R$ 10 mil por hectare, ou fração. Já nos casos das florestas cultivadas, a penalidade será de R$ 5 mil.
Nos primeiros 20 dias de setembro, foram registados 65.649 focos de incêndio, o que representa 62% de todos os incêndios registrados na América do Sul, de acordo com dados do sistema BDQueimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
No Senado, sete projetos de lei sobre crimes ambientais foram apresentados em setembro. Entre eles, o PL 3567/2024, de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF), propõe o aumento das penas para crimes ambientais, especialmente em períodos de calamidade pública e desastres climáticos.
O projeto sugere dobrar as penas para crimes cometidos em cenários de emergência, como secas severas e altas temperaturas — contextos que têm se tornado mais frequentes devido às mudanças climáticas. Leila Barros, que preside a Comissão de Meio Ambiente do Senado, reforça a necessidade de medidas mais rígidas para enfrentar os impactos ambientais crescentes.
“Estamos vivendo uma crise sem precedentes. Queimadas criminosas estão devastando nossos biomas e deixando um rastro de destruição que precisa ser combatido com urgência”, alerta a senadora.
Atualmente, a pena para o crime de incêndio florestal varia entre dois a quatro anos de reclusão. O projeto propõe ampliar essa pena para três a seis anos em casos dolosos, e de um a dois anos para crimes culposos, ou seja, aqueles cometidos sem intenção direta.
Outra proposta é o PL 3589/2024, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que busca endurecer as penas para quem provoca incêndios florestais de forma intencional. O projeto prevê aumento em dobro da pena para quem provocar incêndios florestais intencionais e inclui esse crime no rol de crimes hediondos. Isso significa que, além de penas mais rigorosas, o condenado perde o direito a fiança e cumpre a pena em regime fechado desde o início.
Além disso, se o incêndio causar risco à vida, à integridade física ou a propriedades, como casas ou veículos, a pena será interpretada com base no Código Penal. Hoje, essa pena varia de três a seis anos de prisão, mas o projeto de Contarato pretende aumentar para seis a 12 anos, também sem direito a fiança e com cumprimento inicial em regime fechado. O objetivo é tornar as punições mais severas e desestimular essas práticas, dadas as consequências graves dos incêndios florestais.
“Uma legislação mais rígida, aliada à educação e à fiscalização permanente, é fundamental para combater esse problema. O meio ambiente é um patrimônio de todos, e os danos causados por esses incêndios afetam não apenas a biodiversidade, mas também a saúde pública, a economia e as futuras gerações”, afirmou o senador.
Na Câmara dos Deputados, entre os 12 projetos de lei apresentados em setembro que sugerem punições mais severas para crimes ambientais, seis propõem o aumento de penas, quatro inserem crimes no rol de crimes hediondos, e dois tratam do impedimento de benefícios fiscais para quem provoca incêndios.
Entre eles, o PL 3635/2024, do deputado Nilto Tatto (PT-SP), que lidera a bancada ambientalista. O projeto propõe a inclusão de crimes ambientais graves na categoria de terrorismo, considerando como atos terroristas as ações contra o meio ambiente que gerem “terror social ou generalizado”, colocando em risco a população, o patrimônio e a paz pública. Isso, segundo o deputado, abrange os incêndios criminosos que estão em curso no país.
“Como o intuito desses grupos criminosos é o de espalhar o terrorismo climático contra a população, espero que esse projeto contribua para resguardar o bem-estar social e dar devida punição a estes criminosos”, explica.