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Presos que menstruam: jornalista lança livro que mostra o horror das penitenciárias femininas do Brasil

Nana Queiroz classifica o sistema carcerário para mulheres como “masmorras medievais”

Brasília|Carol Oliveira, Do R7


Nas penitenciárias brasileiras as mulheres que cumprem pena precisam improvisar de maneira primitiva uma forma de lidar com a questão mais natural do universo feminino, a menstruação. Na constante e quase insolúvel falta de material de uso íntimo, as presidiárias utilizam miolo de pão como absorvente interno. Ao ser introduzida no organismo, a massa incha e impede que o sangue escorra. O material passa a funcionar como um B.O.

Deste cenário desolador, a jornalista Nana Queiroz tirou o nome do livro, lançado em Brasília, que traça um perfil da vida das mulheres presas no país. O Presos que Menstruam mostra que não há distinção de gênero no sistema carcerário. Homens e mulheres, com necessidades distintas, recebem os mesmos e escassos meios de sobrevivência nas celas do país. Grande parte das mulheres passa anos sem receber visita familiar e, consequentemente, não tem acesso a diversos produtos de higiene, que não são ofertados pelo Estado. Daí, Nana traça linha a linha "a brutal vida das mulheres - tratadas como homens - nas prisões brasileiras".

— Elas não recebem absorventes, recebem o mesmo tanto de papel higiênico que os homens recebem, então em algum momento do mês elas precisam utilizar jornal para se limparem, conta Nana Queiroz, que acompanhou de perto o dia a dia de mais de 100 presidiárias.

A ideia de pesquisar sobre o tema surgiu depois de um jantar, quando Nana, ativista do movimento feminista, conheceu uma colega que fez relatos sobre problemas no sistema carcerário feminino. Ao procurar mais informações, a então universitária se deparou com a falta de material sobre mulheres, que, até então, viviam na invisibilidade, na solidão e na penumbra da sociedade.


— Não havia livro, artigo, ninguém fala da mulher presa no Brasil.

A falta de escritos e pesquisas sobre o assunto motivou a universitária a ir atrás de informações. E nada melhor do que conhecer de perto a realidade daquelas que vivem sob cárcere em um país que tem mais de 600 mil presidiários e a quarta maior população carcerária do mundo. A primeira visita da jovem a uma penitenciária foi em Sant' Ana, em São Paulo. Ao longo de cinco anos, Nana visitou mais de dez penitenciárias, pelo menos uma em cada região do Brasil, e concluiu que as mulheres brasileiras cumprem penas em “masmorras medievais”.


— Foi bem chocante. Era pior que a [penitenciária] masculina, mas o que me chamou a atenção é que as mulheres faziam desenhos, bichinhos de pelúcia, pintavam nas paredes, faziam flores artificiais para tornar o ambiente mais agradável, relata.

Para se aproximar das mulheres e conhecer a fundo a história de muitas delas, a jornalista se inscreveu em trabalhos voluntários e se comunicou por carta com as presas. A primeira história à qual teve acesso foi a de uma senhora que tinha 20 filhos e 50 netos e não recebia a visita de um familiar há três anos. Não havia ninguém que levasse a ela os materiais íntimos dos quais precisava. Ela não tinha absorvente para usar. Sentada em um banco ao fundo de uma sala, a jornalista ouviu o primeiro relato de sofrimento. 


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A partir daí Nana entrevistou pelo menos 100 mulheres e selecionou sete histórias que fazem parte do livro. O gênero, chamado de Grande Reportagem, conta os fatos que levaram as mulheres às prisões, o cotidiano e os momentos mais dramáticos vividos na prisão. Uma das história que chama a atenção dos leitores é da índia Tupinambá Glicéria, que, dentro de uma cela, viu o filho passar fome por falta de atendimento médico.

Braço direito de seu irmão cacique da comunidade que vive no interior da Bahia, Glicéria foi presa, acusada de liderar um protesto para defender o território de sua comunidade. Na época, o pequeno Eru, filho de Glicéria, tinha três meses e, ao lado da mãe, passou seis meses sob cárcere. O momento mais dolorido foi quando a mulher não pôde amamentar a criança porque apresentou ampedramento do leite. Há dias, ela pedia atendimento médico, mas só foi ouvida depois que funcionários da penitenciária viram seu filho chorar de fome. 


— Ela pedia um médico, mas ninguém arrumava e ela teve infecção e não conseguia dar leite ao filho. Eles só a mandaram para o médico depois que o Eru passou vários dias sem comer.

A jornalista concluiu que grande parte das mulheres presas sofre de abandono tanto por parte da família quanto pelo Estado.

— É um sistema carcerário que ignora que mulheres são mulheres. Nas prisões brasileiras, além dos problemas tradicionais, as mulheres ainda enfrentam rotinas que ignoram a gestação, as necessidades femininas e a menstruação. 

A publicação, com 294 páginas, apronfuda nesta e em outras histórias que revelam a cara de um sistema que não cumpre a missão primária de ressocializar o indivíduo que se envolveu com o crime. A primeira tiragem de 3 mil publicações está quase esgotada nas livrarias do Brasil. 

Além de representar um marco bibliográfico sobre o tema,o livro é mais um passo na luta feminista de Nana Queiroz. Em 2010 ela lançou a campanha “Eu não mereço ser estuprada”. O protesto surgiu após a divulgação de pesquisa do Ipea que mostrava que cerca de 26% da população interpreta que uma mulher que usa roupa curta pede para ser atacada.

Inconformada com o resultado, a jornalista tirou a blusa e fez uma fotografia em que tapa os seis em frente ao Congresso Nacional e postou em redes sociais. O dizer "Eu não mereço ser estuprada" tomou as redes sociais e virou uma campanha noticiada pela mídia nacional e internacional.

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