Rede pública usa inovação para motivar alunos na pandemia
Conheça iniciativas pelo Brasil que enfrentaram o desafio da evasão escolar na pandemia com criatividade e humanidade
Brasília|Alan Rios, do R7, em Brasília, e Nathalia Kuhl, da Record TV
Em meio a um contexto pandêmico que trouxe tragédias diárias e acentuou desigualdades, a pedagogia se reinventou com o fechamento de portões das escolas para impedir que os alunos que antes frequentavam aquele espaço perdessem o que ele proporciona. Mais do que conhecimento, professores e servidores da rede pública de instituições por todo o Brasil buscaram na criatividade formas de manter próximo aos estudantes o conceito de humanidade.
O motorista de ônibus escolar Gervásio Costa, de 50 anos, do interior de Minas Gerais precisou se adaptar ao momento atual para garantir que alunos pudessem estudar. "Antes eu levava as crianças até o conhecimento. Hoje, entrego o conhecimento para elas." A rotina de Gervásio na pandemia mudou. Ele passou a sair de casa quando ainda estava escuro, passar na escola às 7h30, pegar as atividades escolares impressas e levar às fazendas onde moram os alunos da Escola Municipal Dona Olympia Leite Ribeiro, do Núcleo Rural Guaxupé.
O ônibus foi trocado por um carro da prefeitura, que percorreu o caminho de terra até chegar às fazendas em um trabalho diário, que se encerrava no escuro, no fim da noite. "Chego a atravessar duas ou três porteiras para chegar em algumas chácaras. Mas, com o passar das semanas, a gente já identifica a rotina daquela família. Tinham algumas que eu tinha que entregar atividade mais tarde, se não, não encontrava ninguém em casa, já que os pais saiam para trabalhar e levavam os filhos", lembra o motorista.
O barulho do carro de Gervásio simbolizava para as crianças a proximidade com a escola. "Os pequenos já sabiam que eu estava chegando e o momento tinha muita emoção. Mas não podíamos abraçá-los por conta da pandemia", lamenta. Os pais também comemoravam a chegada do motorista nas fazendas. "Gervásio era como se fosse o Papai Noel trazendo a atividade como presente", brinca Fabiana Oliveira, 26 anos, mãe da aluna Agatha, de 5.
Luciana Miccheti Cruz, professora há 10 anos no município, era uma das pedagogas que produzia as atividades para turmas sem acesso à internet. A solução dela foi dialogar com a vivência dos estudantes. As tarefas que usavam recursos da natureza eram as mais aguardadas pelos pequenos, que, por vezes, tinham que acompanhar os pais no trabalho no campo. "Eu pedia para fazer atividades com o que eles tinham por perto. Falamos sobre a árvore genealógica, eu pedia fotos, a gente fazia esse resgate familiar, dava dicas de alimentos, falava sobre as plantas", exemplifica.
Cidadania
"A escola é a oportunidade dos meus alunos serem cidadãos." É nisso que acredita Jucilene de Araújo, diretora da Escola Estadual Heckel Tavares, no Jardim Helena, zona leste de São Paulo, de onde vem outro bom exemplo.
A instituição que simbolizava acolhimento, educação e esperança para alunos de comunidades carentes de serviços básicos teve que aprender a ensinar de uma forma diferente, com portas fechadas e estudantes distantes, em realidades duras, como descreve Jucilene.
Quando a pandemia chegou nós nos assustamos%2C pensando como os alunos iam fazer o ensino remoto se não tinham alimentação em casa. Alguns sem banheiro e saneamento onde moram
Entre as soluções para minimizar essas dificuldades, a diretora optou por ampliar o que sempre entendeu como a melhor forma de ensinar. "Nunca gostei de ser aquela pessoa que fica atrás de uma mesa. Eu saio, conheço o aluno, ele me conhece. Então, fui fazer o que depois chamaram da tal de busca ativa. Entrei na comunidade para não perder meus alunos. Levei atividades impressas, conversei com as famílias, coloquei cartazes com avisos na quitanda, no mercadinho, no bar onde o pai jogava sinuca", explica.
Nessas visitas, Jucilene ouviu uma mãe contar das refeições em que só podia dar ao filho uma bebida que mistura água e açúcar, visitou uma família que fazia as necessidades fisiológicas em um balde e descobriu a gravidez de uma aluna, entre diversos outros casos que a emocionaram. "Às vezes, choro de soluçar contando isso."
A presença da diretora, o esforço dos professores e as ações coordenadas da Secretaria de Educação foram mantendo a proximidade com os estudantes. Os comunicados colados pela equipe na comunidade informavam sobre as atividades, lembravam quando chegavam kits de materiais escolares e merendas, além de divulgarem outras ações da escola.
“Tenho mil alunos, do sexto ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio. Antes, os professores me falavam que, de cada sala, cinco ou seis estavam participando das aulas. Mas conseguimos melhorar isso. Quando as escolas reabriram e vi meus alunos voltando, dei graças a Deus porque não os perdi para doenças, para a criminalidade, nem nada”, comemora a diretora.
Ferramentas digitais
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, que atende cerca 3,5 milhões de estudantes, calcula que a taxa de evasão/abandono do pior ano da pandemia, 2020, ficou em 0,31% entre os alunos do Ensino Fundamental e 0,34% no Ensino Médio, taxas menores do que em 2018, por exemplo. Um dos programas que acolheu toda a rede foi a criação do Centro de Mídias, reconhecido como uma das seis melhores iniciativas inovadoras de governos subnacionais da América Latina e do Caribe pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“O Centro de Mídias oferece aulas para todos os estudantes, desde a educação infantil até o EJA [Ensino de Jovens e Adultos] por meio de um aplicativo e por meio da TV. A ideia é garantir uma estratégia multiplataformas para que estudantes em diferentes realidades pudessem acompanhar as aulas”, diz Bruna Waitman, coordenadora do Centro e da Escola de Formação dos Profissionais da Educação do Estado de SP. O projeto também ofereceu pacotes de dados para os estudantes, que contam com 23 horas de conteúdos inéditos e ao vivo diariamente.
Outra unidade da federação que recorreu à tecnologia para aproximar foi o Distrito Federal. Em uma das atividades, David Leonardo Teixeira, professor da Secretaria de Educação da capital, desenvolveu um projeto que utiliza o esporte eletrônico como ferramenta de aprendizagem. “A relevância da inclusão dessas tecnologias, jogos e celulares na educação foi provada na pandemia, quando todas as atividades presenciais foram interrompidas”, pontua.
O pedagogo criou uma competição chamada Jogos Escolares Eletrônicos do DF, que aproximou estudantes, levantou diálogos dos conteúdos de sala de aula dentro da realidade dos e-sports e diminuiu o abandono escolar na pandemia. “É imprescindível que o professor conheça a realidade dos alunos, tornando o processo de ensino e aprendizagem cada vez mais centrado neles. Essas atividades tiveram isso como base.”
Carro de som
E, se por um lado a utilização de novas tecnologias foi uma das saídas encontradas por pedagogos, por outro, usar ferramentas já conhecidas também serviu para manter a aprendizagem e o vínculo do aluno nas escolas das redes estaduais. Em Céu Azul, Belo Horizonte, por exemplo, professores da Escola Municipal Professora Ondina Nobre resolveram dar aulas e transmitir conteúdos por meio de um carro de som.
O veículo passa pelas ruas da Ocupação Dandara, e atende alunos sem acesso à internet, como explica a coordenadora do projeto, a professora Suzete Furtado. “Nós damos muito valor à cultura e à arte. Nossos projetos já têm esse vínculo. Na rádio, crio as pautas, estudo, desenvolvo a partir de uma pesquisa e repasso aos colaboradores, outros professores, sempre voltados às necessidades da comunidade”. Os alunos aprovaram a iniciativa, que leva conteúdo e afeto. “Eu amei a rádio da escola, porque posso escutar a voz de todos os meus professores”, comenta Albert Oliveira, aluno de 13 anos.