Em meio à tensão comercial entre China e Estados Unidos, o governo brasileiro pode enfrentar desafios na tomada de decisões e andamento das metas para a COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que ocorrerá em Belém (PA) em novembro. Com o foco na economia das potências e nas consequências da guerra comercial, é provável que o orçamento para lidar com questões ambientais não seja a prioridade dos governos chinês e norte-americano.A conferência é realizada visando tomar decisões para implementação de compromissos assumidos por países no combate às mudanças climáticas. Nesta edição, o Brasil será o país anfitrião do evento, o que, segundo o governo, permitirá a reafirmação do papel de liderança nas negociações sobre mudanças climáticas e sustentabilidade global. Além disso, o governo brasileiro espera mostrar os avanços feitos em áreas como energias renováveis, biocombustíveis e agricultura de baixo carbono.Entre os temas que serão discutidos está a redução de emissões de gases de efeito estufa, adaptação às mudanças climáticas, financiamento climático para países em desenvolvimento, tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono, além da preservação de florestas e biodiversidade.Para o cientista político do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha Maurício Santoro, a falta de prioridade em temas ambientais por parte do governo norte-americano e a tensão econômica entre as duas principais potências podem influenciar diretamente no protagonismo do Brasil.“Com a tensão que estamos vendo agora, vai sobrar menos dinheiro para lidar com questões ambientais. Principalmente, se esses problemas decorrentes da guerra comercial acabarem provocando uma recessão nos Estados Unidos”, disse.Desde o início do atual mandato, o presidente Donald Trump tem aplicado tarifas sobre as importações de diferentes produtos estrangeiros, gerando tensão diplomática com os principais aliados e desencadeando uma guerra comercial com a China.As imposições do norte-americano e ameaças ao multilateralismo marcam um redirecionamento do comércio internacional. Especialistas entendem que, caso as políticas de Trump falhem, os EUA podem sofrer uma desaceleração do crescimento econômico e pressionar a inflação das demais nações, o que poderia causar um desequilíbrio na economia global.Na visão da ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ligado à ONU, Thelma Krug, a preocupação global com guerras prejudica o status de prioridade atribuído às mudanças climáticas.“Ficou mais difícil agora conseguirmos financiamento para os países. O financiamento pode ser na forma de grants, ou pode ser um outro tipo de loan; um empréstimo que permita que os países possam implementar tecnologias que desejam para si. Não como imposição: ‘tenho essa porcaria aqui que já não quero mais e vou passar para um país em desenvolvimento’”, disse Krung à Universidade Estadual Paulista.Pela primeira vez, o governo chinês esclareceu que as NDC’s (contribuições nacionais determinadas), ou seja, o plano de ações climáticas de cada país, vão abranger todos os setores econômicos, informou o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres. Na ocasião, o representante também cobrou líderes globais a tomarem ações na elaboração de planos estratégicos para ajudar na aceleração da transição energética, além de pedir para as principais potências aumentarem o apoio aos países em desenvolvimento.Na visão de Guterres, nações menos desenvolvidas são as menos responsáveis pelas mudanças climáticas. Porém, são as que mais sofrem consequências. “África e outras partes do mundo em desenvolvimento estão presenciando aquecimento mais rápido e as ilhas pacificas estão vendo o nível do mar subir mais depressa, mesmo quando a própria média global está acelerando. Apesar de abrigar 60% dos melhores recursos solares do mundo, a África possui apenas cerca de 1,5% da capacidade solar instalada e recebe apenas 2% do investimento global para renováveis”, comentou.As contribuições adotadas pela China tem peso grande na COP30, em especial devido aos grandes níveis de poluição no país, gerados, principalmente, pela matriz energética arcaica, que ainda é dependente do carvão e combustíveis fosseis. Entretanto, o cientista Maurício Santoro explica que existe uma pressão global para a nação asiática ser mais ativa nas questões ambientais, apesar do esforço que vem desempenhando.Em um cenário de possíveis oportunidades para a China, com a tensão com os Estados Unidos, o país pode tentar ocupar um novo protagonismo a partir do tema ambiental. Porém, para o especialista, o avanço vai depender de como os chineses vão lidar com o tema diante das dificuldades econômicas e outros problemas internos enfrentados pela nação.“Com essa crise politica nos Estados Unidos, isso criou um vazio global, uma oportunidade diplomática para que a China assuma um papel de liderança. Para que a China assuma determinadas funções, que antes estavam mais concentradas nos Estados Unidos, mas isso é uma possibilidade, não é uma certeza. Depende muito de como o governo chinês vai lidar com a situação e da avaliação das próprias autoridades chinesas”, explicou Santoro.Além do conflito com os chineses, a agenda ambiental e multilateral de Trump terá impactos na COP30, principalmente devido a falta de prioridade no tema, aponta a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo Cristina Pecequilo.Ainda assim, a indicação de maiores investimentos pela China em assuntos prioritários da COP pode sinalizar que o país asiático está tentando se contrapor aos Estados Unidos, explica a especialista.“Demostra que a China está tentando se contrapor aos EUA nessas agendas ambientais e se tornando uma liderança dentro das nações emergentes. A China hoje tem um papel na revolução energética, que vem bem avançada, até por conta de seus interesses econômicos. Me parece um movimento interessante, mas é um movimento que traz eventuais choques com os Estados Unidos e outras agendas”, conclui.Fique por dentro das principais notícias do dia no Brasil e no mundo. Siga o canal do R7, o portal de notícias da Record, no WhatsApp