Durante os dois dias do julgamento da aceitação da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete por envolvimento na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux fez considerações que, conforme apurou o R7, indicam qual será o tom adotado por ele no decorrer das demais ações envolvendo os atos extremistas de 8 de janeiro de 2023 e o inquérito da tentativa de golpe: revisão de dosimetria das penas, questionamentos sobre atos executórios e sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Apesar das afirmações, Fux votou por aceitar a denúncia e tornar os oito acusados réus.Em determinado momento, o ministro declarou que “nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de Janeiro”. “Eu fui ao meu ex-gabinete, que a ministra Rosa (Weber) era minha vice-presidente, e vi mesa queimada, papéis queimados. Mas eu acho que os juízes na sua vida têm sempre de refletir os erros e os acertos”, opinou.A declaração de Fux fez menção aos julgamentos dos presos pelo 8 de Janeiro, em especial ao caso da cabeleireira Débora Rodrigues, conhecida como a mulher que pichou com batom vermelho a frase “Perdeu, mané” na estátua “A Justiça”.Ela teve pena estimada em 14 anos de prisão mais multa. O pedido de condenação consta no voto do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes. Na sexta-feira (28), ele concedeu prisão domiciliar preventiva para ela até que o julgamento termine. No voto pela condenação, ele considera cinco crimes:Fux pediu vista no julgamento de Débora, que já tem dois votos pela condenação. Nesta semana, ele disse que faria a revisão da dosimetria da pena, ou seja, qual pena deve ser aplicada de acordo com as circunstâncias do crime e as características. O ministro falou ainda em “pena exarcebada”. “Em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, ministro Alexandre, que eu pedi vista desse caso. Quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava”, disse.Fux ainda deu a entender que discutiria com os demais ministros o que seriam os atos executórios de um crime no inquérito da tentativa de golpe. Isso porque na legislação brasileira cogitar um crime não é punível. O que é passível de condenação é a execução e a consumação. O mérito da ação penal contra Bolsonaro e outros sete que viraram réus, no entanto, só será analisado posteriormente.Com relação à delação de Mauro Cid, apesar de votar pela validade da colaboração, Fux apontou desconfortos. “Há uma regra de que quem participa do processo tem que fazer de boa-fé. E delação premiada é algo muito sério. Nove delações representam nenhuma delação. Tanto houve omissão que houve nove delações”, disse, ao se referir às diferentes versões dos depoimentos de Cid. O ministro quer acompanhar a fala do tenente-coronel quando ele for ouvido em juízo.Especialistas ouvidos pelo R7 consideram que as declarações do ministro Fux abrem caminho para “relativizar” e diminuir as penas impostas aos réus pelo 8 de Janeiro.“As defesas terão a oportunidade de interpor um recurso para que o plenário analise de novo”, pontua o professor de direito da PUC (Pontífica Universidade Católica), o advogado André Perecmanis.A defesa da cabeleireira disse ter recebido as declarações do ministro com “preocupação” e “esperança”. Em nota, os advogados Hélio Júnior e Tanieli Telles destacaram que todos os julgamentos devem ser conduzidos de forma imparcial. Diferentemente de Moraes, eles desconsideram os demais crimes que ela teria cometido e falam apenas da pichação.Para eles, a fala de Fux é um “reconhecimento de que pode ter havido excessos na dosimetria da pena” e “reforça o que a defesa vem sustentando desde o início: os réus deste processo não estão recebendo um julgamento justo, mas sim sendo alvos de um julgamento político e emocional”.A advogada constitucionalista Vera Chemin destaca que a tentativa de golpe é um crime de execução antecipada. “Esse crime é classificado pela doutrina como um ‘crime próprio’, isto é, não pode ser praticado por qualquer pessoa, apenas pelas Forças Armadas do país. Portanto, aquelas pessoas que promoveram atos depredatórios em instituições públicas não podem ser acusadas de cometimento de golpe de Estado, até por não configurarem uma multidão com objetivos planejados e pré-definidos e pelo fato inquestionável da ausência das Forças Armadas, embora alguns indivíduos tivessem a intenção de cooptá-las para aquele ato”, explica.De acordo com Vera, se comprovada a participação dos envolvidos no 8 de Janeiro, a punição deve ser de dano ao patrimônio público, acrescida da pena do crime de utilização de violência nos atos, ameaça grave às autoridades nomeadas e de utilização de bombas expondo as pessoas a perigo comum. “Pedir intervenção militar para depor o presidente eleito não configura fato típico, uma vez que não se têm presentes todas as elementares do tipo penal”, ressalta.Com relação aos atos executórios, o advogado criminalista Thiago Minagé explica que, no direito penal, existe o “caminho do crime”, que considera a cogitação, preparação, execução e consumação. Os dois primeiros não são puníveis, enquanto os dois últimos são.“O maior desafio que existe na ciência jurídica penal em determinados casos, e esse caso é um típico exemplo, é conseguir separar onde terminam os atos preparatórios, que não são puníveis, e onde começam os atos executórios que, a partir desses atos executórios, são puníveis”, observa.“Essa discussão é absurdamente ampla, e eu acho que a acusação e a defesa, principalmente a defesa, vão passar muito por esse ponto de que não ficou provado em que momento encerraram os atos preparatórios e começaram os atos executivos”, prossegue.Perecmanis destaca que não é preciso dar um golpe de Estado para se ter um crime. Caso contrário, não haveria o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. “O que não pode haver é a punição pela mera cogitação. Mas se a gente começa a tomar providências para implementar esse plano, já dá para entender isso como ato executório do crime”, conta.Isso estaria presente, conforme o especialista, nos pontos em que a investigação aponta que Bolsonaro e o grupo supostamente iniciaram um monitoramento de autoridades, se reuniram para tratar de uma minuta de golpe, compraram armas, movimentaram pessoas para irem a Brasília em 8 de janeiro, entre outras ações.“Com base no que eu sei, não foi um ato isolado, não foi uma conversa dentro do gabinete, de que ‘vamos pensar aqui em um texto’, e aquilo ficou em uma gaveta e nunca mais falou sobre isso. Esse é o ponto. Aquilo foi parte de um todo. Não tem como dissociar isoladamente cada coisa”, prossegue. Por fim, ele considera que a observação de Fux permite que os ministros da Turma discutam o que, de fato, seriam atos executórios.Sobre a delação, Minagé considera que as falas de Fux abrem espaço para “que a delação sem provas que confirmem o que foi dito nela não é e nem será suficiente”. “O entendimento do STF era de que uma delação só não serviria nem para subsidiar ou justificar o recebimento de uma denúncia. Então, obviamente que também não poderia justificar uma condenação. Só que a delação tem vários pontos, e o que as defesas devem trabalhar é que, em determinados pontos, não tem a comprovação, e em outros tem”, diz.“Esse entendimento de que a delação por si só não é suficiente é o principal objeto de exploração das defesas, dizendo: ‘Olha, só tem a delação do Cid, e ele fala muito e não prova nada’. O Fux mais ou menos dá a entender, dá um sinal de que ele também concorda com isso, que muito do que está sendo dito não está sendo provado, e talvez isso seja a abertura de uma certa esperança para as defesas nesse caso”, finaliza.Vera explica que o acordo celebrado entre Cid e a Polícia Federal foi colocado em xeque pelas defesas dos réus. “Trata-se de um acordo fragmentado, fracionado por diversas vezes, levando a uma total incerteza quanto à sua veracidade, relativamente aos requisitos exigidos pela lei”, conta.“A frequência e constância das modificações inseridas no acordo por meio de várias ‘reuniões’ permitem que se tenha dúvida da real vontade do agente em se dispor a falar sobre os fatos típicos [crimes comuns] supostamente cometidos por todos os acusados, inclusive o ex-presidente Bolsonaro”, destaca.