Discriminação em entrevista de emprego: o que fazer quando o recrutador é desrespeitoso?
Samara viralizou nas redes sociais com desdém de recrutador ao saber que ela era mãe; especialistas dizem que cabe indenização
Cidades|Isabelle Amaral, do R7
O caso da mulher de Cariacica, no Espírito Santo, que viralizou ao postar uma conversa em que é humilhada por um recrutador antes de uma entrevista de emprego levanta o debate: que tipos de medida podem ser tomados em uma situação como essa?
O representante da empresa atrasou três horas para a conversa e depois foi irônico com a candidata, Samara Braga, quando ela respondeu que não poderia falar no momento em que ele a chamou, pois levaria o filho à escola.
Ao afirmar que Samara tinha muitos compromissos "para um desempregado" e que "é difícil contratar quem tem filhos", o recrutador mostrou despreparo e pode ser acionado judicialmente, segundo especialistas ouvidos pelo R7.
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Até esta quinta-feira (14), a publicação da candidata tinha quase 30 mil curtidas e mais de 4.000 comentários em uma rede social corporativa, boa parte deles de mulheres que relatam já terem passado pelo mesmo constrangimento.
Danielle Olivares Corrêa, coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação do Trabalho, do MPT (Ministério Público do Trabalho), explicou, em entrevista ao R7, que o recrutador em questão pode sofrer uma ação trabalhista, ainda que ele tenha sido discriminatório durante uma entrevista de emprego, e não com alguém que já tenha um contrato assinado com a empresa que representa.
"A própria candidata, que se sentiu ofendida, pode denunciá-lo. Ele também pode ser réu numa ação civil pública para que se abstenha desse tipo de prática. Caso seja comprovado que houve, de fato, a discriminação, a empresa fica sujeita ao pagamento de multa e pode ser impedida de solicitar empréstimo a bancos públicos", ressalta Danielle.
A coordenadora do MPT explica ainda que casos em que o entrevistador exige atestado de gravidez podem ser configurados até mesmo como crime.
Apesar de saber que poderia entrar na Justiça contra o recrutador, Samara afirma que nem mesmo na postagem quis divulgar o nome completo do homem ou da empresa, porque não quer prejudicar nenhum dos dois.
"Fiquei muito indignada quando li aquilo. A primeira coisa que veio à minha cabeça foi: 'Como que quem está desempregado não tem compromisso?'. Eu penso que não só a empresa dele, mas diversas outras fazem isso. É todo um sistema que coopera para que isso aconteça", relatou a candidata em entrevista à Record TV.
Samara conta que esperou por muito tempo o recrutador dar alguma explicação, ou ao menos agendar a entrevista para outro momento. Porém, no horário em que ele ligou, às 11h, ela estava arrumando o filho para ir à escola e também preparando um pudim para vender e ajudar a compor sua renda.
Entrevistador despreparado
Para a psicóloga organizacional especializada em gente e gestão Cláudia Danienne, o recrutador desse caso estava despreparado e foi desrespeitoso com a candidata.
"Existem no mercado profissionais qualificados para conduzir entrevistas, que deixam os candidatos à vontade e procuram explorar suas vivências para acrescentar à empresa, e outros que não, como em qualquer área de saber", afirma.
A especialista ressalta a importância de a empresa ter um recrutador bem preparado, uma vez que ele possivelmente estará lidando com uma pessoa que está ansiosa, que realmente precisa da vaga, ou está frustrada com possíveis outras entrevistas.
Cláudia aborda ainda a interação entre entrevistador e candidato, para procurar conhecer detalhes, mas sem discriminar a pessoa; dar satisfação caso haja algum empecilho com o horário entre ambos; e ser verdadeiro ao relatar o perfil do profissional que a empresa busca, bem como o próprio concorrente da vaga contar sobre sua rotina.
"Dá para flexibilizar. Os dois podem encontrar uma alternativa", complementa.
Alberto Felippo, que é coordenador de RH (recursos humanos) na Pitzi, concorda que o recrutador estava despreparado e afirma que, hoje em dia, muitas empresas fazem entrevistas "mais descontraídas", que fogem do tradicional, e isso tem dado certo.
"Aquilo de pedir para a pessoa dizer um defeito ou uma qualidade, se tem filho ou não, quem vai cuidar do filho... a gente prefere não fazer esse tipo de pergunta que aprendemos na faculdade. A gente pergunta os hobbies, os livros, séries, filmes de que gosta. Se ela quiser dar alguma informação a mais é porque se sentiu confortável para falar", comenta.
Felippo conta que geralmente entrevista oito pessoas para uma vaga e às vezes, no segundo candidato, já sabe que aquele será escolhido; porém, mantém as opções até mesmo para uma possível futura oportunidade.
"O processo seletivo é um momento em que a pessoa também decide em qual empresa vai trabalhar. Se começa com algum tipo de atrito logo na entrevista, a relação não será boa", opina o profissional de RH.
Existe lei a favor das mães no mercado de trabalho?
Fernanda Prado, advogada trabalhista empresarial e especialista em governança ambiental, social e corporativa, conta que não existe uma lei que obrigue empresas a contratar mulheres que são mães, mas sim um regulamento que cria um selo para companhias que empregam mais mulheres e se destacam pela organização e manutenção de creches e pré-escolas para atender às necessidades de seus empregados.
Além disso, a legislação trabalhista veda a prática de discriminação no trabalho, e critérios como gravidez e situação familiar não podem gerar prejuízos nem desvantagens aos candidatos.
"Também existe, dentro da legislação, uma sanção para empresas que demitem funcionárias durante a gestação, ou até mesmo após o parto. Ela tem uma estabilidade a partir da descoberta da gravidez, até quatro meses após o parto, e, se for demitida, a empresa tem que indenizar", afirma a defensora.
No caso de Samara, Prado explica que ela pode entrar na Justiça contra a empresa daquele recrutador por danos morais. "As empresas precisam se atentar às nuances da diversidade, até porque elas têm uma função social para com a comunidade. Um caso como esse pode manchar a imagem da empresa."
Para Gabriela Claudino, advogada trabalhista do escritório Freitas Avelino, Samara sofreu uma discriminação por ser mãe e, com o print das mensagens, ela tem a prova do preconceito.
"A maior dificuldade que existe nesse tipo de caso é a própria comprovação. Quando ocorre pessoalmente, é mais difícil. Talvez só esse print não seja suficiente para conseguir uma indenização, mas ela pode tentar", explica.
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