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Disputa entre facções e crimes ambientais levam a 8 mil assassinatos na Amazônia Legal

Ineficiência do Estado em conter avanço do narcotráfico e das organizações criminosas contribui para alta da letalidade

Cidades|Letícia Dauer, do R7

Amazônia Legal abriga várias rotas internacionais de tráfico de drogas
Amazônia Legal abriga várias rotas internacionais de tráfico de drogas

Em 2022, mais de 8.000 pessoas foram assassinadas na Amazônia Legal, região do Brasil composta por nove estados. Os dados são da Nota Técnica "Segurança Pública e Crime Organizado na Amazônia Legal", divulgada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O número inclui homicídios dolosos, com intenção de matar; roubos seguidos de morte; e lesões corporais seguidas de morte. A taxa de mortes por 100 mil habitantes foi de 26,7 na região, enquanto no restante do país foi de 17,7.

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Para especialistas ouvidos pelo R7, a alta letalidade é explicada por três razões: a disputa das rotas de tráfico de drogas por facções criminosas, principalmente entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho); crimes ambientais; e a ineficiência do Estado no combate ao crime organizado.

Desde 2012, a região da Amazônia Legal possui índices de violência letal mais elevados do que a média nacional, de acordo com o levantamento do FBSP. O ápice foi registrado em 2021, com 9.200 assassinatos e 25,4 crimes letais a cada 100 mil habitantes.


Apesar de o alto índice de homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte não ser uma novidade na região, Betina Barros, pesquisadora do FBSP e socióloga, alerta para a expansão das atividades das facções criminosas – tradicionalmente ligadas ao narcotráfico – em direção aos crimes ambientais, como o garimpo ilegal, nos últimos anos.

O objetivo dos grupos é aumentar o lucro. 


"Ao se deslocarem para essas regiões, [as organizações criminosas] acabam se alinhando a outros grupos e outras atividades como forma de expandir a sua atuação, de enraizar a sua presença nesses territórios e de tornar esse dinheiro ilítico proveniente do tráfico de drogas em lícito a partir de lavagem de dinheiro e crimes financeiros dessa espécie", explica Betina Barros.

A expansão das atividades econômicas ilegais, principalmente pelo PCC, levaram ao intenso crescimento da violência, por exemplo, em Roraima e nas terras yanomamis. "O garimpo já era violento, mas, com o avanço das organizações criminosas, vai ter garimpeiro portando fuzil", afirma a pesquisadora.

Fronteiras e rotas de tráfico

A região da Amazônia Legal faz fronteira com três dos principais produtores mundiais de drogas: Bolívia, Peru e Colômbia. Por isso, são de vital importância para a entrada das substâncias no Brasil, que, por sua vez, serão consumidas aqui ou encaminhadas para outros mercados, como Estados Unidos, Europa e África.

Com base em dados do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) de 2021 e entrevistas com policiais federais que atuam no combate ao crime organizado, o FBSP afirma que o tráfico de cocaína seria responsável por fazer circular o equivalente a 4% do PIB brasileiro, que fechou em R$ 8,7 trilhões em 2021.

Já as rotas internacionais que passam pelos estados da Amazônia Legal responderiam por cerca de 40% desse volume de dinheiro. Ou seja, pelo menos R$ 139,2 milhões foram movimentados pelas organizações criminosas somente nesta região.

Com 1.620 km de extensão navegável, o rio Solimões é uma das principais rotas de escoamento da cocaína, que vem de barco do Peru e da Colômbia com destino a Manaus, além de ser palco de disputas violentas entre o PCC, o CV e demais organizações criminosas locais. 

Além da fronteira com países produtores de maconha e cocaína, a região apresenta uma série de desafios ao Estado, como o tamanho do território e as restrições de mobilidade em decorrência do bioma amazônico e das bacias hidrográficas extensas e de difícil acesso. A malha rodoviária também é pouco densa e raramente é asfaltada, dificultando a locomoção dos agentes de segurança.

Outra adversidade são as diferentes possibilidades de transporte utilizadas pelo crime organizado, segundo a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que acompanha a atuação do PCC desde a sua fundação.

"A região amazônica sempre teve vários modais. É possível se deslocar de avião, bicicleta, barco, o que dificulta o trabalho das autoridades. Enquanto no Sul, por exemplo, não há rios [e o escoamento de drogas por esses meios]", afirma.

Ineficiência do Estado

Para Betina Barros e Ivana David, o Estado vem falhando no combate às facções criminosas na Amazônia Legal em razão da carência de efetivo policial; de investimento em equipamentos, como embarcações, helicópteros e aviões; e de políticas públicas de prevenção aos crimes ambientais e ao narcotráfico.

A nota técnica do FBSP, por exemplo, mostra que os nove estados da Amazônia Legal possuem um delegado a cada 2.451 km² e um profissional da perícia criminal a cada 2.280 km², enquanto no Brasil essa proporção é muito menor: há um delegado a cada 734 km² e um profissional da perícia criminal a cada 720 km².

"Existe uma carência no efetivo que não dá conta do extenso território [amazônico], muito maior do que no Sul e Sudeste. A lógica de utilização de viaturas nessa região também é dominante, sendo que nesta região praticamente não há rodovias", critica Betina Barros.

Além do número baixo de policiais, a desembargadora do TJ-SP afirma que o Brasil, por ser signatário de convenções internacionais, não deve apenas reprimir a criminalidade, mas tem o compromisso de atuar na prevenção, incluindo o combate ao garimpo ilegal, à grilagem, ao desmatamento e à extração de madeira.

"Com a ausência de forças policiais para evitar os crimes e punir aqueles que praticaram atividades ilegais, as organizações criminosas encontram esse vácuo de poder. Então, matam cada vez mais para tomar mais espaço. A resposta disso são os lucros absurdos que elas obtêm", assinala Ivana David.

Investimento em políticas públicas

Um dos caminhos indicados pela pesquisadora do FBSP para o combate à criminalidade é o investimento em políticas públicas de médio a longo prazo. Para ela, atualmente houve um aumento somente em ações policiais consideradas imediatistas.

Em maio, por exemplo, as Forças Armadas e o Ibama destruíram 29 embarcações utilizadas pelo garimpo ilegal na região da floresta amazônica. A iniciativa faz parte da Operação Ágata Amazônia. O prejuízo causado aos garimpeiros pode ultrapassar a casa de R$ 49 milhões, porém a efetividade da ação é de curto prazo.

"É necessário criar uma política pública mais eficaz para todo esse território, garantindo a subsistência dessas pessoas que às vezes atuam na criminalidade ambiental como forma de garantir a sobrevivência. Elas precisam ter uma alternativa, e a polícia não vai conseguir fazer isso sozinha", afirma Betina Barros.

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À reportagem, as especialistas também reforçaram que há urgência no investimento da infraestrutura da polícia, incluindo o aumento do efetivo, a criação de mais delegacias especializadas em crimes ambientais e a aquisição de equipamentos, como helicópteros e embarcações.

O último pilar essencial para o combate às facções criminosas na Amazônia Legal é a interligação das forças de segurança nas esferas municipal, estadual e federal.

"Há uma infinidade de órgãos que precisam estar em alguma medida conversando para atuar de forma conjunta. A interligação dos mecanismos de governança é a única forma que o Estado tem para conseguir combater o crime que já está muito interligado. As organizações criminosas conseguem fazer isso ao se aliarem à criminalidade ambiental", finaliza Betina Barros.

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