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Consciência além do novembro: a negritude através da arte

Cultura afro envolve presente, passado e futuro pois trata-se de uma história vasta, que foi apagada no passado e que até hoje traz respingos à uma parcela da população que encontrou na arte uma forma de manter viva sua cultura

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Apenas um dia dentre 365 não é capaz de representar uma história que compreende luta, orgulho, resistência e ancestralidade. Apesar da teoria ser amplamente tratada em uma data específica do ano, a prática precisa ser feita ao longo de toda a vida.

A discussão sobre igualdade racial inundou as redes sociais e os noticiários nos últimos meses. Bandeiras, hashtags, gritos e punhos cerrados mostraram que a luta é por um protagonismo sem sangue e uma representação sem sufocamento.

Existem inúmeras formas de falar sobre a representação negra na atualidade e uma delas é por meio da arte, uma arte que educa, ocupa, ensina e se impõe à hegemonia branca, a qual insiste em apagar uma história que vai muito além dos navios negreiros.

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Crescendo rodeada de inspirações artísticas na família e sempre engajada na militância, a artista Jéssica Carvalho Vieira Gomes, mais conhecida como Kika Carvalho, descobriu que o mundo da arte vai além da simples estética e do “belo”. Ele é capaz de atingir a luta por direitos e a denúncia. Ela que já realizou exposições no Museu Capixaba do Negro (Mucane), em Vitória, sobre a violência contra mulheres pretas, entende que a representação artística da negritude é algo de caráter urgente.

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“Por muito tempo a gente não se viu naquela esfera, nós fomos colocados em um espaço de marginalização, de retrocesso e de violência e quando nós artistas negros nos representamos, trazemos um olhar mais humano sobre o que de fato somos e sobre as nossas potências”, apontou.

Durante a sua presença em movimentos sociais como feminismo, Kika sentiu um incômodo ao notar que, nesses grupos, a presença e a representatividade de mulheres negras não era expressiva. “Muitas coisas que eu vi no feminismo não se encaixavam na prática porque era um recorte de pensamentos construídos a partir do olhar de uma mulher branca e, muita das vezes, burguesa”, explicou.

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Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Kika Carvalho teve uma experiência que foi de suma importância não só para o seu currículo, mas para sua vivência enquanto artista negra: conheceu de perto a artista Rosalina Paulino. Em uma residência artística, ela pôde ver de perto o ateliê de Rosalina, conhecer livros de arte de pessoas negras e que contavam a história do continente africano.

Além de trabalhar o campo sensível, Kika defende que a arte trabalha como registro histórico. Para ela é como se o artista fosse uma antena entre os mais diversos períodos da história mundial.

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“É importante lembrar que o que nos foi ensinado é de que a história preta começou a partir da escravidão, só que a escravidão foi um momento específico. A história não começa ali, o povo foi sequestrado, ou seja, eles vieram de um lugar e esse lugar tinha uma história, mas não aprendemos essa história”, lembrou.

Música que vai além do ritmo

Falar sobre negritude nem sempre foi algo fácil. Hoje é possível encontrar infinitos grupos de discussões, militâncias e movimentos que pautam a igualdade racial. Cenário que, há décadas atrás, não era palpável e Geovana Diogo, também conhecida como Dj Gegeo, sabe bem disso.

Hoje com 30 anos e moradora do Bairro da Penha, em Vitória, lembra que a discussão sobre pessoas pretas na sua infância girava em torno de piadas. “Todo mundo de 10 ou 20 anos atrás, na época de escola, lembra que era um bullying constante e muito triste. Isso acabava com a vida da criança e principalmente com a autoestima”, relembrou.

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O percurso da jovem Geovana no caminho da música começou há cerca de 15 anos com uma brincadeira. Ela que trabalhou como empregada doméstica e em cozinhas, nunca deixou de lado a sua paixão por músicas, bailes e cultura em geral. Com o tempo ficou conhecida por sempre estar por dentro das músicas mais tocadas e depois de adquirir um computador, decidiu investir nas mixagens.

Em meio à cultura periférica, Geovana começou a pesquisar sobre um ritmo chamado “Afrobeat”, uma mistura de diversos ritmos como jazz, funk e batidas tradicionalmente africanas.

A música sempre esteve presente na sua rotina e ao se profissionalizar como dj, descobriu no Afrobeat um ritmo totalmente envolvente, que juntava ritmos que já faziam parte do seu repertório pessoal, como funk e samba. “A música pode alcançar diversos campos e está envolvida em todos os momentos da minha vida, ela me conforta, me empolga, me acalma”, disse.

Sempre acompanhada de música do início ao fim do dia, sem deixar de lado o trajeto do ônibus, Geovana descobriu no ritmo afro, algo que ia além da diversão e do trabalho e esbarrava na ancestralidade. “Não tem como não sentir aquele calor no coração, te dá uma liberdade na hora de dançar. Ainda tem casos de gente pedindo pra eu ensinar alguns movimento, a galera tem curiosidade”, contou.

Mãe da pequena Sarah, de 10 anos, Geovana aponta uma série de diferenças entre a personalidade dela na sua época de infância e a maneira com que sua filha aborda a negritude hoje. Ela conta que a filha tem um cabelo “blackpower” e aceita o estilo de maneira tranquila, diferente da Geovana de 20 anos atrás.

Se possível, a hoje Dj Gegeo, mandaria um recado de grande importância para a sua versão do passado. “Aceite-se do jeito que você é, porque ninguém vai tirar isso de você”.

Registro ancestral e contemporâneo

Apesar de sempre carregar o conceito da negritude consigo, foi depois de ingressar em movimentos militantes durante a graduação que a produtora Ingrid da Rocha Ricardo descobriu mais uma forma de homenagear e exaltar as potências negras.

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Foi por meio dos registros fotográficos que Ingrid, ou Iaiá Rocha, decidiu guiar seus trabalhos a respeito da cultura negra. Sempre interessada em fotografia, mas sem uma base profissional, a jovem gostava de registrar suas viagens por meio das imagens. Lugares históricos como museus, não podiam faltar nos roteiros turísticos.

Ao ingressar na graduação de Psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), descobriu um novo foco para os seus cliques depois de conhecer de perto os grupos de militância negra.

Juntando os conhecimentos obtidos na academia com a paixão pela fotografia, Iaiá passou a inserir pessoas pretas nos seus trabalhos. O tempo foi passando e ela criou o Projeto Foto Melanina. Um trabalho que envolve o resgate da memória afrodescendente e a representatividade e aborda também um viés futurista, tendo sempre pessoas pretas no centro.

Enquanto produtora e fotógrafa, Ingrid acredita no retrato da cultura africana para além da estética, ela acredita que é por meio da expressão que um povo pode mostrar ao mundo os problemas que tem sofrido há séculos.

“Uma pessoa negra na arte já é de muita potência pois a arte é expressão e autoconhecimento e conseguir criar novas coisas na arte, traz muitas possibilidades de falarmos da nossa realidade e de expressar nossa dor”, lembrou.

Perspectiva futura por meio da arte

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Apesar da história ter sua devida importância e ser um fator crucial para a memória e para a educação dos povos atuais, existem movimentos que vão além e fazem uma mistura de épocas, o chamado Afrofuturismo, um movimento artístico que surge para apresentar ao mundo uma perspectiva futura da cultura africana.

Seguindo esse preceito e focada na paixão por fotografia, Iaiá Rocha deu início a mais um dos trabalhos: o livro fotográfico “Um corpo para o futuro”. O exemplar conta com uma série de fotografias autorais que tratam o afrofuturismo como uma visão otimista para o futuro da população negra. Uma forma de ampliar horizontes e ocupar novos espaços.

“A maioria da nossa população está no presídio, nas favelas e em todo o tipo de miséria. Essa falta de oportunidades faz com que deixemos de sonhar. A gente tem sonhado pouco porque nos oportunizam a sonhar pouco”.

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