O uso excessivo, rotineiro e de forma indiscriminada de suplementos vitamínicos pode propiciar o desenvolvimento de uma série de doenças. Inclusive algumas mais graves como cânceres, por exemplo. Segundo Naira Fraga, nutricionista especialista em oncologia, o consumo dessas substâncias é bastante comum para a população. "(...) Possivelmente ao entrar na maioria das casas, pode ser encontrado um frasquinho, seja de vitaminas, minerais, polivitamínicos e outros compostos nutracêuticos, como o Ômega 3. Esse uso indiscriminado surge da ideia de que, por serem nutrientes importantes para o bom funcionamento do corpo e necessários à saúde, quanto mais, melhor", destacou a profissional. Um exemplo simples de como o uso dos suplementos pode ser prejudicial vem da vitamina D. A nutricionista alerta que em doses elevadas oferece riscos à saúde, uma vez que alteram o metabolismo ósseo favorecendo o enfraquecimento do osso e não o contrário. "Isso é prejudicial para toda a população, especialmente para a população idosa, onde a ocorrência desse enfraquecimento que a gente conhece como osteoporose, osteopenia, é mais comum ainda. Ou no caso da vitamina C, onde uma dose elevada também por longo período vai favorecer o surgimento de um tipo de cálculo renal específico". Existe ainda um outro alerta. Desta vez, para o uso do ferro. Por um período longo, ele altera a microbiota, um conjunto de bactérias e fungos que moram no intestino. Estudos apontam que a microbiota tem funções de grande relevância para o corpo-humano, tanto para a saúde mental quanto para doenças metabólicas. Entre as mais comuns: diabetes, colesterol alto, triglicerídeos, a saúde do fígado e renal.A nutricionista Naira Fraga lembra que se indicado por um profissional, os suplementos tornam-se importantes aliados à manutenção da saúde, podendo atuar solucionando algumas situações. Um exemplo seriam os pacientes que passam por cirurgias bariátricas, geralmente, candidatos à suplementação por conta da deficiência de vitamina B12 e de ferro provocadas pelas alterações que a intervenção promove, como a redução da absorção desses nutrientes. "Em algum momento, é possível que ele precise suplementar, mas isso não quer dizer que ele deva suplementar esses nutrientes a vida toda. O que ele precisa fazer é manter uma boa alimentação e, de tempos em tempos, ter acompanhamento com um profissional de saúde, fazer os exames de check-up e, se tiver necessidade, fazer a suplementação. Isso é sempre indicado pelo médico ou pelo nutricionista".Em casos de diarreia crônica e doenças inflamatórias do intestino, também existe uma necessidade de maior ingestão de alguns nutrientes e nem sempre isso, de acordo com especialistas, será sempre possível só com a alimentação. Em casos de anemia, se faz necessária uma correção, mas isso não quer dizer que será permanente.Fora as situações patológicas, existem ainda os casos de pessoas saudáveis que descobrem a necessidade de corrigir deficiências vitamínicas e de minerais nos exames de rotina. "A indicação é entrar com a suplementação, guiada sempre pelo profissional. Não adianta olharmos na internet 'tenho esse sintoma, vou suplementar porque vai resolver' porque, na maioria das vezes, esses sintomas são multifatoriais; a vitamina ou o mineral em deficiência será só um ponto dentro da complexidade que gera este sinal", aponta Fraga. Um estudo divulgado em janeiro deste ano no The Journal of Nutrition, da National Cancer Institute de Bethesda, indicou que o uso excessivo de suplementos multivitamínicos pode propiciar o desenvolvimento de doenças mais graves como cânceres.O estudo levou em consideração o risco da doença e o uso de vitaminas: sejam polivitamínicos ou vitaminas isoladas. A partir daí, os pesquisadores conseguiram identificar que, especialmente para homens, houve, sim, um aumento do risco de câncer."Pensando nesse estudo que foi publicado agora em 2022, realizado a partir de uma corte, que é um estudo em que a população é seguida por muitos anos, nesse caso, os pesquisadores começaram a seguir os pacientes por volta de 1995 a 1998, e apenas atualmente eles estão vendo o efeito que algumas práticas, hábitos e características podem favorecer a ocorrência de certas doenças", pontuou a nutricionista.Naira lembra ainda que quando se fala em risco de câncer, não quer dizer que o suplemento causou o câncer uma vez que trata-se de definições diferentes. "Então há esse aumento de risco, por exemplo, para câncer de próstata, de pulmão, de leucemia; e para mulher, o único câncer que foi associado ao uso das vitaminas foi o câncer de orofaringe. Em contrapartida, eles também conseguiram observar que houve uma redução de câncer de colón com uso de multivitamínicos. Então é um espaço que ainda precisa ser muito estudado, mas que, de forma geral, existem diversos prejuízos que podem acontecer com o uso exacerbado, concluiu.Para a nutricionista, os resultados impactam na forma como os profissionais olham para os suplementos e que isso se torna um indício, mais um reforço, de que esse uso indiscriminado não deve acontecer. Quando se fala em saúde, é senso comum que uma alimentação bem balanceada é capaz de fornecer ao organismo os nutrientes necessários e nas doses exatas para garantir a qualidade para a maioria da população. "A realidade que vivemos hoje é que a população tem uma alimentação em extremo desequilíbrio e isso favorece a deficiência, mas, antes de corrigir com a suplementação, é importante corrigir com a alimentação", acrescentou a nutricionista.Naira alerta ainda que não é possível pensar em saúde se baseando em coisas artificiais. "Quando pensamos em saúde, temos que pensar no natural, no que é fisiológico: a alimentação, os nutrientes vindos dos alimentos. Alguns dados já indicam que nem sempre o suplemento vai ser o mais indicado para a nossa saúde", finalizou.