Ineficiência da política pública e pacto do silêncio contribuem para alta de violência contra crianças
Anuário de Segurança Pública indica aumento de registros de maus-tratos, abandono de incapaz, lesão corporal e estupros
Cidades|Joyce Ribeiro, do R7
A 16ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicou alta em 2021 na maior parte dos crimes contra crianças e adolescentes, entre eles maus-tratos, lesão corporal no âmbito de violência doméstica, abandono de incapaz, estupro, pornografia infanto-juvenil e exploração sexual. Houve redução apenas nos assassinatos na faixa etária de 0 a 17 anos. Atuar na prevenção pode frear os indicadores, segundo especialistas.
"Este é o momento propício para discutirmos na LOA [Lei Orçamentária Anual] o investimento em prevenção. Em fenômenos sociais complexos como a violência, temos mais chances de sucesso quando investimos em prevenção, sobretudo quando se observa alguma redução dos índices", afirma Lucas Lopes, que é ponto focal da Coalizão Brasileira pelo fim da violência contra crianças e adolescentes e membro do grupo coordenador da Agenda 227.
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Para o cientista social, há um pacto de silêncio na sociedade que contribui para o aumento da violência, uma vez que não se discutem crimes contra crianças e adolescentes, que ocorrem, em sua maioria, dentro das residências.
"Naturalizamos a violência porque a sociedade é violenta e há um discurso de ódio. Nem sempre a subnotificação dos casos é por falta de acesso à informação, mas também por vergonha", afirma.
Dados fragmentados
Segundo Lucas Lopes, o Estado tem uma baixa capacidade de implementar políticas públicas com base em dados e evidências. Sem estatísticas reais, o poder público se torna "quase sempre incapaz e ineficiente no enfrentamento".
Isso ocorre porque, para o especialista, não há um sistema governamental com dados unificados que englobam segurança, saúde, educação, Ministério da Cidadania, sistema de Justiça e assistência social.
"O plano de governo deve nortear ações, mas foca campanhas e acesso à informação. A solução não é só tecnologia. A dificuldade maior é a vontade política. Deflagrar uma situação mais grave do que a que conhecemos vai demandar ainda mais investimentos", revela.
Até hoje o Brasil não é capaz de responder à questão sobre qual é o custo da violência em perspectivas econômicas e de direitos humanos, como na redução da capacidade produtiva das vítimas e os impactos financeiros para a saúde, segurança e assistência social.
"Investir na prevenção da violência é a única alternativa. Hoje se investe no pós-violatório", enfatiza.
A redução no acesso e porte de armas e munições também contribuiria na queda do número de mortes e acidentes domésticos com vítimas. "Quando o algoz porta arma, as chances de sobrevivência são menores", relata.
Enfrentamento
Segundo Lucas Lopes, para mudar o atual cenário no país, será preciso um esforço maior do poder público em prevenção:
• investimento em programas de transferência de renda e aumento da empregabilidade;
• empoderamento de mulheres e meninas;
• redução do armamento da população;
• aprimoramento do sistema de informações e dados de crianças e adolescentes.
Mas duas medidas simples também podem frear a violência, na avaliação da Agenda 227, como falar da violência em escolas, nos lares e na sociedade e fortalecer os espaços de participação social, como conselhos e comunidades.
"Comportamentos violentos podem ser barrados e identificados em grupos. Somos vítimas e testemunhas da violência. O corpo guarda essa memória. É fundamental falar de educação sexual e práticas violentas para a criança identificar as violações psicológicas e físicas, agressões, ameaças e abusos. É custo zero romper o pacto do silêncio", conclui.