Mudança para ônibus elétricos esbarra em preço de coletivos e da estrutura para recarga
Coletivos a bateria custam R$ 2,5 milhões, o triplo do a combustão, mas despesas com abastecimento diluem o investimento
Cidades|Carlos Ferreira, do R7, enviado a Bogotá, na Colômbia*
Desde 2022, a cidade de São Paulo se comprometeu e enfrenta o desafio de substituir a frota de ônibus a combustão, mais poluentes, pelos movidos a bateria. A legislação aprovada naquele ano proíbe a compra de unidades movidas a combustível fóssil para atender a meta de redução de gases nocivos, prevista na lei de mudanças climáticas.
A troca, porém, ainda esbarra no custo para a compra dos coletivos — com valor médio de R$ 2,5 milhões, o triplo do ônibus tradicional — e no investimento necessário para adaptar a infraestrutura atual das garagens para fazer a recarga rápida dos coletivos quando estiverem fora de circulação, normalmente à noite.
Até o fim de 2024, a prefeitura paulistana estipulou a meta de colocar 2.600 ônibus elétricos em operação para substituir 20% da frota a combustão — hoje, são 13,3 mil coletivos nas ruas. O objetivo, porém, está distante porque 181 ônibus elétricos estão em operação — 7% do total previsto.
O projeto para renovação da frota tem custo estimado superior a R$ 5 bilhões. Para cobrir os gastos, a prefeitura conseguiu financiamentos de R$ 2,5 bilhões do BNDES e de outros R$ 2,5 bilhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), além de empréstimos junto ao Banco do Brasil e à Caixa.
A SPTrans, órgão responsável por gerenciar o transporte na capital paulista, informou que a prefeitura subsidiará apenas a diferença de custo entre o ônibus elétrico e o ônibus com motor a combustão, efetuando o pagamento diretamente à empresa fornecedora dos ônibus.
O órgão afirma ainda que “o subsídio para a eletrificação da frota será utilizado na redução do valor dos futuros pagamentos às concessionárias, sendo que a estimativa é que cada R$ 1 de subsídio atual gerará economia de aproximadamente R$ 2 para os cofres municipais no futuro”.
O diretor de vendas de ônibus da BYD, Bruno Paiva, admite que investimento no ônibus a bateria é maior que a combustão. Porém, pondera que custos podem ser diluídos com o tempo e o valor, recuperado. “Um veículo movido a diesel gasta por mês mais ou menos R$ 13 mil para ser reabastecido. Para um movido a eletricidade, o gasto é de R$ 3.000 por mês”, afirma.
Segundo a SPTrans, os veículos estão sendo fabricados de acordo com a capacidade produtiva dos diversos fornecedores envolvidos no processo de construção.
Infraestrutura
A eletrificação da frota na cidade possui outro entrave: a estrutura incipiente. Nem as garagens nem a rede de distribuição estão prontas para a nova tecnologia. São necessárias atualizações e modernizações.
O processo requer a criação de dois tipos de infraestrutura. A primeira refere-se aos carregadores elétricos e equipamentos (subestações, quadros elétricos, cabeamentos etc) que precisam ser instalados nas garagens. A segunda são as redes elétricas fora das garagens (em média ou alta tensão), que pertencem às distribuidoras de energia local (no caso do município de São Paulo, a Enel).
Em São Paulo, uma das empresas habilitadas para o fornecimento desta tecnologia aos pátios é a Enel X Brasil. A empresa de soluções em energia do Grupo Enel diz que já investiu cerca de R$ 160 milhões para o carregamento de 50 ônibus, em circulação desde setembro de 2023.
O diretor da Enel X, Carlos Eduardo Cardoso de Souza, explica que a empresa participou da instalação de equipamentos em quatro garagens nas zonas sul e leste da capital.
“O projeto em curso contempla o fornecimento de toda a infraestrutura de recarga e adequação das subestações com atendimento em média tensão com 13.8 kV. Em cada um dos locais, foram realizadas avaliações preliminares do sistema elétrico interno, efetuada a avaliação da melhor solução de infraestrutura com construção de novas subestações e adequação com aumento de carga nas subestações existentes”, detalha.
As transações, explica o executivo, são feitas diretamente com as concessionárias e não com a prefeitura. “São negociações bilaterais envolvendo os operadores e potenciais fornecedores deste tipo de solução de infraestrutura. Atualmente, temos conversas em curso, mas, como este processo é negociado no mercado, é possível que os operadores escolham seguir com outros prestadores de serviço”, conclui.
Mesmo com todas as dificuldades, que inclui ainda ajustes nos contratos de concessão e treinamento de funcionários para a manutenção dos veículos, a capital paulista está à frente das grandes cidades brasileiras. Salvador, por exemplo, possui oito ônibus elétricos em circulação e um terminal que pode recarregar 20 unidades ao mesmo tempo.
Em Curitiba, cujo sistema de transporte é considerado modelo, os primeiros seis veículos devem começar a circular até agosto. Segundo a Urbs, que administra o transporte na cidade, a meta é que até 2030, 33% da frota da capital seja zero emissão, percentual que deve alcançar 100% até 2050.
Outras cidades como Porto Alegre e Belo Horizonte já realizaram testes com poucas unidades, mas ainda estudam a implantação. Já o Rio de Janeiro aprovou somente em março deste ano a lei para a troca gradual da frota, que deve ser 100% elétrica até 2040.
Exemplo de Bogotá
A cidade de Bogotá, na Colômbia, iniciou a eletrificação da frota em 2022, devido à necessidade de adaptação do transporte durante a pandemia. Novas concessões foram realizadas, e algumas empresas apostaram em um meio de transporte livre de emissão de gases que prejudicam o meio ambiente.
Dois anos depois, duas empresas tornaram-se modelos a serem seguidos, com a construção de estruturas modernas, aquisição de novas tecnologias e comprometimento com a sociedade. O R7 visitou a cidade para entender o funcionamento dessas garagens e o impacto para a população.
Inaugurada em setembro de 2022, a garagem da transportadora La Rolita possui um sistema de carga único na Colômbia, que permite o “abastecimento” de mais ônibus ao mesmo tempo em um espaço físico menor. Os veículos estacionam sob uma estrutura metálica, que suporta os equipamentos responsáveis por distribuir a energia para as tomadas.
A empresa possui 195 ônibus elétricos, todos da chinesa BYD, que têm autonomia para rodar entre 280 km e 320 km por dia. Porém, percorrem, em média, 190 km pela cidade. Logo, não há a preocupação de um veículo parar por falta de energia. À noite, os veículos voltam para a garagem para recarregar, o que leva de 1h30 a 5h, dependendo de quantos estão plugados nas tomadas ao mesmo tempo.
Com uma área de 33 mil metros quadrados, o equivalente a quase cinco campos do Morumbi, a viação tem cerca de 600 funcionários, sendo que todos os condutores são mulheres (284), e atende a 44 mil pessoas por dia em dez linhas. A estimativa é que, por ano, a frota elétrica da empresa deixa de emitir 6.000 toneladas de gases do efeito estufa.
Ônibus elétricos na América Latina
É em Bogotá também onde está localizada a maior garagem de ônibus elétricos da América Latina. Nela, a Green Móvil opera uma frota de 406 veículos, com 1.200 funcionários, sendo mil deles condutores.
Em um exemplo de como as PPPs (parcerias público-privadas) podem render bons frutos, foi necessário apenas um ano do início do projeto, passando pela construção, compra dos veículos até o início da operação. O investimento foi de US$ 20 milhões (cerca de R$ 100 milhões).
O terreno da garagem passou por várias obras de adaptação para suportar os ônibus elétricos, que pesam mais que os convencionais por conta das baterias. São 381 pontos de carga.
A gerente regional da BYD da Colômbia, Lara Zhang, explica que o processo de eletrificação em Bogotá foi acelerado graças às parcerias entre iniciativa privada e setor público. As empresas receberam subsídios do governo.
Além disso, houve isenção de impostos (na Colômbia não há taxação na importação de veículos elétricos) e financiamentos nacionais e internacionais.
Em São Paulo, de acordo com a Secretaria Municipal da Fazenda, não existe nenhum benefício específico previsto para a frota de ônibus elétricos.
*O jornalista viajou a convite da BYD Brasil