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‘O Rivotril e a Língua’ é a nova coluna do professor João Trindade

Tenho a mania de, quando perco o sono, ler bula de remédio. O post ‘O Rivotril e a Língua’ é a nova coluna do professor João Trindade apareceu primeiro em Portal Correio.

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Tenho a mania de, quando perco o sono, ler bula de remédio. É que não durmo sem ler; a ponto de, se não “passar os olhos” em qualquer coisa antes de dormir, ter pesadelo e gritar durante o sono. Para o leitor ter ideia, no dia do meu baile de formatura em Direito (o primeiro curso de graduação que concluí) cheguei a casa, após passar a noite acordado, às quatro da manhã, alcoolizado, mas só dormi quando li a bula de um medicamento.

Semana passada, foi a vez do Rivotril.

E não é que tive surpresas agradáveis quanto à bula do medicamento, em relação à Língua Portuguesa?

Vamos ao que garimpei e vai servir bastante para o querido leitor:

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1.CORRESPONDÊNCIA DE TEMPOS VERBAIS (assunto bastante cobrado em concurso, atualmente):

Caso a depressão do Sistema Nervoso Central FOR (destaque nosso) severa, deve-se levar em consideração o uso de flumazenil (Lanexat®), um antagonista específico do receptor benzodiazepínico.

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Nesse caso, houve um erro de correspondência de tempo verbal. O certo seria:

Caso a depressão do sistema nervoso SEJA severa, deve-se levar em consideração (…).

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Como a primeira oração (subordinada) começou com uma conjunção subordinativa condicional (caso), o verbo da oração principal teria que ficar no presente do subjuntivo (seja).

CRASE (Esse tipo de incidência de crase é bastante cobrada pelo Cespe/UNB):

O clonazepam é eficaz no tratamento de crises convulsivas tipo ausência em pacientes refratários a terapia convencional. 

Aqui, parabéns a quem redigiu a bula! Costuma-se confundir a regra geral da crase. Para haver crase, não basta que haja um elemento regente transitivo indireto e que se junte a uma palavra feminina: é preciso que haja um elemento transitivo indireto (nome ou verbo) que exija a preposição A e que se junte a uma palavra feminina que exija o artigo A (não qualquer palavra feminina). No caso, apesar de o termo “refratários” ser transitivo indireto e se juntar a uma palavra feminina, esta não exige o artigo A. 

Observe que a observação se refere a pacientes refratários A (uma) terapia convencional. A expressão não é determinativa; e, em não sendo determinativa, não exige o artigo A, apesar de ser feminina. E só haverá crase se tivermos A (preposição) + A (artigo) ou A (inicial dos pronomes aquele, aqueles, aquela, aquela, aquilo).

E quem redigiu a bula de Rivotril provou que realmente entende de crase, porque, mais à frente, mostrou um exemplo oposto: ou seja, mostrou quando há a necessidade da crase (quando o elemento feminino vem determinado). Observemos:

Os efeitos colaterais que ocorreram com maior frequência com Rivotril® são referentes à depressão do sistema nervoso central. 

Aqui, sim, temos a obrigatoriedade da crase. O termo “referentes” exige a preposição A e se junta a um termo feminino DETERMINATIVO: “depressão do sistema nervoso”. Nesse caso, temos a preposição A, exigida pelo termo “referentes” e o artigo A, exigido pelo termo determinativo “depressão do sistema nervoso”; a frase não se refere a uma depressão qualquer, mas à depressão do sistema nervoso.

Finalmente, a bula do Rivotril dá um show de Língua Portuguesa, em relação ao USO DO INFINITIVO, uma das poucas coisas difíceis desta. Vamos ao excelente exemplo:

“Os comprimidos sublinguais devem ser colocados sob a língua para serem dissolvidos na saliva e sofrerem absorção.”

Uso perfeito do infinitivo! Essa é uma prova de que o emprego do infinitivo não é apenas gramatical, mas estilístico. O infinitivo foi flexionado para se enfatizar a questão da dissolução dos comprimidos na saliva, uma vez que a proposição (frase) é longa. 

Nesse caso, é perfeitamente admissível a flexão do modo aludido.

(Esse texto é dedicado ao psiquiatra, ex-aluno e amigo Alfredo Minervino).

* João Trindade

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