Entre os 214,3 milhões de brasileiros, 100 milhões ainda não possuem acesso à coleta de esgoto e cerca de 35 milhões sofrem com a falta de água potável. O país também tem grandes dificuldades com o tratamento do esgoto. Apenas 51,2% do volume gerado é tratado, ou seja, mais de 5.500 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente. Os dados são do Ranking do Saneamento 2023, do Instituto Trata Brasil, divulgados nesta segunda-feira (20), em comemoração da Semana da Água. O relatório faz uma análise dos indicadores dos cem maiores municípios do Brasil, com base no SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), do ano de 2021. Para a presidente-executiva do Trata Brasil, Luana Pretto, o tratamento dos esgotos é o indicador que está mais distante da universalização nas cidades e se mostra o principal gargalo a ser superado. A carga poluente de esgoto não tratado no Brasil despejado nos rios, mares e lagos tem como consequência a degradação do meio ambiente, além de prejudicar a saúde da população. A expansão das redes de coleta e tratamento de esgoto, além do fornecimento de água potável à população, está diretamente relacionada aos investimentos. Ao R7, Pretto afirma que a falta de investimento por parte dos governos federal, estaduais e municipais é uma consequência de uma política pública que não prioriza o saneamento básico. "Isso fica claro quando olhamos os 20 maiores municípios que investem, em média, R$ 166 por habitante, enquanto os 20 piores investem apenas R$ 55 por pessoa", exemplifica. De acordo com dados do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico), divulgados pelo Trata Brasil, os investimentos anuais médios per capita para alcançar a universalização desses serviços são de aproximadamente R$ 203,51 por habitante. Entretanto, os recursos aplicados por cada município são muito divergentes. Cuiabá foi a capital que mais investiu, com R$ 369,33 por habitante. A segunda capital que mais investiu em termos per capita foi São Paulo, com R$ 209,33, seguida de Natal, com R$ 187,32. Os patamares mais baixos foram observados em Rio Branco, com R$ 32,63 por habitante, em Maceió, com R$ 31,68, e em Macapá, com apenas R$ 16,94. Pedro Scazufca, economista e consultor do Instituto Trata Brasil, reforça a necessidade de investimentos ao citar a lei que prevê como meta a cobertura de água potável para 99% da população e coleta de esgoto para 90% até 2033. “As cidades precisam realmente ter um prestador de serviços que demonstre capacidade econômica financeira para realizar esses investimentos [para cumprir as metas]”, afirma Scazufca. Além de criticar a falta de prioridade ao tema, o pesquisador cita exemplos de municípios que já alcançaram bons resultados, como Cuiabá, e outros que iniciaram projetos em 2021 — ano dos dados do estudo —, e ainda não colheram esses frutos. Casos de Maceió e Macapá, que, portanto, não estão bem colocadas no ranking, pondera ele.Comparando as 20 melhores cidades com as 20 piores, há diferenças alarmantes nos indicadores: ● 99,75% da população dos 20 melhores municípios tem acesso às redes de água potável, enquanto nos 20 piores o índice é de 79,59% ● 97,96% da população nas 20 melhores cidades tem acesso à rede de coleta de esgoto, enquanto somente 29,25% da população nas 20 piores são assistidas ● o primeiro grupo tem em média 80,06% de cobertura de tratamento de esgoto, o grupo dos piores oferece apenas 18,21% de cobertura à população ● a diferença no indicador de tratamento de esgoto entre os 20 municípios mais bem posicionados em relação aos 20 piores é de 340%Segundo a pesquisa, os 20 melhores municípios do Ranking de 2023 são: ● oito de São Paulo (São José do Rio Preto, Santos, Limeira, Piracicaba, São Paulo, Franca, Sorocaba e Suzano) ● seis do Paraná (São José dos Pinhais, Cascavel, Ponta Grossa, Maringá, Curitiba e Londrina) ● um de Minas Gerais (Uberlândia) ● um do Rio de Janeiro (Niterói) ● um do Tocantins (Palmas) ● um da Paraíba (Campina Grande) ● um da Bahia (Vitória da Conquista) ● Brasília, no Distrito FederalEnquanto, as 20 piores cidades do Ranking de 2023 são: ● quatro do Pará (Ananindeua, Pará, Santarém e Marabá) ● quatro do Rio de Janeiro (Belford Roxo, São João de Meriti, Duque de Caxias e São Gonçalo) ● dois do Rio Grande do Sul (Pelotas e Gravataí) ● um do Ceará (Caucaia) ● um do Espiríto Santo (Cariacica) ● um de Amazonas (Manaus) ● um do Rio Grande do Sul (Pelotas) ● um do Maranhão (São Luís) ● um de Pernambuco (Jaboatão dos Guararapes) ● um de Mato Grosso (Várzea Grande) ● um de Alagoas (Maceió) ● um do Acre (Rio Branco) ● um de Roraima (Porto Velho) ● um de Amapá (Macapá) Segundo Luana Pretto, os habitantes dos municípios sem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto estão mais vulneráveis a algumas doenças como diarreia, leptospirose, hepatite, verminoses e doenças ginecológicas, causadas pela ingestão de água contaminada ou pelo contato da pele com a água ou solos contaminados. "Cada episódio de diarreia afasta as crianças de um a quatro dias de suas atividades. [A doença] afeta a educação, os estudos e reduz a possibilidade de ascensão social e do desenvolvimento. As pessoas se acostumam com a doença, e não percebem a correlação do contato com o esgoto, alerta a presidente-executiva do Trata Brasil. Para Pedro Scazufca, o que cabe aos municípios, dado o atual cenário, é buscar contratos e estruturar projetos sólidos para atrair investimentos, independentemente do formato (parcerias público-privadas, concessões ou outros) e alcançar as metas de cobertura de água potável e coleta de esgoto. Avançar na busca por esses objetivos levará benefícios diretos e indiretos para a população, diz o pesquisador: desde a geração de empregos na construção civil, por exemplo, à melhora na saúde pública e o combate à evasão escolar. “Além disso, trazendo um melhor condicionamento para uma localidade, há uma valorização urbana. Tem uma série de benefícios associados ao investimento em saneamento”, conclui.