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Territórios indígenas têm, em média, um médico para cada 1.183 habitantes

Brasil tem um médico para 342 pessoas, em média; levantamento mostra Distritos Sanitários indígenas com maior déficit de profissionais

Cidades|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

Alguns territórios têm um médico para cada 2 mil indígenas Karina Zambrana/Sesai - 26.07.20

Os DSEIs (Distritos Sanitários Indígenas) do Brasil têm, em média, um médico para cada 1.183 habitantes, segundo dados exclusivos levantados pelo R7 via Lei de Acesso à Informação. Ao todo, são mais de 806 mil indígenas no país, divididos em 6.900 aldeias e 559 terras indígenas. Até 13 de setembro, ao menos 681 médicos atuavam em territórios indígenas.

Os números mostram a dificuldade de provimento de profissionais em comparação com o cenário nacional, que tem um médico para 342 pessoas em média, conforme a última atualização do Conselho Federal de Medicina.

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Os Distritos Sanitários Indígenas são unidades descentralizadas que tomam conta do atendimento do ponto de vista regional. A pesquisa feita pelo R7 mostra, por exemplo, que alguns dos 34 DSEIs chegam a ter um médico para mais de 2.000 indígenas.

É o caso do DSEI Alto Rio Solimões (AM), que tem 30 médicos para uma população de 72,5 mil indígenas — o equivalente a um médico para cada 2.400 indígenas —; do DSEI de Parintins (AM), 2.400 indígenas por médico; e do DSEI Kaiapó do Mato Grosso (MT), com 2.300 indígenas a cada médico.


As unidades com sobrecarga menor são o DSEI de Vilhena (RO), com 439 indígenas por médico; seguido do DSEI Litoral Sul (PR), com 554 indígenas por médico; e o DSEI Minas Gerais e Espírito Santo, com 567 indígenas por médico. Ainda assim, nenhum deles chega à média do Brasil, de 342 pessoas por médico.

Os números revelam déficits mesmo com as últimas melhorias feitas pelo Ministério da Saúde. Conforme o R7 mostrou em reportagem exclusiva, a pasta aumentou em 42% o número de médicos entre o ano passado e este ano. A solução, contudo, segundo a avaliação dos especialistas, ainda é paliativa.


Profissionais em atuação nos DSEIs Luce Costa/Arte R7

Questionado sobre o cenário enfrentado nos territórios, o Ministério da Saúde disse que implementa diversas ações para eliminar os vazios assistenciais, “alvos de forte desestruturação nos últimos anos”. A pasta também alega que está com um novo chamamento para o Programa Mais Médicos que deve contratar cerca de 196 profissionais especificamente para a saúde indígena.

A pasta reconhece, no entanto, que existem “fatores que interferem na permanência dos profissionais nos territórios indígenas, como contextos interculturais, dificuldades de acesso, escalas de serviço para a continuidade em área, entre outros, que acarretam desligamentos” (veja nota completa abaixo).


Especificidades no atendimento

Professor e coordenador do curso de Etnodesenvolvimento do campus Altamira da UFPA (Universidade Federal do Pará), Uwira Xakriabá explica que são vários os motivos que dificultam a alocação de médicos e outros profissionais de saúde nos territórios indígenas.

Os salários oferecidos aos profissionais não estão adequados às condições de trabalho. As escalas de trabalho são maiores, sobretudo na região norte (porque os médicos precisam ficar nas unidades por dias), o meio de transporte fluvial ou aéreo para áreas remotas oferece riscos, e essas áreas contam com pouca infraestrutura de comunicação e hospedagem, o que acaba levando esses profissionais a optarem por trabalhar nas sedes dos municípios

(Uwira Xakriabá, professor de etnodesenvolvimento da UFPA)

O problema tem sido enfrentado pelo Programa Mais Médicos, que oferece estratégias específicas para os profissionais que atendem em locais de difícil acesso. A pasta ressalta que a formação acadêmica também costuma ser carente de disciplinas que capacitem o profissional para lidar com a saúde indígena e a diversidade dos povos.

Para Uwira Xakriabá, a falta de demarcação de terras é outro ponto que dificulta uma solução mais efetiva.

Para construir polos-base de atenção à saúde indígena é necessário que as terras onde eles precisam ser construídos estejam demarcadas como terras indígenas, e parte considerável das terras indígenas no Brasil ainda não estão demarcadas impossibilitando a construção dos polos e a contratação de profissionais de saúde para atuar neles

(Uwira Xakriabá, professor da UFPA)

Somado ao cenário desafiador, o especialista cita os garimpos ilegais e a ação de madeireiros, que vulnerabilizam a atuação dos profissionais de saúde.

Para solucionar os problemas, Uwira Xakriabá avalia que “as terras indígenas precisam ser demarcadas e desintrusadas [quando ocorre a retirada de invasores e a terra é devolvida a um povo] como marco inicial de uma mudança que não seja paliativa”. “Concomitantemente, as universidades precisam incluir disciplinas referentes à saúde indígena em todos os seus cursos da área de saúde, bem como antropologia e interculturalidade”, diz.

O indígena alerta ainda que a ausência de médicos cria enormes demandas. “Se não há médicos, não há diagnósticos e a assistência à saúde deixa de ser preventiva e assume o papel exclusivo de ser curativa, as pessoas adoecem e morrem nas aldeias sem assistência médica. Depois, quando [o governo] consegue contratar esses profissionais, eles precisam antes lidar com a demanda reprimidas para depois avançar na construção de assistência que esteja primordialmente ligada prevenção, imunização e promoção da saúde”, analisa.

Dificuldade no tratamento

Secretária-geral do CFM (Conselho Federal de Medicina) e coordenadora da Comissão de Integração de Médicos de Fronteira, Dilza Ribeiro também elenca desafios culturais e de comunicação. “Há desafios como escassez de medicamentos e os problemas sistêmicos. Vemos a baixa qualidade dos serviços, a falta de preparo de alguns profissionais para atender emergência nesses locais e a mortalidade infantil, que ainda é muito alta”, pondera.

Dilza ajuda a administrar o Hospital Regional do Juruá, em Cruzeiro do Sul (AC), e conta que há várias comunidades indígenas nos arredores. “A gente vê as doenças infantis, os idosos indígenas e a falta de cuidado. Alguns [indígenas], por exemplo, respeitam a medicação sugerida; outros, nem tanto. E a gente tem que realmente respeitar a cultura dos indígenas. É muito importante a questão da humanização”, salienta.

A coordenadora da Comissão de Integração de Médicos de Fronteira aponta também que muitas vezes a população leva doenças aos indígenas, como tuberculose, infecções respiratórias, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis.

A invasão de garimpeiros nessas terras gera ainda contaminação da biodiversidade por mercúrio. O desmatamento e grandes plantações também prejudicam algumas áreas indígenas. A gente discute muito na nossa comissão no CFM como fazer para melhorar a situação dos povos indígenas. Formar barreiras sanitárias seria muito importante também

(Secretária-geral do CFM, Dilza Ribeiro)

Dificuldade de logística

A logística é outro problema enfrentado na hora de enviar profissionais de saúde para os DSEIs e aldeias indígenas. Antropólogo e Cientista Político da UFMA (Universidade Federal do Amazonas), Raimundo Nonato observa que “recrutar, selecionar e encaminhar médicos para regiões distantes dos centros urbanos sem oferecer instrumentos adequados para o atendimento ao cidadão indígena se traduz em medida paliativa”.

“A construção de uma logística para o deslocamento de pessoas para a atenção primária é uma linha a seguir. O governo federal pode levantar informações sobre as comunidades indígenas e a quantidade de população em cada uma. Em geral, as maiores comunidades são onde a proporção entre população e médico é mais sentida, principalmente em comunidades distantes. É o caso da região do Alto Rio Içana (AM) ou ainda o extremo norte do estado do Amapá e a região do Vale do Javari”, pontua.

Para além da atenção médica, o profissional lista a importância da sinergia com medidas públicas “em atenção ao fornecimento de água potável e tratadas, segurança alimentar e o combate a dependência química, entre outros problemas que afetam diretamente à saúde indígena”.

“Os pajés sozinhos não conseguem curar a terra, nem restabelecer a saúde de todos, porque as doenças do branco rondam as aldeias”, lamenta.

Conflitos ambientais

Professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC (Universidade Federal do Ceará) e médica de Família e Comunidade, Magda Almeida esclarece que os desafios de alocar profissionais de saúde nos territórios indígenas já foram amplamente mapeados por pesquisadores.

Temos os desafios geográficos, por exemplo. Muitas aldeias indígenas estão localizadas em áreas remotas, com acesso limitado à infraestrutura básica, como estradas, transporte público, energia elétrica e telecomunicações. A logística para chegar a essas localidades é complexa, e muitas vezes perigosa, com vários meios de transporte: avião, barco, lancha, carro 4x4. No caso dos profissionais de saúde, existe também um fenômeno que precisa ser levado em consideração que é a feminização das profissões de saúde, inclusive a medicina

(Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC)

Magda observa que o trabalho nessas áreas apresenta desafios adicionais para as mulheres. “Como questões de segurança pessoal, em um país com alto índice de feminicídio e estupro, além da necessidade de infraestruturas adequadas, incluindo moradia e suporte para conciliar responsabilidades familiares. Em locais isolados, a falta de apoio e de recursos específicos para atender as necessidades dessas profissionais pode ser um obstáculo à sua permanência”, analisa.

Além disso, a professora pontua que trabalhar em regiões remotas pode exigir longos períodos longe de casa, o que particularmente é difícil para aquelas com responsabilidades familiares, como cuidado de filhos ou de idosos.

Para Magda, é necessário pensar em infraestrutura adequada para esses locais, com políticas de apoio familiar e promoção de um ambiente de trabalho inclusivo e seguro.

No Judiciário, além de altos salários, os profissionais têm acesso à educação continuada, cursos e formações, começando suas carreiras em regiões distantes e, com o tempo, podendo se realocar para capitais. Se aplicássemos um modelo semelhante para os profissionais de saúde, poderíamos atrair mais médicos para áreas remotas como os DSEIs, oferecendo não apenas incentivos financeiros, mas também oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo e uma trajetória clara de progressão na carreira, garantindo assim um atendimento de saúde de qualidade em todo o país

(Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC)

Magda afirma que o “modelo não só garante que as regiões mais remotas tenham acesso a esses profissionais, mas também oferece uma trajetória clara de crescimento na carreira”.

O que diz o Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde informa que tem implementado ações para eliminar vazios assistenciais nos territórios indígenas, alvos de forte desestruturação nos últimos anos.

Em mais um esforço para garantir assistência aos povos indígenas, está vigente o Edital Nº 5/2024 referente ao 39º ciclo de chamamento do Programa Mais Médicos, que prevê a contratação de 196 profissionais especificamente para a saúde indígena.

Outro investimento é a parceria com a Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS), que já garantiu a contratação de 129 profissionais para o território Yanomami, por exemplo. A medida será implementada em todo o país.

Entre 2019 e 2024, o Ministério da Saúde ampliou o número de profissionais e trabalhadores da saúde indígena nos territórios. O número de agentes de combate a endemias, por exemplo, subiu de 270, em 2019, para 358 neste ano. Alta de 32,5%. Na mesma tendência, o quadro de enfermeiros cresceu 15,9% no mesmo período, passando de 1.528 para 1.772. Já o total de técnicos de enfermagem passou de 3.450, para 3.840 — acréscimo de 11,3%.

Além das contratações, o Ministério da Saúde investe na capacitação dos profissionais, melhoria da infraestrutura das unidades de saúde e articulação com as demais instâncias do Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir o acesso dos povos indígenas aos atendimentos de média e alta complexidade.

Existem, ainda, fatores que interferem na permanência dos profissionais nos territórios indígenas, como contextos interculturais, dificuldades de acesso, escalas de serviço para a continuidade em área, entre outros, que acarretam desligamentos.

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