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Uma ‘elegante’ ideia brasileira pagaria bilhões para proteger as árvores

Novo fundo se propõe a pagar uma taxa por cada hectare de floresta que os países em desenvolvimento preservem

Cidades|Manuela Andreoni, do The New York Times

A ideia de um fundo que recompense árvores preservadas surgiu pela 1ª vez há cerca de 15 anos pelo economista Kenneth Lay Jes Aznar/The New York Times

Imagine os mercados financeiros tratando as árvores como acionistas.

O Brasil, que abriga cerca de um terço das florestas tropicais do planeta, acaba de lançar em âmbito global um novo fundo, o Tropical Forests Forever Facility, que se propõe a pagar uma taxa por cada hectare de floresta que os países em desenvolvimento preservem.

O projeto foi apresentado pela primeira vez na cúpula climática global, em Dubai, em novembro passado. Está agora no estágio final de concepção e, feitas as contas, poderá pagar US$ 4 bilhões por ano para proteger as florestas.

A missão desse fundo é inverter a economia que há muito alimenta o desmatamento. A agricultura, a extração de madeira e outras indústrias que impulsionam a destruição das florestas podem impulsionar as economias locais, mas o fundo brasileiro pagaria efetivamente aos países por serviços que as florestas tropicais agora fazem de graça, como armazenar carbono que aquece o planeta e regular os padrões de chuva.


Com isso, o TFFF — como o fundo é desajeitadamente chamado — visa impedir o que há muito é considerado irrefreável. Os países perderam cerca de 3,6 milhões de hectares de floresta tropical por ano nas últimas duas décadas. Essas áreas verdes são cruciais para armazenar o carbono que aquece o planeta e reduzir a perda de biodiversidade.

Mas ideias promissoras, como os créditos de carbono vinculados à redução da perda de árvores e os esquemas de subsídios que recompensam a proteção florestal, são armas de combate que pretendem reverter significativamente a tendência global de desmatamento. Os pagamentos do TFFF podem ser grandes e previsíveis o suficiente para ter sucesso onde outras iniciativas não tiveram.


A proposta do Brasil prevê um fundo de US$ 125 bilhões, o que o tornaria, comparativamente, o maior pote de dinheiro do mundo para ajudar a combater as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. Para dar uma ideia, o Fundo Verde do Clima, o maior fundo climático global, financiador de projetos em todo o mundo em desenvolvimento, tem cerca de metade do capital proposto pelo fundo brasileiro. “Estamos no estágio em que todo mundo diz: olha, em princípio isso é loucura. Mas é loucura de uma forma interessante”, disse Christopher Egerton-Warburton, que lidera o Lion’s Head Global Partners, banco de investimentos que se concentra no desenvolvimento sustentável e que ajudou a projetar o fundo proposto.

Isso porque, ao contrário do Fundo Verde do Clima, o TFFF não exigiria doações. “O que estamos pedindo é um investimento”, frisou Garo Batmanian, chefe do serviço florestal do Brasil e um dos arquitetos do TFFF.


Funcionaria assim: nações ricas e grandes grupos filantrópicos emprestariam ao fundo US$ 25 bilhões, que seriam pagos com juros. Segundo os patrocinadores do fundo, a obtenção desse capital é a parte mais difícil. Esse dinheiro ajudaria a atrair outros US$ 100 bilhões de investidores privados. Tais investidores receberiam uma taxa fixa de retorno, como se tivessem investido em algo com um retorno projetado um pouco maior do que os títulos do Tesouro.

O TFFF então reinvestiria os US$ 125 bilhões em um portfólio diversificado que pudesse gerar rendimentos suficientes para reembolsar os investidores. O retorno excedente seria usado para pagar cerca de 70 países em desenvolvimento, com base na quantidade de floresta tropical que ainda têm.

O projeto permite que o TFFF crie essencialmente subvenções próprias para proteção florestal. Embora esse projeto seja único, o mecanismo financeiro por trás dele — obter depósitos e reinvesti-los para obter lucro — é bastante comum. Basicamente, é como os bancos funcionam.

“A ideia é elegante, e é emocionante que pareça ter algum ímpeto político”, disse Frances Seymour, consultora sênior em florestas do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

O Brasil pretende finalizar a concepção do fundo até o fim do ano, incluindo a maneira como ele será governado, e lançá-lo no ano que vem. Autoridades brasileiras estão tentando capitalizar o papel do país como anfitrião da cúpula do clima da ONU, em 2025, e sua posição este ano na presidência do G20, para reforçar o apoio ao TFFF.

A ideia chamou a atenção de líderes nos Estados Unidos, na Noruega e na França, bem como do Banco Mundial, que está ajudando a desenvolver o projeto. Em uma reunião sobre o TFFF, no Rio de Janeiro, em julho, o presidente do banco, Ajay Banga, declarou que sua equipe estava “encorajada pelo trabalho que foi feito para essa ideia”.

Garo Batmanian é diretor do Serviço Florestal Brasileiro e um dos arquitetos do Tropical Forests Forever Facility Victor Moriyama/The New York Times

Mas, neste estágio inicial do processo, nenhum país ou grupo filantrópico anunciou que colocará dinheiro no fundo. A ambição da proposta gerou algum ceticismo quanto à sua viabilidade. Fazer com que nações ricas se comprometam com US$ 25 bilhões em empréstimos e investimentos pode ser mais fácil do que obter essa quantia com subsídios tradicionais. Ainda assim, pode ser extremamente desafiador. Nos Estados Unidos, por exemplo, exigiria a aprovação de um Congresso polarizado.

A meta do fundo é pagar a países com baixas taxas de desmatamento US$ 4 por cada hectare de floresta em pé que pode ser identificada por imagens de satélite a cada ano. Essas florestas podem ser antigas ou restauradas, mas não podem ser plantações.

Os proponentes do fundo dizem que o preço é o mínimo absoluto para ajudar os países a interromper o desmatamento da mineração na Indonésia, o crescimento das plantações de cacau em Gana, as fazendas em expansão na Colômbia e uma miríade de outros fatores lucrativos que promovem a destruição ambiental.

Os países que receberem fundos do TFFF também serão penalizados em US$ 400 para cada hectare de floresta perdido em determinado ano. A penalidade é aproximadamente a mesma receita anual que um hectare de terra usado em uma fazenda de soja na Amazônia geraria, o que é um dos usos mais lucrativos de terras desmatadas em países em desenvolvimento.

Se a taxa de desmatamento de um país ficar muito alta, os pagamentos do TFFF serão suspensos. Há também o risco de expor os fundos de proteção florestal às oscilações dos mercados financeiros, o que poderia interromper os pagamentos do fundo aos países.

Especialistas afirmam que, ainda assim, um fluxo confiável de fundos de proteção florestal, em torno do qual os países podem planejar seus orçamentos anuais, tem um impacto enorme.

Veja o Brasil, um dos países mais ricos em florestas do mundo em desenvolvimento. Se o fundo já estivesse operando, a nação teria recebido cerca de US$ 600 milhões este ano, considerando as florestas existentes, menos o que perdeu. Isso é quase o dobro do orçamento anual do Ministério do Meio Ambiente do país. “Já faz tempo que falamos sobre as vantagens da conservação, mas não conseguimos, digamos, traduzir isso em coisas concretas que as pessoas possam perceber”, declarou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente do Brasil.

Mas, com o fundo desembolsando dinheiro real para árvores em pé, os políticos que a todo momento lutam contra as políticas de proteção ambiental podem começar a “contar cada hectare de floresta preservada e agradecer a cada indígena dentro de seu estado por ocupar essas áreas”, acrescentou a ministra.

O governo de países com reservas florestais importantes, como o da Colômbia e o da Malásia, expressou seu apoio à proposta e à sua concepção. “Encontrar recursos para rivalizar com o poder econômico que devasta as florestas é crucial para nós”, disse Nik Nazmi, ministro do Meio Ambiente da Malásia.

A forma como o dinheiro é gasto pode se tornar uma fonte de tensão à medida que o desenho do fundo é finalizado. Seymour observou que, por um lado, os beneficiários precisam de alguma liberdade para gastar o dinheiro sem controles onerosos e requisitos como a apresentação de relatórios; por outro, o fundo precisa garantir que está realmente ajudando as florestas e alcançando as comunidades que as protegem: “Pessoas razoáveis podem discordar de qual é o equilíbrio certo.”

A ideia geral de um fundo de investimento que recompense árvores em pé foi imaginada pela primeira vez há cerca de 15 anos pelo economista Kenneth Lay, quando era tesoureiro do Banco Mundial. Desde então, tem se espalhado nos círculos de financiamento voltados para o desenvolvimento e a conservação.

Embora tenha mudado desde que o Brasil o assumiu no ano passado, o projeto continua a se basear em uma ideia bastante simples, de acordo com Lay. O fundo daria aos países em desenvolvimento algo pelo qual eles lutaram incansavelmente: o tipo de dinheiro barato ao qual apenas as nações ricas têm acesso.

Muitas nações em desenvolvimento simplesmente não seriam capazes de tomar dinheiro emprestado a uma taxa de juros baixa o suficiente para financiar a proteção florestal nessa escala.

Quando fala sobre a ideia, Lay frequentemente ouve a mesma pergunta: isso não poderia funcionar para financiar muitas outras causas mundiais mais difíceis, como a distribuição de vacinas no mundo em desenvolvimento ou a redução da poluição por plástico? “Você está certo”, ele sempre responde. “Mas vamos começar com as árvores.”

c. 2024 The New York Times Company

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