Brasileiro troca o arroz, feijão e carne por salgado para economizar com almoço
Foram consumidos 170 milhões a mais de salgados em relação a 2019, antes da pandemia; já as refeições tiveram queda
Economia|Do R7
Na última quarta-feira (7), o comerciante Cícero Severiano Ribeiro, de 50 anos, parou na hora do almoço num trailer que vende salgados no terminal de ônibus da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. Pediu um salgado e um suco e gastou R$ 6. "Adoro comer essa coxa [creme] de frango."
Além de o comerciante ser atraído pelo sabor do salgado, ele conta que vem mudando os hábitos. De duas a três vezes na semana, almoça o tradicional prato feito, mas nos demais dias opta por um salgado e um suco. Antes da pandemia, ele comia arroz com feijão todo dia. A mudança ocorreu por causa da correria do dia a dia e, principalmente, para economizar. "Os tempos se tornaram mais difíceis."
A conta de quanto Ribeiro economiza ao almoçar um salgado é simples. Um prato feito, com arroz, feijão e carne, por exemplo, não sai por menos de R$ 25 na região onde ele trabalha. Essa cifra equivale ao desembolso de três dias em que almoça salgado e suco.
O comerciante é um entre os milhões de brasileiros que, depois da pandemia, trocaram o prato feito pelo salgado nas refeições fora de casa. Esse movimento foi detectado pela consultoria Kantar, que monitora o consumo fora de casa de alimentos e bebidas em sete regiões metropolitanas do país.
No ano passado, os brasileiros que vivem nessas regiões consumiram 170 milhões a mais de salgados prontos, como quibe, coxinha, pão de queijo e pastel, em relação a 2019, antes da pandemia. Em contrapartida, o consumo de refeições, com arroz, feijão e carne, diminuiu em 247 milhões de unidades na mesma base de comparação.
Para chegar ao número de unidades, que expurga o efeito da inflação, a consultoria monitorou diariamente, por meio de um aplicativo, o consumo de alimentos e bebidas fora de casa de 4.000 adultos. Eles representam o comportamento de 48 milhões de pessoas que vivem nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Recife, Salvador, Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre.
Por outra métrica, o estudo da Consumer Insights mostra que os salgados prontos respondiam, em 2019, por 11% do total de unidades de alimentos e bebidas consumidas fora de casa. Em 2022, essa fatia subiu para 15%. Em igual período, a participação das refeições encolheu de 7% para 4%.
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"O salgado pronto ganhou tanto destaque que se tornou, no ano passado, o segundo alimento mais consumido fora de casa e o alimento salgado mais consumido", afirma Hudson Romano, gerente sênior de Consumo Fora do Lar e responsável pela pesquisa.
Em 2019, os salgados ocupavam a quarta posição entre os alimentos mais consumidos fora de casa, mas subiram para a segunda colocação em 2022, tendo passado à frente de sanduíches e pizzas e perdido apenas para os snacks doces, que continuaram na liderança nos dois períodos analisados. O salgado pronto e o salgadinho de pacote foram os únicos alimentos fora de casa cujo consumo aumentou no período, com alta de 18% e 4% nos volumes, respectivamente. A quantidade consumida de refeições caiu 43%.
O motivo do recuo e da troca da refeição pelo salgado foi, segundo Romano, a inflação. Enquanto o preço da refeição aumentou 21% entre 2019 e 2022, segundo a pesquisa da consultoria, o valor do salgado teve alta de 10%.
"Como o salário médio não cresceu na mesma velocidade de outros custos da alimentação fora de casa, que foram muito fortes, o bolso ficou mais apertado", afirma o consultor. Uma das saída foi deixar de comer pratos com a mesma frequência e pôr os salgados como opção. "Isso não quer dizer que o brasileiro tenha abandonado o restaurante. Mas, se antes comia pratos [prontos] três vezes na semana, agora diminuiu para duas, porque o dinheiro não dá", explica.
Menor renda
A troca da refeição pelo salgado foi puxada pelas classes de menor renda (C, D e E), com registros de aumento nos preços do prato feito por causa da alta das commodities, como arroz, feijão, carnes e óleo, ingredientes básicos dessas refeições. No período analisado, o preço médio da refeição fora de casa cresceu 36% para as classes D e E e 24% para a classe C; e recuou para as classes A e B, para as quais a refeição geralmente inclui outros ingredientes, aponta o estudo.
Artur Almeida, de 24 anos, que ganha um salário mínimo trabalhando com a locação de equipamentos de gaseificação para bares e restaurantes, por exemplo, aponta o preço menor como o principal motivo da troca da refeição pelo salgado, além da economia de tempo. "Acho muito alto um prato de comida por R$ 25, e tem lugares que é bem mais que isso", afirmou ele, enquanto almoçava dois salgados por R$ 10 na última quarta-feira (7).
Almeida recebe R$ 26 por dia de vale-refeição e usa o dinheiro nas compras de supermercado para preparar o jantar e a marmita. "Esta semana não tive tempo de preparar a marmita. Tive de trabalhar no fim de semana, porque o salário não está dando para pagar todas as despesas."
O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, diz que os resultados da Kantar têm aderência com os números constatados pela Abrasel. No ano passado, o setor cresceu 8% em faturamento, descontada a inflação, em relação a 2019. Isso foi um desempenho muito bom, segundo ele.
Solmucci explica que o crescimento foi sustentado pelas camadas de renda da base da pirâmide: as classes C, D e E, que ampliaram em 20% as vendas reais de lanchonetes e padarias, por exemplo, muito provavelmente pela compra de salgados prontos e lanches.
Em contrapartida, os dados da entidade mostram que os restaurantes que servem refeições do dia a dia registraram uma queda real de 10% na receita no período. Ele atribui essa retração também ao home office, adotado pela maioria das empresas em dois dias na semana. Isso teve reflexos no consumo. Já os restaurantes destinados ao público de maior renda "cresceram muito as vendas", diz o presidente da Abrasel, sem revelar os porcentuais.
Compartilhamento e informalidade
Um dado da pesquisa da Kantar que chamou a atenção de Romano foi o aumento do compartilhamento do consumo de salgados prontos, muito provavelmente de combos. O consumo individual, que representa metade do mercado de salgados, ficou praticamente estável entre 2019 e 2022. Já o consumo compartilhado com três ou mais pessoas teve aumento de quatro pontos porcentuais no período. "Isso mostra que está crescendo a compra de salgados em grupo."
O aumento da preferência pelo salgado pronto e pelo consumo compartilhado do item têm transformando o mercado de alimentação fora de casa. Essa mudança também virou uma alternativa de renda para os trabalhadores informais. A pesquisa mostra que o canal de vendas de ambulantes cresceu 45% no pós-pandemia e foi o que mais aumentou no período, por ter preços menores em relação aos do comércio formal.
A faxineira Maria do Rosário Ramos Silva, de 57 anos, por exemplo, tem como segunda fonte de renda vender salgados que prepara para os vizinhos. Ela tira um salário mínimo com as limpezas e ganha um extra com os quitutes. A coxinha custa R$ 2, e a bolinha de queijo e o bolinho de carne saem por R$ 1. "O pessoal passa na minha casa, compra e leva para comer no trabalho, ou à noite em casa, no lugar de uma refeição", conta.