Como as ambições cripto de Tom Brady colidiram com a realidade
Implosão da bolsa de criptomoedas FTX em novembro do ano passado acabou com a bonança das celebridades
Economia|Do R7
Quando a bolsa de criptomoedas FTX implodiu em novembro do ano passado, Tom Brady, o ex-quarterback heptacampeão do Super Bowl, fez uma ligação urgente para Sina Nader, diretor de parcerias da FTX. A equipe estava no meio de uma reunião de crise com o fundador da bolsa, Sam Bankman-Fried, então encurralado, e Nader não pôde atender. "Nunca pensei que recusaria uma chamada de Tom Brady", disse.
Brady tinha motivos para estar preocupado. Como "embaixador" da FTX, ele aparecera na conferência da empresa nas Bahamas e em comerciais de TV que promoviam a bolsa como a instituição "mais confiável" no mundo pouco regulamentado das criptomoedas.
O dinheiro dele também estava em jogo. Três pessoas com conhecimento do contrato confirmaram que, como parte de um acordo de endosso assinado em 2021, Brady recebeu cerca de US$ 30 milhões, quase inteiramente em ações da FTX. Uma delas informou que a esposa de Brady na época, a supermodelo Gisele Bündchen, embolsou US$ 18 milhões em ações da bolsa.
Agora, a FTX está falida, e Bankman-Fried enfrenta acusações criminais de fraude. Brady, de 45 anos, e Bündchen, de 42, foram processados por um grupo de clientes da FTX que pretende ser indenizado pelas celebridades que endossaram o negócio. Além disso, teria sido exigido que o ex-casal, que se divorciou no ano passado, pagasse impostos sobre pelo menos algumas das ações agora sem valor, revelaram duas pessoas familiarizadas com os termos do contrato.
A situação deles é o exemplo mais proeminente de um acerto de contas humilhante enfrentado por atores, atletas e outras celebridades que se apressaram em abraçar o dinheiro fácil e o hype virtual das criptomoedas. No auge da febre, Paris Hilton, Snoop Dogg, Reese Witherspoon e Matt Damon falaram com entusiasmo sobre projetos de criptomoedas ou investiram neles, atraindo um público mais convencional para o mundo instável das moedas digitais. Foi divertido – e lucrativo – enquanto os preços subiram.
Mas o crash do ano passado acabou com a bonança de criptomoedas das celebridades.
Em outubro, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) ordenou que Kim Kardashian pagasse US$ 1,26 milhão por não ter feito divulgações adequadas ao endossar o token cripto EthereumMax. Um advogado da Califórnia processou, em dezembro, duas empresas de criptomoedas, a MoonPay e a Yuga Labs, pelo uso de uma "vasta rede de músicos, atletas e clientes famosos" para enganar os investidores sobre ativos digitais.
Em março, a SEC acusou a atriz Lindsay Lohan, o influenciador digital Jake Paul e músicos como Soulja Boy e Lil Yachty de ter promovido criptoativos ilegalmente. E, no fim de maio, depois de meses de tentativas fracassadas, um servidor de processos convocou Shaquille O'Neal, o astro aposentado do basquete processado por promover a FTX, para depor, de acordo com registros legais. O'Neal foi intimado durante a transmissão de um jogo de playoff da NBA (National Basketball Association).
Os representantes de Brady, Bankman-Fried e da MoonPay se recusaram a comentar. Um porta-voz da Yuga Labs declarou que a empresa "nunca pagou a uma celebridade para entrar no clube". Representantes de Bündchen e O'Neal não responderam às solicitações de comentário.
Não é de hoje que startups de tecnologia e celebridades têm uma relação simbiótica. As startups oferecem às estrelas uma maneira de ganhar dinheiro ao mesmo tempo que se mantêm na vanguarda da cultura digital; por sua vez, as celebridades ajudam as jovens empresas a ganhar credibilidade e alcançar um público maior.
De todas as startups que recrutaram celebridades para promover criptomoedas, a FTX talvez tenha sido a mais ávida. Ao tentar torná-la um nome conhecido, Bankman-Fried criou uma lista de celebridades que poderiam divulgar a empresa, lembrou Nader, o ex-executivo da FTX. Brady era o primeiro nome.
Ex-jogador de futebol americano universitário, Nader ficou encarregado de recrutar Brady e outros astros. Em junho de 2021, Brady e Bündchen fecharam um acordo com Bankman-Fried, elogiando a "revolucionária equipe da FTX". Segundo Nader, Brady parecia genuinamente interessado em criptomoedas e às vezes conversava com o empresário: "Imagine um tigre e um leão conversando. Eles são um pouco diferentes, fazem coisas diferentes, mas cada qual é formidável em sua arena."
Em 2021, Brady também cofundou a Autograph, que ajuda famosos a vender criptomoedas colecionáveis, conhecidas como tokens não fungíveis, ou NFTs. A Autograph arrecadou mais de US$ 200 milhões de investidores, e Bankman-Fried ingressou no conselho.
Nesse mesmo ano, Brady e Bündchen estrelaram uma campanha publicitária de US$ 20 milhões para a FTX, com comerciais exibidos durante os jogos da NFL (National Football League). Brady também postou vídeos no TikTok com Bankman-Fried da sede da startup nas Bahamas, onde palestrou em uma conferência na frente de centenas de pessoas. Nos bastidores, Bankman-Fried comentou que se imaginava comprando um time de futebol algum dia com Brady. Bündchen também participou da conferência como chefe de iniciativas ambientais e sociais da empresa.
Com seu colapso em novembro, o valor da FTX — de US$ 32 bilhões, incluindo os US$ 48 milhões em ações de Brady e Bündchen — despencou para zero. De acordo com uma fonte, o casal também recebeu uma pequena quantidade de tokens ethereum, bitcoin e solana, que desapareceram com a falência, para negociar na plataforma.
Brady não se pronunciou sobre a FTX ou seu relacionamento com Bankman-Fried. Depois da reunião de crise em novembro, Nader retornou a ligação. "Ele estava preocupado. A primeira coisa que me perguntou foi: 'Tudo bem, Sina? Sei que você se dedicou a isso de corpo e alma'", contou o diretor de parcerias.
Em entrevista à "Vanity Fair" em março, Gisele declarou que "confiou no hype" e foi "pega de surpresa".
O outro empreendimento de criptomoeda de Brady também enfrentou dificuldades. Uma pessoa a par das finanças da Autograph informou que a receita despencou no ano passado em meio ao colapso das criptomoedas, acrescentando que a startup mudou de estratégia para se concentrar mais em ajudar as celebridades a encontrar maneiras de estimular a lealdade dos fãs e menos em anunciar tokens de criptomoedas para consumidores. A empresa também removeu um pouco da linguagem cripto dos conteúdos de marketing, minimizando o uso de termos como NFT, disse outra pessoa familiarizada com os negócios da Autograph.
Além disso, a startup cortou mais de cinquenta funcionários em rodadas de demissão, segundo uma terceira pessoa. As reduções de pessoal foram comunicadas anteriormente pelo Insider. Um porta-voz da Autograph se recusou a comentar.
Brady também enfrentou problemas legais. Em dezembro, Adam Moskowitz e o escritório de advocacia Boies Schiller Flexner entraram com uma ação em um tribunal federal na Flórida, acusando a ele e a Bündchen de ludibriar investidores. Entre os outros réus estão o comediante Larry David, o astro da NBA Stephen Curry e a tenista Naomi Osaka, que endossaram a FTX. "Nenhum desses réus efetuou qualquer diligência devida antes de divulgar produtos da FTX para o público", relatou o processo.
Algumas celebridades escaparam por pouco da confusão das criptomoedas. Segundo três fontes, a estrela pop Katy Perry manteve conversas com a FTX sobre uma parceria que nunca se concretizou.