De quase falida à injeção de R$ 13 bi: lições que a Chevrolet tirou da crise
Empresa renovou portfólio e agora aposta em conectividade e nos serviços
Economia|Karla Dunder, do R7
O diretor de marketing da General Motors Mercosul, Hermann Mahnke, falou com exclusividade ao R7. Nesta entrevista, Mahnke aponta os caminhos para o sucesso da Chevrolet, hoje a número um em vendas no Brasil, uma reviravolta na trajetória da empresa que quase fechou as portas após a crise de 2008.
Com investimento agressivo, na casa dos R$ 13 bilhões, a Chevrolet aposta em tecnologia de ponta e mudança em todo o portfólio e em campanhas de publicidade que mostram uma marca com opinião.
Há 20 anos na empresa, Hermann Mahnke atuou na área de comunicação da GM América do Norte e foi presidente da empresa no Chile e no Peru.
Com experiência de sobra, o diretor detalha os rumos da empresa, destaca a importância de serviços de compartilhamento de carros como o Lyft e o Maven e revela quais as apostas para o futuro da indústria automobilística.
R7 — A GM passou por um período conturbado com a crise de 2008, chegando à beira da falência. A empresa, em escala global, passou por uma grande mudança. Como foi esse processo de recuperação da marca e como ela se reergueu?
Hermann Mahnke — De fato, a GM passou por um momento difícil em suas operações globais. A ideia era proteger a marca. Naquele período, a indústria brasileira estava em um momento muito bom, e a Chevrolet com uma performance muito boa. Eu diria que o grande legado de 2008 foi perceber que não pode ser simplesmente um a mais. Não pode ter a filosofia de que se tem mercado estou eu lá competindo. Essa foi uma grande mudança, uma mudança na cultura da empresa. A partir disso, passamos a construir uma nova história, uma história vencedora.
R7 — E qual foi o reflexo disso no Brasil?
Mahnke — Houve uma mudança quase que completa do portfólio, dos produtos oferecidos pela Chevrolet, a partir de 2012. Vieram para o Brasil marcas não conhecidas por aqui e que substituíram aquelas ‘superconhecidas’. Astra, Vectra, Corsa foram deixando de ser comercializados para receber marcas globais como o Cruze, Sonic e Onix, que hoje é o nosso campeão de vendas.
R7 — Para renovar é preciso investir. Como foi isso?
Mahnke — Em 2015, uma nova Chevrolet chegou ao mercado. Foi feito um anúncio importante de investimento na ordem de R$ 13 bilhões por um ciclo de 2015 a 2020. Esse investimento tem como objetivo fazer uma renovação completa de tecnologia e reforçar os pilares que a Chevrolet tem para o mercado brasileiro. E o consumidor já consegue usufruir desse trabalho. Entre 2016 e 2017, a Chevrolet trouxe 12 lançamentos importantes para o País. É preciso dizer que não foram atualizações, mas lançamentos de novos produtos que de fato mudaram a referência do consumidor brasileiro em cada um dos seus segmentos.
R7 — Poderia exemplificar?
Mahnke — O Onix é um carro pequeno, que está em um segmento de entrada, e que trouxe e popularizou a tecnologia para um público que sequer sabia que isso existia. Foi o primeiro carro a trazer conectividade de multimídia ao mercado. Em 2016, esse carro ganhou uma verticalização com as novas gerações de todas essas tecnologias. Se pensar no setor dos carros que formam opinião, os carros médios, a gente trouxe uma nova geração do Cruze para o mercado — o primeiro carro a ganhar uma motorização turbo neste segmento. Cruze tem um motor 1.4 turbo de excelente performance e consumo de combustível baixo, o que multiplicou suas vendas. O mesmo aconteceu com a S10.
R7 — Essa renovação do portfólio foi ousada. Qual o impacto disso?
Mahnke — Renovamos nosso portfólio inteiro nesses anos de 2016 e 2017 e o resultado é uma história muito bonita. Hoje a Chevrolet é líder, está abrindo o terceiro ano na liderança no mercado brasileiro. Estamos no mercado há mais de 90 anos, historicamente essa liderança não era nossa, e estamos com mais de cinco pontos na frente do segundo colocado. Quando foi lançado o Onix, em outubro de 2012, havia um rochedo pela frente. A proposta era completamente diferente para esse carro, a ideia que o consumidor tivesse acesso a toda tecnologia. O resultado foi o crescimento do Onix no mercado, que foi galgando posições e atualmente é o líder absoluto. Em 2017, o Onix está mais 70 mil carros a frente do segundo colocado e, se a gente pensar na indústria inteira, é um carro que tem quase 10% de participação da indústria inteira. Precisamente, o Onix tem 8,3% de participação na indústria, que é uma marca representativa. E o que nos deixa muito satisfeitos e confiantes é que a consequência de todo esse investimento, de todo esse esforço de mudança de mentalidade da empresa que resultou em vendas. Não trabalhamos para ter a liderança em vendas, mas para que a liderança em vendas seja uma consequência desse trabalho. A consequência de oferecer produtos inovadores e tecnologia é a lealdade do consumidor, o mais importante neste momento. O Cruze vende três vezes o que vendia na versão anterior. A Chevrolet está na liderança absoluta.
R7 — Em 2008, mesmo com a crise global, o Brasil tinha uma situação econômica melhor, com redução de IPI e consumidores menos endividados. Hoje, vivemos uma das piores crises da história do País. E mesmo assim a Chevrolet optou por investir. A apostar em tecnologia foi um caminho para fugir da crise?
Mahnke — Veja, tudo começa com a história da empresa. Nosso investimento não é de curto prazo, estamos no País há mais de 90 anos e a Chevrolet quer continuar aqui por muito tempo. As crises acontecem. O Brasil vive uma crise que, seguramente, é uma das mais profundas que já viveu. Sem dúvida, a crise nos afeta, machuca e dificulta muito as coisas, no entanto, esse resultado da Chevrolet no mercado brasileiro é consequência de: 1. acreditar no País e 2. ouvir as necessidades que os nossos clientes têm e oferecer aquilo que querem. O cliente brasileiro tem sim suas peculiaridades, gosta de desenho, de tecnologia e de performance. A base está nesses três pilares. A Chevrolet popularizou tecnologia, que, até então, o consumidor brasileiro não estava acostumado. Os carros pequenos no Brasil representam quase metade das vendas, um grande volume de consumidores brasileiros não estava acostumado com essas tecnologias que a Chevrolet trouxe para este público. Sem dúvida nenhuma que esse crescimento está associado ao investimento em tecnologia.
"A crise nos afeta%2C mas sem dúvida nenhuma que o nosso crescimento está associado ao investimento em tecnologia"
R7 — E quais foram essas tecnologias?
Mahnke — Hoje, por exemplo, a Chevrolet trouxe a conectividade por meio de um sistema multimídia. Há dois anos, lançamos o OnStar, um sistema de telemática que permite ao consumidor ter acesso à informação, ao diagnóstico avançado de seu carro e a uma série de serviços. Procuramos atender desde necessidades básicas até alguns mimos como, por exemplo, ao dirigir e precisar de uma rota, basta apertar um botão na tela multimídia e o motorista terá acesso a uma operadora. É só pedir o endereço ou escolher um restaurante em uma cidade específica e o sistema de navegação do carro define o caminho. Com o sistema de monitoramento, todos os dados estão disponíveis no smartphone. Eu não preciso estar no meu carro para saber quantos quilômetros foram rodados, a pressão dos pneus ou mesmo saber se é necessário fazer a revisão em alguma peça que tenha algum desgaste prematuro evitando, assim, algum problema ou prejuízo no futuro. Também é possível destravar as portas via celular. É possível monitorar, mesmo com o carro desligado, se está sendo guinchado ou carregado. O OnStar permitiu uma recuperação de quase 90% de carros roubados ou furtados. Uma tranquilidade muito grande para o nosso consumidor. Até outras tecnologias que fazem parte de fato da evolução de um carro como os motores turbos do Cruze e Tracker.
R7 — Na sua opinião, a tecnologia é uma boa resposta à crise?
Mahnke — Queremos que a Chevrolet seja reconhecida pelo consumidor brasileiro como uma marca que tem coragem de inovar mesmo em um momento tão difícil como o que estamos vivendo. Diante do cenário atual temos duas opções: sofrer com essa crise à espera que ela passe ou ter atitude e fazer acontecer, investir sabendo que essa crise vai passar. O Brasil aponta para uma indústria automobilística maior. Se compararmos 2017 com 2016, o crescimento chegará quase a 10%. Até o momento o aumento foi de 8,3% e projetamos que ficará entre 9 e 9,5%, seguramente. Para o próximo ano, com otimismo, o número será ainda maior, algo em torno de 8% ou eventualmente um pouco maior projetando as vendas de 2017 para 2018. A indústria está voltando, mas não posso negar que a gente viveu uma das crises mais profundas neste País.
R7 — Houve investimento em tecnologia e em um novo portfólio. Mas houve uma mudança na estratégia de marketing da empresa. A Equinox foi lançado primeiro na Argentina para chegar meses depois ao Brasil, o que não é comum. No geral, os lançamentos ocorrem em cima da data de vendas. Houve uma mudança de estratégia?
Mahnke — Todo o investimento para uma nova Chevrolet e um novo portfólio não seria possível sem uma estratégia de marketing que desse suporte a isso. Hoje o marketing é muito mais atuante. A marca Chevrolet tem opinião. O Cruze mudou de segmento em um momento que o país pedia por mudanças. A campanha seguiu nessa linha, nos posicionamos. O mesmo ocorreu com a S10. Ouvimos a voz do empresário do agronegócio, que é muito frustrado por não ter reconhecimento merecido. Ecoamos, através da nossa comunicação, a voz desse setor. O meio rural brasileiro é extremamente tecnológico. O Brasil faz em escala industrial transferência de embrião ou fecundação in vitro realizado da mesma forma nos melhores centros do mundo. É um desempenho reconhecido e muito próximo da S10. Para o Onix, a Chevrolet fez uma parceria com o Waze. O trânsito é caótico em qualquer capital brasileira e tende a piorar e, nesse sentido, nada melhor que uma parceria inteligente e a conectividade para amplificar isso. A Equinox encerra, pelo menos neste ano, um ciclo. O carro foi apresentado pela primeira vez no meio do ano em Buenos Aires, algo incomum para a indústria brasileira, e o lançamento ocorreu agora no final de outubro. O segmento que mais cresce e tem a maior migração é o setor do utilitário esportivo. Investimos muito na Tracker com motor turbo e na Trailblazer e agora na Equinox ao lançarmos o utilitário esportivo mais vendido pela Chevrolet em todo o mundo e com tecnologias que o Brasil não conhece. Tecnologias que são inovadoras até para segmentos maiores. O Equinox chega equipado com motor 2.0 turbo com 262 cv. Nem as marcas premium do segmento têm esse poderio de potência.
"A Chevrolet é uma marca que tem opinião"
R7 — Qual o maior desafio do marketing?
Mahnke — A Chevrolet tem essa característica de inovar em tecnologia em todos os segmentos em que atua. O desafio está em ouvir e responder a necessidade do nosso cliente. Meu desafio é escutar o consumidor, atender, desenvolver o que ele quer para, aí sim, devolver aquilo a ele. Nem sempre o consumidor sabe expressar a sua necessidade, preciso, então, saber decodificar o que não foi verbalizado. Acho que fazemos um bom trabalho nesse sentido e o resultado das vendas aponta para isso. Anunciamos mais investimentos e construção de fábricas porque queremos continuar nessa trilha e o marketing seguirá junto. O reconhecimento desse trabalho pelos meios especializados é a indicação ao Prêmio Caboré como anunciante do ano.
R7 — O investimento em publicidade foi agressivo. Poderia comentar em números?
Mahnke — Por estratégia não abrimos o valor do investimento. Claramente, hoje, somos um dos maiores investidores do País. Queremos mostrar que a Chevrolet é uma marca que tem identidade com o consumidor. Preciso traduzir na comunicação o que o consumidor da Chevrolet pensa. O marketing mudou e segue essa linha de comunicação. Trouxemos a inovação tecnológica na roupagem de uma marca de opinião. Mantivemos os investimentos tanto no desenvolvimento de produtos, quanto em lançamentos e também em marketing. O momento dos lançamentos é este e tenho de atrelar o valor ao produto. É a hora que tenho para apresentar aquele produto ao mercado. Se eu não o fizer, perco o momento. Fomos muito agressivos nos investimentos, com estratégias de marketing contundentes. Um dos grandes planos que está nascendo agora é uma parceria com a Isobar para lançar o 360, uma iniciativa de realidade virtual. Nada melhor que mostrar um produto, da parte alta do segmento como a Equinox, usando uma tecnologia de realidade virtual. É possível fazer o test drive virtual com uma aproximação da realidade e sem sair do conforto de casa. Claro, também pode conhecer mais o produto em uma das concessionárias da rede.
R7 — Saindo do mercado de carros, sem sair totalmente. A GM investiu 500 milhões de dólares na Lyft, que é a concorrente do Uber nos Estados Unidos. A GM investe numa empresa de carros compartilhados. Não seria uma concorrência? Como elas se aliam?
Mahnke — A GM mudou sua mentalidade depois de 2008. Em janeiro de 2016, nossa CEO, Mary Barra, no Fórum Global de Davos, disse que, na visão dela, a indústria automobilística vai mudar mais nos próximos 5 anos do que mudou nos últimos 50. Isso tem permeado a nossa cultura de inovação. O que a gente tem feito? Tem trabalhado incessantemente em quatro pilares. O primeiro pilar é a conectividade. A GM tem a maior frota de carros 4G circulando no mundo, são 5 milhões de veículos. O segundo é o compartilhamento de carros. Se parar para pensar, um carro particular fica mais de 90% do tempo parado ou desligado. Isso traz duas consequências: a primeira é o desperdício e a segunda é o problema com estacionamento. Megalópoles como São Paulo e Rio, por exemplo, sofrem com isso. Terceiro pilar é a eletrificação. No ano passado, um carro elétrico, o Bolt, passou a ser comercializado nos Estados Unidos com grande sucesso. E o quarto pilar, não menos importante, é o carro autônomo. A GM tem uma parceria com a Cruise Automation nos Estados Unidos para desenvolver esses veículos. Já temos 50 carros autônomos circulando com condutor passivo, que fica ali para alguma emergência. Esses quatro pilares serão a estrutura do nosso negócio muito em breve. A posição da GM é fazer parte de todas essas mudanças e esses quatro pilares fazem parte dos grandes investimentos feitos em escala global pela empresa. O Lyft é um deles, entra nesse pilar de compartilhamento, sem data para chegar ao Brasil.
"A indústria automobilística vai mudar mais nos próximos 5 anos do que mudou nos últimos 50"
R7 — E o Maven?
Mahnke — Uma tecnologia que já chegou ao Brasil é o Maven, para aluguel de veículos. A GM hoje tem nas suas plantas carros disponíveis aos funcionários. Eles entram em um sistema, se credenciam e reservam um automóvel. O carro fica fechado e estacionado no pátio e, por meio do smartphone, é possível pegar o veículo. Só será cobrado o tempo utilizado. Estamos expandindo o Maven para outras cidades do Brasil. Todas esses pilares em algum momento chegarão aqui. Depois do mercado americano, o Brasil é primeiro a receber as novas tecnologias, a exemplo do Maven. A Chevrolet quer estar na vanguarda desses quatro pilares.
R7— Tanto Lyft como o Maven têm foco nos serviços. Estão ligados à conectividade e oferecem vantagens ao consumidor. Posso dizer que a GM investe em serviços?
Mahnke — Faz todo o sentindo. A propriedade de um carro não é simplesmente o bem em si. É toda a experiência que se tem com o produto. Cada vez mais os carros estão mais conectados e o serviço começa a ganhar uma relevância muito maior na vida de quem dirige e de quem interage com aquele carro. O serviço começa a ter um protagonismo muito grande. Eu ouso dizer que serviço pode, no futuro, ser o grande motivador das indústrias. Serviço entra no jogo e o marketing explora muito isso dentro dos seus conteúdos. O serviço é um diferencial.
R7 — A tecnologia também acaba sendo um serviço para o usuário, não apenas conforto.
Mahnke — Sem dúvida nenhuma. O OnStar está aí para isso. Toda essa funcionalidade do OnStar que está a pleno vapor no Brasil é serviço. É oferecer mais para o consumidor. Vai muito além do hardware, do produto em si. É o que está ganhando protagonismo em si.
R7— O carro não pode ser o novo cigarro. O carro elétrico segue uma linha de pensamento mais ecológico. Gostaria que você comentasse quais as expectativas com relação a esse público que busca veículos menos poluentes e que está preocupado com o meio ambiente.
Mahnke — O carro não vai ser o cigarro do século 21 ou 22. Existe a concentração da população mundial em megacidades hoje e esse número será muito mais representativo no futuro. Quais são as consequências disso? Se as tensões não são resolvidas, começa a ter picos de poluição não apenas da emissão de gases vindos da indústria automobilística, mas dessa concentração em si. O nível de exigência dessa população também aumenta. No passado, pensava-se que a solução para o trânsito era fazer mais vias, rodovias, túneis, pontes. Na verdade, o que precisamos conseguir, de maneira inteligente, é equacionar o compartilhamento do carro. Esse compartilhamento ganha protagonismo. Quando pensamos nessas concentrações de pessoas, o carro elétrico não polui. Os combustíveis fósseis são finitos. O carro elétrico, além de não poluir, tem energia renovável e equaciona essa necessidade também. Ele é uma solução.
R7 — Qual a sua expectativa da Chevrolet para o Brasil em 2018, um ano com eleições?
Mahnke — Será um ano com muitas variáveis, mas esperemos que o Brasil tome as decisões certas e necessárias. A confiança do consumidor está mudando. Os indicadores mostram um viés de crescimento positivo na economia. Nosso negócio, especificamente, tem crescido e projetamos um próximo ano de crescimento. A partir do momento que a gente começa a enxergar isso no nosso negócio, podemos expandir para o Brasil. Estamos otimistas quanto ao futuro do País.